O nascimento de Neuminha
Quando eu nasci, um anjo pequeno chamado Sensível, disse assim:
_Mestre, deixe eu dar umas qualidades a ela!
_De jeito nenhum, Sensível! A última vez que você interferiu na minha criação, ela teve que voltar mais cedo porque não se adaptou. E ainda voltou de coração partido. Vá ler um bom livro e esqueça isso.
_Mas Mestre, o Vaidoso, o Engraçado e até o Desajeitado sempre ajudam o Senhor! Por que eu não posso? É sempre assim... O Sensível sempre se dando mal... de quem foi a culpa? Do Sensível... sempre eu. Só dessa vez, por favor!
O Mestre, não aguentando mais olhar para aqueles olhinhos pidões, disse afinal:
_Está bem, mas só algumas qualidades e vê se não estraga a menina!
_Muito obrigado, Mestre querido. O Senhor não vai se arrepender.
_Tem razão, porque já estou arrependido, disse o Mestre consigo.
_Antes de tudo eu quero que ela seja muito sensível e goste de poesia, música, artes e de ler e escrever. Mas que seja muito resistente, para compensar a aparente fragilidade.
O Mestre, já preocupado, interrompe:
_Sensível, você está querendo criar uma versão humana sua? Já vi que vou ter trabalho em dobro para cuidar dessa menina.
_Desculpe, Mestre, mas o Senhor me deu carta branca. Posso continuar?
_Que remédio? Continue, Sensível.
_Dê a ela a melhor mãe do mundo e o pai mais zeloso. Ela vai precisar. Mas que sejam pobres para ela aprender desde cedo a dar valor à vida. Dê também muito amor por sua família, amigos e muita vontade de ajudar o próximo. Agora tenho que pensar em alguns defeitos.
_Não precisa. Ela já vai se parecer com você. É suficiente.
_Mestre, vou fingir que não entendi. Agora preciso escolher uma profissão porque lá na terra ninguém vive sem trabalhar. (Sem contar os políticos, claro!).
_Sensível! Olha essa língua! Ainda bem que eu criei você anjo e não jornalista.
_Isso, Mestre! Perfeito! Ela vai ser jornalista. Mas é bom que ela também faça uma coisa nobre, desinteressada e que dê frutos para o futuro. Já sei, ela vai ser professora. Ela será jornalista e professora.
_E onde ela vai nascer? Pergunta o Mestre, já prevendo a resposta.
_Tem que ser num lugar quente, para combinar com o coração dela. Mas que seja também de brava gente, acolhedora, trabalhadora, alegre e generosa. Tenho o lugar ideal: Brasil. O estado vai ser Pernambuco porque é lindo e eu gosto do hino: “Salve, ó terra dos altos coqueiros! De belezas soberbo estendal, Nova Roma de bravos guerreiros, Pernambuco imortal, imortal!”. Mas para ela não ficar na praia o dia todo (eu ficaria) e esquecer de estudar, não vai nascer no Litoral, mas numa região de gente forte, nobre e amiga; O sertão.
_Lá se vai o trabalho dobrado! Agora ele foi elevado à décima potência! Finalize rápido! Nem que ela vá incompleta. Com o tempo ela vai aprendendo e construindo o resto de sua vida. Isso vai trazer uma esperança de mudança para ela. Já vou mandar.
_Espera! Ainda falta o nome!
_Você não acha melhor...
_Não, eu faço questão... Ela vai se chamar Neuminha, que soa doce, meigo e é bonito. Mas para a certidão pode ser ... E como ela vai nascer no Brasil, não pode faltar o Silva. Vai se chamar ... da Silva. Ok. Pode mandar.
_Buá, buá, buá, buá!...buá, buá, buá café com pão, café com pão, sapo boi, foi, não foi, foi, o pato pateta caiu na panela! Buá, buá, buáaaaaaaaaaaaaa!
_Nãaaaaaaao! Grita Sensível, de repente.
_O que foi? Nem me diga! Esqueceu de avisar a família?!
_Não. Esqueci de dizer a ela como fazer para se tornar rica, famosa ou deputada federal!
_Agora é tarde. Ela vai ter que trabalhar muito e ganhar pouco.
Enquanto Sensível levava uma bronca, se aproxima o Anjo Prático e diz:
_ Você é um grande ingênuo mesmo! Por que não pediu logo para ela ser ou muito bonita (para ser modelo ou miss universo), ou muito rica (para ter tudo o que não precisa), ou muito inteligente (para ser astronauta) e nascer nos Estados Unidos, Suiça ou em qualquer lugar na Europa e pronto! Resolvido o problema. Você não entende nada mesmo de humanos nem como as coisas funcionam lá na Terra.
Sensível, já com lágrimas nos olhos, disse:
_Mestre, posso pedir só mais uma coisa? Eu sei que ela já nasceu, mas isso vai fazer toda a diferença.
_Vou abrir uma exceção, só dessa vez.
_Dê a ela muita esperança e coragem. Mas acima de tudo que ela tenha fé e ame o Senhor, Mestre, como eu amo. Que ela nunca esqueça de que o Senhor está cuidando dela e nunca vai abandoná-la, mesmo que lhe dê umas broncas de vez em quando, como faz comigo. Se ela tiver isso, com certeza será muito feliz.
_Está bem, seu dengoso. Você sempre consegue tudo de mim! . Apesar de tudo, (mas tudo mesmo, meeeeeeeeeeeesmo!) estou orgulhoso de você. Fez um ótimo trabalho. Só tem mais uma coisa. Esta foi a última vez que você me ajudou a formar alguém. Estou antecipando a sua aposentadoria. Bom descanso.
_Obaaaaaaaaaa! Agora vou poder escrever aquele livro que sempre sonhei!
E assim, nasceu Neuminha, no dia 20 de Agosto (Este Sensível, viu!) de... lá se vão muitas peripécias !
Dedico este texto ao poetamigo do Recanto, José Cláudio que sempre me incentiva. Obrigada, querido!