BAGUNÇA NO AEROPORTO

Eu já estava absolutamente consciente de que a empreitada não seria nada fácil quando resolvi arriscar. A princípio tinha pensado em pendurar uma melancia no pescoço e sair caminhando para cima e para baixo do aeroporto segurando um cartaz onde escreveria: SOU UM ESCRITOR-POETA À PROCURA DE EDITORA QUE ACREDITE NO MEU TALENTO. Também conjeturei uma loucura mais abrangente do tipo invadir o Jornal Nacional quando estivesse no ar, levantando bem à frente da câmera o referido cartaz para que o Brasil inteiro visse e, quem sabe, algum editor quisesse investir num livro meu. Ou, então, adentrar inesperadamente no programa de Ana Maria Braga, o Mais Você, com esse mesmo objetivo e balançar o cartaz para que todos vissem. Nesse caso, refleti e cheguei à conclusão de que não daria certo, evidentemente, pois não conseguiria ultrapassar nem mesmo os primeiros portões da Globo porque seria logo agarrado por dois ou três guarda-roupas daqueles usuais de plantão por lá.

Em sendo assim, preferi optar por algo mais fácil e coerente, um protesto menos explosivo e mais, digamos assim, sereno e objetivo. Assim, em pleno saguão do Aeroporto André Franco, em Guarulhos, o cartaz enrolado em papel celofane, sentei-me no chão, rasguei o invólucro do já tantas vezes repetido cartaz contendo a frase acima e, em respeitoso silêncio, levantei-o. Um "oh!" quase inaudível foi perceptível entre os circunstantes em derredor e os que passavam no momento. Não sei se alguns deles eram editores ou não, mas interessava-me a publicidade e chamar a atenção para o descaso das editoras com os escritores-poetas talentosos que não tem a tão sonhada chance de publicar suas obras porque não são conhecidos. Mesmo sendo autor de textos de extrema qualidade. Canhestra essa razão, não acham?

Não demorou muito para dois caras bem vestidos se aproximarem de mim e, educadamente, um deles expressar-se em tom firme e decidido:

_ O senhor está tumultuando o aeroporto, por favor levante-se e nos acompanhe!

Nem olhei na direção dele, não dei a mínima atenção. Pelo contrário, fiz o meu cartaz subir ainda mais para ser visto à distância. O sujeito certamente deve ter enrubescido de raiva ante minha indiferença.

_ Vamos tirá-lo daqui à força se não nos acompanhar pacificamente.

Resolvi encará-lo replicando:

_ Estou exercendo o meu direito de protesto pacífico, não tenho intenção de tumultuar.

Ele quase bufou no meu rosto:

_ O senhor pode exercer o seu direito fora do aeroporto, aqui não permitimos.

Uma multidão começou a se formar ao redor de nós aos murmúrios, uns pró outros contra. E em meio a ela, repentinamente, para a sorte dos meus desígnios, um repórter do SBT passava pelo local após concluir seu trabalho nalguma reportagem e se interessou pelo inusitado. Ele fez um sinal ao câmera, ligou o microfone e, esbarrando e empurrando, chegou até nós no exato momento em que um dos brutamontes me agarrava pelos ombros. Satisfeito com o "furo" em pleno aeroporto movimentado, berrou, o microfone próximo da boca:

_ Sou repórter do Programa do Ratinho, do SBT, o que está acontecendo aqui?

Então ele viu a placa. Eu aproveitei a chance e gritei:

_ Sou apenas um escritor-poeta buscando uma oportunidade de mostrar o meu trabalho às editoras indiferentes aos autores iniciantes!

_ Sensacional, Ratinho, estamos aqui, ao vivo, do aeroporto de Guarulhos no exato momento em que dois seguranças fortões tentam retirar à força, um escritor-poeta protestando contra as editoras brasileiras que não dão atenção aos autores iniciantes.

Contudo, os dois seguranças, cientes de sua autoridade, se esgueiraram do aperto e do aglomerado, tirando o repórter do caminho e saíram me arrastando para longe do tumulto enquanto muita gente gritava chavões de solidariedade ou de descaso e o repórter do SBT corria atrás de nós se esgoelando ao vivo.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 16/04/2010
Reeditado em 14/08/2021
Código do texto: T2199809
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