A Fonte das Realizações
 
Cícero, órfão de pai e mãe, vagueava de um vilarejo a outro em busca de alimento e abrigo. Porém, mais que alimentos para saciar a fome e lugares confortáveis para dormir, Cícero buscava uma razão: entender porque muitas pessoas batalham uma vida inteira e vivem infelizes, frustradas, fracassadas... Enquanto, outras – enfrentando dificuldades similares – são felizes, otimistas, bem-sucedidas.
 
Certo dia Cícero encontrou um velho solitário no seu caminho. Ele carregava um enorme fardo que parecia muito pesado, especialmente, para alguém tão velho e cansado. Solidário, o jovem decidiu fazer-lhe companhia. Mais adiante, quando pararam para descansar às margens de um rio de águas claras, ele notou que o velho se prostrou sem, contudo, livrar-se da bagagem. A atitude estranha do companheiro chamou-lhe a atenção.
 
— O que há em sua bagagem que a torna tão pesada? Eu ficaria contente em poder ajudá-lo. Afinal, sou um forte rapaz e o senhor me parece tão cansado...
 
— Não há nada que possa fazer por mim. Eu mesmo devo carregar este fardo. Você entenderá quando o peso dos anos revelar o seu...
 
Os dias passavam, paulatinamente, e os dois companheiros de infortúnio iam percorrendo inúmeros quilômetros por caminhos indefinidos. Embora Cícero questionasse frequentemente o ancião sobre a razão que tanto buscava entender, ele nada dizia. Por mais que tentasse, também não conseguia descobrir que "tesouro" o velho carregava com tanta dificuldade.
 
Inúmeras vezes, no silêncio das monótonas noites insones o rapaz fingia dormir, enquanto o ancião – sob a tênue luz de uma velha lamparina – aproveitava os momentos de solidão para remexer e amaldiçoar o conteúdo de sua misteriosa bagagem.
 
Um dia o velho, sentindo que seu cansado corpo já não reagia ao comando de sua vontade, sentou-se na relva para repousar. Chamou Cícero para perto de si e, apontando para o longínquo horizonte, disse-lhe:
 
— Filho, você está vendo aquele ponto brilhante logo abaixo da linha do horizonte?
 
— Sim, senhor. O que é aquilo?
 
— É o manancial que eu persegui a vida toda... É a Fonte das Realizações. Aquele que lá chegar e banhar seu corpo exausto nas águas cristalinas da fonte poderá desvendar o verdadeiro sentido da vida e realizar seus sonhos. Eu não cumprirei o trajeto que ainda me resta por causa desta maldita bagagem que trago presa ao peito desde a minha infância...
 
— Mas, afinal, o que o senhor traz aí que o impede de alcançar a Fonte das Realizações?
 
— Meu caro, aqui guardei todas as crenças limitantes que alimentei ao longo da vida; tudo o que os outros – por meio de críticas e comentários maldosos – me fizeram acreditar sobre mim mesmo e que não era verdade. Neste fardo também se juntaram meus medos, fracassos, mágoas, ressentimentos, ilusões, inseguranças e, principalmente, minha falta de fé, amor, esperança, coragem, confiança, esforço, persistência, determinação e comprometimento. No início não percebi, mas com o passar do tempo tudo isso foi se transformando em pedras que pesaram durante minha jornada, dificultando consideravelmente meus passos. Hoje me dou conta que passei pela vida como uma sombra, pois carreguei inutilmente o peso de cada seixo da dúvida; cada grão dos dissabores existenciais vividos; cada fardo de orientações errôneas que colecionei durante esses anos todos. Livre de tanta inutilidade, eu poderia ter ido longe; poderia ter alcançado a Fonte das Realizações e vivido a vida dos meus sonhos. No entanto, acabo aqui fracassado e miserável.
 
E, atrelado ao fardo, o velho fechou os olhos para sempre... Com respeito, Cícero soltou as cordas que prendiam a estranha bagagem ao corpo inerte do amigo e abriu-a com cuidado. Talvez, por já ter entendido a razão que tanto buscava, não ficou surpreso com o que encontrou... O fardo que prostrara o velho companheiro por tão longa e amarga existência estava vazio.