De costas para a parede, com os olhos prestes a saltar da cara com tamanha pressão em seu orgulho ele aguarda o sinal do nobre senhor na casa leste ao dar seu veredicto final referente a questão imposta pelo crápula do castelo Norte. Em vários lugares ele já ouviu que os olhos são a janela da alma, pra ele, o par de pedras opacas e sem o menor brilho ou valor não passam de dois medíocres tagarelas que dizem muito mais aos que sabem ouvir do que as palavras querem realmente dizer. Não importa o que digam, se os olhos mentem não há bíblia que lhe diga a verdade, sempre num ângulo de 45 graus, e sem nunca olhar nos olhos dos outros o homem a sua direita fraqueja, treme a voz e aumenta a aposta, proferindo o que praticamente pode ser encarado como uma maldição ao dizer “all in”. Ele sabe que não pode mais contar com este, ele apostou e falhou ao deixar o homem do sul perceber seu jogo falso. Sabendo a jogada de mais um ele reflete se deve realmente pular de cabeça nessa contando com a sorte, ou se deve assistir de camarote enquanto o velho perde até a pobre alma nesta jogada. O da direita já foi. A mulher que está em sua esquerda já revelou suas cartas logo no início com sua sede cega, uma jovem bela e vívida que parece não se importar se perder, parece se divertir com a própria derrota, mas não por que é uma derrota, e sim por ser mais uma tentativa, e sim por ter vivido pra jogar mais uma vez. Ponderando ao comparar com as inúmeras vezes que já jogou com essas cartas ele decide empurrar a frente alguma fichas cobrindo a aposta do velho e ficando com algumas poucas fichas em suas mãos. Sem nem titubear a moça da casa oeste sorri enquanto derruba estonteante as fichas sobre as outras na mesa.

Olhando pra ele estão duas rainhas vermelhas e um agraciado az negro, imponente de espadas ao lado de seu rei, bravo e austero também empunhando tal arma. Nas mãos ele guarda forte e seguramente como um pirata enterra seu tesouro, uma negra rainha de paus e um az tingido de um rubro insanamente dourado.

Perdido em devaneios ele nem percebe os movimentos do homem a sua frente, porém uma percepção tardia o mostra que os dois são os únicos com fichas ainda fora do “pot”, o pobre velho parece ter dúvidas, e estampada eu sua face que já fora um orgulho dos homens, está a vontade de que se fosse possível, tirar todas suas fichas de volta pra ele. Ele apresenta um semblante cansado, mas respeitoso, de início nos causa uma certa alegria ao vê-lo, porém, parece já não ter muita importância, ou se tem ela é tão grande quanto a de um mero apostador numa mesa de poker.

A mulher da esquerda, parece ter saído de dentro do próprio baralho e num vestido vermelho ela não desiste de tirar o sorriso de sua face, mesmo com tal inevitável fim. Com traços finos e um olhar decidido ela não parece ser tão estranha ao jogador do sul, e até parece uma velha conhecida.

Mais uma vez perdido em pensamentos não percebe outro movimento na mesa, formando a linha completa de cinco cartas sobre o tapete verde de um tom semelhante ao do chapéu do magro homem do norte, descansa agora uma rainha negra, a dama que estava fora do jogo até então, a dama da sorte, a senhora de espadas. Controlando sua gigantesca alegria ele olha os adversários, o velho quase chora, e mesmo calado sem demonstrar tanto, ele confirma seu destino. A menina ainda contente gargalha parecendo reencontrar uma velha amiga que já lhe causara mágoas no passado. E o terceiro deixa escapar um ar quase que imperceptível de uma vitória que já estava certa há tempos. Desde o início não dissera quase nada, e seu olhar pareciam duas pedras polidas por um rio que já não flui com a mesma força, não diziam nada, não até agora, para sua própria desgraça. Ele tem a certeza de que as quatro rainhas estão ao seu lado, as quatro damas lhe acariciam, porém pode ser que uma dessas seja uma traidora, levando vida dupla e contentando também seu adversário, fazendo muito mais bem ao desgraçado do que a ele, a mais nova na mesa, a de espadas acabou de chegar e foi recebida por dois sorrisos, ambos a desejam, e ambos são acariciados pela cruel dama de negro, porém, apenas um dos dois pode realmente receber os bens maiores, presentes de tal realeza. Ele tem a quadra, porém sobre o gramado da mesa, a esquerda da desejada rainha, descansam seus dois protetores, e o sorriso no olhar do maldito parece completar o resto da jogada, exatamente isso, até então ele não deixou escapar nenhum erro, porém agora ele estava desmascarado e tinha a melhor jogada que se podia fazer neste jogo, maldita rainha que acariciava seu rosto desejando beijar o adversário.

Como esperado o homem de chapéu verde entra no time daqueles que apostaram tudo, confirmando a jogada prevista, ele tem o “Royal Flush”, nem mesmo a quadra de rainhas poderia ganhar. Como tem sido durante toda a vida, ele corre, desiste e joga fora mais uma oportunidade perdida. Ao menos ainda lhe restam algumas moedas pra jogar mais um pouco.

Revelando as cartas a menina tinha um dois e um três, tão vermelhos quanto sua face corada, o velho tem tal indignação a ponto de nem quere mostrar se jogo e finalmente o homem na casa norte decide mostrar se jogo, e põe na mesa as estampas da vitória, parecem descansar depois de ter cavalgado por campos infindáveis um sete e um valete, ambos vermelhos, e de corações pontiagudos que tem tanto valor quantos as poucas três fichas que sobraram ao homem sulista, ou seja, nada. Tamanha cólera se apossara de seu ser que o homem salta no em direção do maldito crápula vestido de verde, ele é um mentiroso, um trapaceiro, um falsário e segundo próprio julgamento deve pagar, quando as mãos se encontram em volta do pescoço a visão parece embaçar e ele ouve a voz do ganhador da aposta.

-Parabéns jogador!!! Você se mostrou como eu desejava enxergar, covarde e fujão, mesmo diante a vitória.

As mãos relaxam e ele ouve mais enquanto sente a cabeça pesada e que parece rodar.

- mais uma vez você se deixou levar pela mentira que sempre foi sua vida, você não passa de uma criança com brinquedos que não sabe usar, não dê ouvidos ao homem de verde na próxima vez. Você conhece seus adversários? Pois deveria, a bela jovem estonteante que esbanjava seus valores era na verdade sua própria vida, se esvaindo e sendo gasta de maneira desesperada, desperdiçando o que deveria ser aproveitado. O velho, hoje é a tua vergonha, porém ele já foi tua glória, teu orgulho, ele era a tua própria dignidade, assim como a de toda a humanidade, mas como lhe disse, não passa de tua decrépita vergonha empoeirada. E enfim, eu me apresento como Loki, o senhor do fogo e da mentira, o Deus da trapaça, mas não pense que irá me vencer, pois não há como, você não pode nem ao menos, me tocar.

A voz é turva tal qual a visão, e num piscar de olhos ele vê a mesa sumir, as cartas se dissiparem no ar, a bela jovem e o velho envergonhado serem devorados pelo homem a sua frente, que dizia ser Deus, e que também se dissipava, sumindo em fumaça, abandonando-o em seu quarto, onde ele fica babando num chão, cercado de paredes acolchoadas, adormecendo calmamente, enquanto espera a próxima dose de lucidez, presa numa seringa de insensatez.