Mar y Sol.

(Para ler ao som de Faz parte do meu show)

A tarde cai sem cor, e num banco uma moça rabisca algum desenho. O Sol de um lado, morrendo, pingando seus raios já com preguiça, como um grande conta-gotas e do outro o Mar, cruelmente nu, com suas ondas arrebentando sobre as pedras.

O dia vai acabando e a verdade ainda não apareceu, quem sabe com a noite?!

A moça tem cabelos negros, são compridos, balançam por causa da brisa, cabelos negros que balançam... Seus olhos são grandes, grandes olhos castanhos com sabor de jambo. Mas como podem olhos ter sabor? Os dela têm. Os seus cílios são também longos, fazem uma curva já no final, o que nos dá a impressão de serem ainda maiores.

O Sol ainda não se pôs por completo, me parece que ele não quer mais ir, talvez esteja encantado pela beleza de nossa jovem e ele ainda banha suas mãos que desenham. Ela tem dedos de pianista, pintando partituras sob esse Sol que parece se desfazer em ternuras, somente para não abandona-la.

O que será que ela desenha? Talvez o pôr do Sol. Ele ficaria imensamente feliz se fosse verdade.

Enquanto isso, o Mar se revolta, mas não é preciso o temer ele não pode nos causar mal nenhum. Suas ondas vêm e vão como a vida, e sua revolta nada tem de violência, é mais mágoa, mais mágoa. Vocês o entendem? O Mar quer engolir a moça, quer abocanhá-la, consumi-la, não por ódio, mas por amor. Não quer dividi-la com o Sol.

Minha moça está distraída, nem percebe a disputa que causou. Continua com seu carvão e seus pastéis, pura poesia. Ela parece se perder na imensidão de seus amantes, Sol [y] Mar, Mar [y] Sol.

Ser amada pelo Mar e pelo Sol, quanta sorte. Enquanto um molha suas coxas com amor o outro seca suas lágrimas de solidão. Nos meus sonhos o amor é assim.

A minha moça começa a se confundir com seus amantes e na composição que eu vejo não há diferença entre eles. Talvez seja uma alucinação, como pode haver tanta cor de onde agora a pouco só havia ausência? Talvez eu tenha sido tomada por as cores dessa moça, há tanta vida e alegria nela. Depois que se enxerga as cores dos outros não há maneira de fechar os olhos e esquecer. Minha moça cantarola uma canção, fala de cores, manhãs e paisagens.

Até esqueci quem são seus pretendentes, mas agora... Agora só há uma saída e uma única verdade, minha menina encontrou-se consigo mesma na infinitude desse fim de tarde, Marysol.

(O mar sempre arrebentou suas ondas na minha vida, sim, na minha, e elas já levaram tantas lágrimas... Quando não se prestam oferendas à Iemanjá ela leva nossos amores pro fundo do mar, sendo assim, eu acabei me afeiçoando a ele, uma vez que lá estão todos os meus desenganos de amor. A imensidão do azul que ele abriga sempre me lembrou olhos, olhos de horizonte, olhos para se banhar, em que nós preferimos nos afogar a nadar até a praia).

(Quanto ao sol eu o tenho como oráculo, quando ele parte me parece que se anuncia a dor, a escuridão, a mágoa que desemboca no meu coração, o fim. O sol vai morrendo e parece que é meu dever ir com ele. O meu coração perde a alegria e voltar para casa parece ser o mais sensato. O sol aquece minha dor e acalenta meus pensamentos. Eu preciso do seu consolo e de seu colo, dos seus raios banhando os bancos e esquentando o vinho).

(Quanto à ela, bem, ela é a minha paz)