"O CACHACEIRO" Conto de: Flávio Cavalcante

O CACHACEIRO

Conto de:

Flávio Cavalcante

Toda cidade de interior, longe da capital tem sempre um personagem que todos conhecem pelas suas atitudes ou mesmo atribuem a algum fato acontecido no passado com este cidadão. Em cidade desse porte, encontra-se muitos desocupados e vendinhas que abastecem a pequena população com alimentos, não pode jamais deixar de ter a cachacinha de cabeça, fabricada nos alambiques da própria região. Cliente é o que não falta para degustar a branquinha diabólica que carrega vários nomes estranhos. Tipo: PAU DENTRO, BIRITA, LAPADA e etc... Tem vários nomes conhecidos pelos cachaceiros que aproveitam pra levar o caju cortado da região para o tira-gosto.

Na cidade de Girau de Ponciano em Alagoas existia um bêbado que freqüentava a venda de dona Deusa. Este era conhecido na cidade como Zé lapada; mas como todo apelido tem uma razão de ser, Zé lapada também carregava a sua história. A lapada que ele carregava no nome tem até um duplo sentido; no sentido da palavra por gostar de uns goles a mais de cachaça e o outro fato que marcou para sempre a sua fama na cidadela foi um fato ocorrido na venda de dona Deusa.

Era por volta das três horas da tarde, exatamente na sexta feira santa, feriado nacional. Todos os amantes da cachaça já se posicionavam como num exército. Zé Lapada gostava de soltar algumas piadinhas sem graça e depois do terceiro gole então, já se tornara um mentiroso de carteirinha. Dizia ter carro, fazendas e principalmente ter muito dinheiro. Quando não virava cantor com uma capela completamente desafinada.

Nessa tarde a venda de dona Deus estava cheia, inclusive um soldado paisano sentou-se em uma das mesas para relaxar bebendo uma cerveja bem gelada. Em pouco tempo, o bar já estava super lotado e o Zé Lapada pra lá de Bagdá. Já tinha bebido todas. No afã de fazer a sua gracinha do dia, até porque dispunha de uma platéia numerosa. Chegou no balcão e disse em bom tom.

DONA DEUSA DO MEU CORAÇÃO. BOTE PRA MIM UMA CHACHAÇA, QUE EU VOU FAZER UMA FUMAÇA, AQUI NO SEU BARRACÃO.

Dona Deusa prontamente e gentilmente serviu a bebida e logo que Zé lapada degustou o primeiro gole, chamou a dona Deusa e disse.

POSSO DIZER UMA GROZA?

Grosa na minha terra é uma piada. Dona Deusa retrucou.

NÃO FALANDO PALAVRÃO, O SENHOR PODE FALAR O QUE QUISER,,,

E assim o Zé lapada fez um verdadeiro discurso. Fez uma pose de poeta, levantou o peito de pombo, que parecia que ia cantar alguma ópera. Olhou bem no olho do paisano que estava na mesa do lado e disse.

FECHEI A PORTA DA MINHA CASA... MINHA MULHER ME DEIXOU E EU NEM SEI AONDE ESTOU. A POLÍCIA DAQUI NÃO VALE É NADA.

O soldado paisano levantou-se da mesa, sorriu pra o Zé lapada e disse que havia gostado do que ele falou e pediu pra o bêbado repetir. Zé lapada ficou todo empolgado e feliz com a cortesia do homem ter gostado de sua grosa. E aí inchou mais ainda peito e falou em tom tão alto que quem passava na rua achava que estava havendo uma discussão dentro do bar e repetiu tudo que havia falado anteriormente.

FECHEI A PORTA DA MINHA CASA... MINHA MULHER ME DEIXOU E EU NEM SEI AONDE ESTOU. A POLÍCIA DAQUI NÃO VALE É NADA.

O soldado paisano meteu a mão na cara de Zé lapada, com tanta força que ouviu-se o estalo ainda em eco, e o bêbado atrevido caiu em cima de várias mesas, quebrando algumas garrafas de cerveja e ficou descordado por uns cinco minutos. O soldado paisano voltou tranqüilamente pra sua mesa e pediu outra cerveja. Tempo que Zé lapada estava acordando ainda assustado sem saber o que havia acontecido.

Zé lapada dirigiu-se ao balcão e disse

BOTE OUTRA, DONA DEUSA... EU ESTOU LHE VENDO UMA MISS BRASIL...

Dona Deusa riu e serviu a bebida. Ele tomou outro gole e pediu mais uma vez pra dizer outra grosa. Dona Deusa por sua vez o alertou do que havia ocorrido. Mas mesmo assim ele quis falar novamente a outra grosa. Dona Deusa só pediu que ele não falasse palavra feia. Dessa vez, o tapa fez efeito de um jeito que Zé lapada acordou bom e sem ressaca.

É QUE EU TOU BONZINHO, SABIA? PARECE QUE EU TOMEI UM BANHO DE ÁGUA GELADO, MINHA CARA AINDA TÁ DORMENTE E FRIA... ACHEI A CHAVE DA MINHA CASA, MINHA MULHER VOLTOU AQUELA DANADA... EU JÁ SEI ATÉ ONDE ESTOU... E A POLÍCIA DAQUI É UMA PARADA...

Todos caíram na gargalha e assentou mais uma vez o motivo do Zé lapada ter esse nome.

- FIM -

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 13/04/2010
Código do texto: T2194840
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