Apartamento 101

-Pára de gritar na porra deste pátio de merda, caralho!

Eram oito e meia de uma manhã gelada de sábado e Rogério – que fora arrancado da cama pela algazarra infantil – já acordaram de péssimo humor.

Duas semanas trabalhando como um escravo naquele pasquim indecente que ele odiava. Servindo de pau-prá-toda-obra para engordar conta bancária de proprietário e o seu soldo tinha que ser completado com matérias avulsas que lhe eram pagas por fora e outros esquemas escusos. Dando duros nos horários mais esdrúxulos imagináveis, fazendo reportagem policial até, pautando os assuntos, distribuindo serviço para estagiários que pareciam ter saído direito do jardim de infância que faziam muxoxos quando ele entregava a folha de papel digitada com o trabalho a ser feito. Nenhum reconhecimento. Por nenhum lado. Que dúvida. Isso ele conhecia bem. Dez anos, já! E se fosse mandado embora, sairia como entrou: sem um puto furado no banco. Ai de não. E agora, para completar, não podia nem dormir na cama de seu apartamento quitado porque alguns filhos de uns filhos de uma puta estavam gritando e chutando uma bola em algum muro que fazia um eco infernal. Que merda, porra!, pensou...

Resolveu tomar um banho quente e finalmente despertar. Tinha quatro dias de folga graças às horas extras que tinha feito e agora era tempo de organizar sua cabeça turbilhonada. Fez suas necessidades, fumou um cigarro de filtro amarelo e foi entrou debaixo da ducha. A água no corpo e nos cabelos longos e finos parecia um bálsamo para seus músculos tensionados e cansados e seus nervos que chegavam ao ponto de ruptura. Começou a pensar nesses quinze dias sem folga que trabalhou com todo o seu empenho para que os dias passassem o mais rápido possível e que logo chegasse o horário da cerveja e dos conhaques. A única bebida que consiga aplacar do seu corpo o frio que fazia em Curitiba. Lembrou das caras alienadas com que seus colegas o olhavam quando ele era admoestado publicamente por sua chefa de redação toda vez que ele emitia sua posição pessoal acerca de qualquer assunto. Resolveu espanar esses pensamentos de sua mente e lembrou-se da Layla.

Tinha sido uma dura batalha para levar aquela crentinha tesuda para a cama. Conheceu-a em uma leitura de poesia de um babaca qualquer no auditório da Biblioteca Pública. Ela linda. Linda. Linda e gostava de poesia, foi o que disse para si mesmo no momento em que a viu. Cabelos longos castanhos e fartos, um nariz meio grande, mas que combinava perfeitamente com seu rostinho, corpo alto e perfeito, um metro e setenta e algo de mulher. Muito bem vestida num estilo casual. Muito feminina. Chegou e sentou-se ao seu lado. Puxou assunto e ela retribuiu. Assistiram à declamação e foram tomar um café. Conversaram mais um pouco. Ela lhe passou o número do seu celular e combinaram de sair. Ela não bebia. Ele sim. Um bocado. Ela era temente a deus de uma igreja evangélica. Ele ateu convicto. Daqueles que não acreditam em deus e ainda por cima não gostam pessoalmente dele. Ela gostava de música popular. Ele preferia rock and roll e jazz e sinfonias quando estava escrevendo. Ela era uma antitabagista declarada. Ele fumava duas caixinhas de Marlboro vermelho todos os dias e enchia a cara para poder pegar no sono. Ela nunca tinha visto um baseado. Ele mantinha cinqüenta gramas em casa, na gaveta de frutas da geladeira, para quando lhe desse na telha. Ou seja, três ou quatro por dia. Ele tinha 38 anos. Ela vinte e três. Parecia que não iria dar certo. Dois meses para dar-lhe um beijo de língua. Saídas a bares da moda, restaurantes, cinemas com pipoca, galerias de arte e até ensaios de bandas de amigos. Encontravam-se três vezes por semana depois do seu expediente. Ela fazia Direito pela manhã & fazia estágio num escritório de advocacia à tarde. Parecia que seriam apenas bons amigos, mas uma noite ele a convidou para uma “fiesta mexicana” na casa de um amigo endinheirado e foi fatal. Nada que uma margarita azul não fizesse. Ela achou bonita a cor do drink e resolveu tomar um gole. Gostou do sabor de tomou mais três. Aquilo subiu como um foguete naquela cabeçinha linda e a “discípula do nosso senhor jesus cristo” virou uma tagarela imbatível e espirituosa. O primeiro porre da menina, como ela confessaria tempos depois. Naquela noite foram para a cama. Muito melhor que ele tinha imaginado. Ela tinha lhe dito que era a segunda vez que fazia isso. A primeira fora quando ela tinha 14 anos com um primo de 16. Ela disse que não tinha sentido nada. Só dor. Que ele fosse com calma. Nem precisava pedir. Ele desejava aquele corpo enxuto à dois meses. Foi bem devagar caprichando nas preliminares e entrou em êxtase quando viu que a garota retribuía suas carícias. Fazia caretas, abria bem a boca, babava, sussurrava e gemia gostoso. Que loucura, pensou. Que tesão de mulher. Não teve pressa. Certificou-se que ela gozara duas vezes antes de penentrá-la. Ficou meia hora gramando naquele sexo todo. Chegara sua vez de gozar na camisinha. Ao final ela encostou a cabeça em seu ombro, sorriu agradecida com um lindo brilho no olhar e adormeceu profundamente. Pela manhã, quando ele acordou tinha um bilhete em seu criado mudo, dentro do plástico da carteira de cigarros. Ele pegou e leu:

“Querido,

Ontem foi a noite mais maravilhosa da minha vida.

Me ligue. Quero falar com você.

Layla.”

Isso já fazia duas semanas. Duas semanas no inferno. Desligou o chuveiro, enxugou-se e resolveu se vestir e preparar um café. Passou o café, colocou numa caneca e acendeu outro cigarro. Olhou no relógio de parede da cozinha que marcava nove da manhã. Colocou seu suéter preto de gola alta. Tomou um gole e deu uma tragada. Foi até o telefone e discou um número. Ela atendeu:

- Oi. ele disse.

- Cara, onde você andou? Sumiu, faz quinze dias que não te vejo – seu tom ao aparelho era meio nervoso, o que deixou Rogério contente. Sorriu para o bocal do telefone enquanto ela continuava – achei que você não queria mais me ver. Achei que você só queria...

-Querida – ele cortou – não pense bobagem, por favor. Estava trabalhando naquele jornaleco de quinta categoria que por minha sorte mantém esse emprego maldito que eu odeio. Bem ou mal paga as contas, a bebida e a merda do condomínio. Não sou um boyzinho deslumbrado. Liguei porque gosto de você e queria saber se você está afim de passar o fim de semana comigo. Tenho quatro dias de folga.

- Então era transmissão de pensamento – ela respondeu – meus pais viajaram em segunda lua de mel e vou ficar o mês todo sozinha em casa. Pode passar aqui, claro.Quer que eu cozinhe alguma coisa especial? Quer trazer sua cerveja e sua vodca e seu laptop para poder escrever? Quer trazer música? Estou com saudades, benzinho. Achei que você só queria me comer. Tava nervosa com isso. Que bom que você ligou, gatinho. Que bom. Eu estava encanada, pensando um monte de merdas.

- Relaxe. Sou eu que vou fazer um rango especial para você. Fica aí. Me passa seu endereço. Ele pegou papel e caneta e anotou. Despediu-se e desligou o telefone.

Preparou sua mochila com uma jaqueta de couro, outro suéter, meias, cuecas, uns baseados já enrolados, seda e algumas outras miudezas. O laptop já estava dentro.

Pegou sua carteira e três notas de cinqüenta que estava guardando dentro de um pote de laca. Checou se o gás estava desligado. Trancou o apartamento. Desceu as escadas e ganhou a rua. Deu duzentos passos até o bar de um amigo que estava abrindo naquele momento suas portas. Sentou-se em uma banqueta perto do balcão e pediu um bloody mary, especialidade da casa.

- Com estão as coisas? Quis saber o barman.

- Suaves. Ele respondeu.

-Vai viajar?

-Sim vou. Passar uns dias no Rio. Mentiu.

- Rio? Espantou-se o barman. Vai fazer o que lá? Dar o cú?

- Não. Comer o seu. Quanto eu devo?

-Sete pratas.

Rogério pagou, recebeu seu troco, virou o resto do drinque em um grande gole, agradeceu e saiu andando. A vida é tão boa quanto a gente a se permite....

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 16/04/2010
Código do texto: T2200894
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