VOLTS
Logo pela manhã, mais uma vez, me deparei com um animal caído morto na pastagem. Contabilizo cinco animais do meu rebanho que morre enquanto eu durmo. É a vida, infelizmente. Não posso impedi-los de caminhar enquanto durmo.
Há um mês que estes homens chegam cedo, não partilham de meu prejuízo, de minhas estima, esticam seus fios, calados durante todo o dia, esticando sem que lhes aconteça nada. Acontece muita coisa ao anoitecer quando os testes são realizados, quando a voltagem percorre os fios e as casas lá na linha do horizonte transformam-se em pontos luminosos fixos, permanentes. À noite.
Há um mês que tenho minha casa invadida todas as manhãs por estes homens e também há um mês que me sento na varanda para observar se conversam. Converso com meu filho que, doravante, encontraremos mais animais mortos por que os fios se espalham como não pensei que fosse ocorrer. Parecem-me teias, os fios. Aguardo o momento em que um daqueles homens será imobilizado pelo veneno do animal que se esconde durante o dia, oculto pelos fios. Estou oculto pelos fios.
O céu me é constantemente nublado, impossível voar pelo emaranhado da teia. Meu filho quer voar! Observo com ele o céu intransponível para que não insista e quando tenta o impeço segurando pelas pernas. Meu filho apenas não me leva consigo por que sei que ficaremos presos e na teia e já tenho o que me prende em terra. Meus animais amanhecem mortos.
No final do mês sei que todas as torres de alta tensão estarão erguidas em minhas terras e mais nenhum animal restará vivo, já que todos os dias os encontro em chamas.
Hoje de manhã pensei que meu filho havia finalmente voado, pude até ver a fresta aberta em meio o emaranhado de fios. Ele voou, pensei. Mas não havia mais animais a serem mortos restava apenas meu filho provar a sua animalidade de pássaro.
Grelhado. Essas comidas da cidade não me caem bem. Tudo tem um gosto sem gosto! Provo a carne para saber se me apetece mais. Gosto da carne, gosto das luzes do ambiente.
Passando ali perto vejo que as torres brotaram bem, floresceram e colho o que já é desnecessário abater. Tudo pronto. Os homens esticam os espetos e colhem o fruto. Aconselho cobrir os remendos que os passaram sentiram o cheiro da carne, bicam assim rapidamente, nem os vejo de manhã sentado na varanda. Escurece e devo ligar os interruptores, fuzíveis.