A VENCEDORA
Ela chegou a minha sala introduzida pela secretária. Humilde e vestida com roupas que denunciavam sua condição de pobreza. Uma blusinha de moletom, sobre a surrada camisa branca e uma saia de chita estampada. Era, contudo, dona de uma beleza exótica e elegante. Seu corpo bem proporcionado de curvas perfeitas, olhos negros, boca sensual. Um exame superficial me dava certeza de que estava diante de uma promessa. Timidamente me perguntou se achava que ela teria chance como modelo. Nestas ocasiões sempre dependíamos de um teste de fotogenia. Eu estava precisando de algo novo para o anúncio da campanha “Rainha das Piscinas” patrocinada por um dos maiores clientes de varejo da agência. Resolvi fazer um teste com a garota. Coloquei minha produção em contato com o maquiador e a equipe de apoio. Duas horas mais tarde ela se apresentou no estúdio acompanhada de minha produtora de moda. Estava simplesmente deslumbrante e me dava certeza de que eu estava diante de uma top model. O teste transcorreu de forma natural. Parecia uma veterana e me foi fácil dirigi-la. Os testes confirmaram minhas suspeitas e resolvi incluir suas fotos no portfólio que seria apresentado ao cliente na manhã seguinte. Na reunião, o gerente de marketing do cliente examinava o portfólio sem muito entusiasmo até o momento em que deparou com as fotos da Marly. – Esta aqui é a garota, nem quero ver as outras. No varejo as coisas são muito rápidas e geralmente o tempo que se tem para produzir o material é quase sempre no limite do fechamento dos jornais. A campanha incluía ainda um vídeo tape da produção. As fotos seriam feitas numa piscina locada pela produção e incluía uma mesa ornada com abacaxis e outros elementos para a ocasião. Ela deveria estar sentada em uma cadeira de praia, vestida somente com uma tanga, junto a mesa com guarda sol. O produtor de campo da agência era um homossexual do tipo enrustido sem, portanto nenhum tato para lidar com mulheres. Dani era para complicar as coisas, sobrinho do diretor presidente da agência. Dava seu show particular enquanto verificava a distribuição dos arranjos sobre a mesa e eu posicionava o tripé e conferia as configurações do equipamento. Ao seu sinal, preparei-me para iniciar a série de tomadas e no momento que ajustava o foco, a garota desabou em um choro intenso e convulsivo.
- Não posso fazer as fotos. Declarou. -Você vai fazer ou seu pai irá pagar a despesa da produção. Retrucou Dani em tom de ameaça. Aí que as coisas pioraram de vez. A garota não parava de chorar. – Calma, pedi, Dani, deixa comigo que de mulher eu entendo. Qual é problema? – Ela diz que seus pais são crentes e não permitirão as fotos. Aproximei-me da garota e falei,- Marly, você vai agora para o camarim, pare de chorar e refaça a maquiagem e vamos fazer as fotos. Amanhã eu vou a casa de seus pais com o material e falo com eles. Mas, agora vamos trabalhar. Ela obedeceu, - Se você me promete, faço. Algum tempo depois voltou sorridente e descontraída e a produção prosseguiu sem incidentes. No dia seguinte peguei as copias e fui a Canoas onde residiam. Os pais de Marly entenderam. Aceitaram meus argumentos e autorizaram, sem problemas. Embora Marly tivesse já 19 anos, era muito apegada a família e não desobedeceria, caso seus pais desautorizassem as fotos. A campanha foi um sucesso e partir dali, a garota começou uma meteórica carreira, fotografando em São Paulo, fazia fotonovela e aparecia em revistas de moda com freqüência. Em pouco tempo, sua agenda estava lotada. Eu a coloquei em um catálogo de moda periódico, cujo cliente exigia sempre a participação dela. Sempre que podia vinha me visitar e não parava de me agradecer pelo que fizera por sua carreira. Anos depois, conquistou uma representação de calçados e agora dividia a atuação comercial com a vida de modelo. Construiu uma casa nova onde morava com seus pais e comprou seu primeiro carro, um Chevete 0 km. Tinha porém um problema não conseguia dirigir em estradas Várias vezes me convenceu a dirigir até Florianópolis onde estavam seus pais no verão. Numa destas viagens, quando saiamos de Florianópolis fui apresentado a um rapaz que segundo ela, era seu noivo e em breve casariam. O rapaz era dono de um hotel na cidade de pinheiros e hoje vivem em perfeita harmonia, São pais de uma belíssima menina.
Com o passar dos tempos havíamos perdido contato, ela fora morar em São Paulo e não mais a vi. Em 1990, eu já havia vendido meu estúdio e resolvi morar em Rio Pardo minha terra natal, de onde saio por breves períodos mas para onde sempre retorno.
Um belo dia, sentado a sombra de uma árvore, tomava meu chimarrão, quando o Carteiro me entregou um envelope. Era uma carta dela, que começava com uma frase em destaque. “Te encontrei viu?” Realmente até hoje não sei como ela conseguiu me localizar depois de tanto tempo. Mas seu exemplo ficou como um modelo a ser seguido.
Vencera a pobreza e soubera tirar proveito de sua beleza, para subir honestamente sem prostituir-se ou entregar-se ao consumo de drogas. De certa forma sinto-me responsável e realizado por ter apostado naquela garota pobre e tímida que queria ser modelo e o foi. Modelo fotográfico e de vida.