Vampiro Também Paga Conta no Bar
Seu Sebastião era um homem simples, por volta de seus 50 anos bem ativos como dono de bar nas madrugadas em São Gonçalo no Estado do Rio de Janeiro. Um homem alto de corpo médio, pele clara, olhos castanhos apertados, cabelos ondulados muito curtos e pretos com alguns fios grisalhos e brancos, começava a ficar careca e tinha um bigode grosso e grande. Ele vestia uma camiseta verde e uma bermuda preta com frisos laterais brancos e chinelos de dedo em cor preta um tanto gastos. Esse senhor ganhava a vida vendendo bebidas e petiscos em seu boteco nas noites e madrugadas da cidade, a vida era dura, ainda mais com tantos problemas para enfrentar noite após noite naquele bairro, cada vez mais abandonado e escuro, esquecido pelos políticos locais. Era uma madrugada de sábado em agosto, quando chegaram em seu bar dois homens, que se sentaram em uma das mesas enquanto conversavam em tom baixo. Sebastião percebia olhares de ambos para as bebidas e para ele, isso pareceu natural a princípio.
O primeiro homem a chegar era muito alto com corpo forte, pele muito branca e brilhante, boca levemente avermelhada e brilhosa, cabelos lisos e loiros pouco abaixo do pescoço, presos em um rabo de cavalo. Vestia um camisão preto de cetim, um sobretudo de couro preto azulado que alcançava um palmo acima de seus calcanhares, calças médias de veludo molhado, cinto com fivela de prata, botas longas de couro preto azulado com bico largo e cadarços também pretos e usava um óculos escuro de lentes redondas com armação preta fosca. Já o segundo homem que entrou no bar, também tinha rosto fino com nariz comprido, boca fina e sobrancelhas grossas, sua pele era muito clara e boca brilhosa, era mais magro e mais baixo com estatura mediana, tinha cabelos castanho escuros cacheados pouco abaixo da altura das orelhas, também usava óculos escuros de armação preta eu ocultavam seus olhos como seu colega. Ele usava um terno preto básico, com camisa branca e sem gravata, tinha uma medalha de prata ao pescoço, um anel de prata com um rubi pequeno no dedo anular da mão esquerda, uma pulseira fina trançada de ouro no pulso direito e um relógio de corrente que ficava em seu paletó.
Talvez eles fossem membros de uma banda de metal, rock, gótico ou alguma coisa alternativa que o filho do comerciante ouvia, talvez esivessem voltando de um show na cidade, em Niterói ou na Cidade do Rio de Janeiro como podia bem acontecer. Eles pediram uma cerveja que chegou bem gelada dentro de um recipiente térmico colocado em cima da mesa branca de metal, os homens ficaram ali, parados conversando baixo com seus copos e ainda estavam com seus óculos, pessoas com óculos escuros de noite era algo bem raro na cidade, logo causava estranhamento. Sebastião atendia outras pessoas, a noite estava com movimento médio com algumas pessoas sentando para comer e beber, um senhor de meia idade mal vestido e magrelo dançava ao som da vitrola na qual tocava um pagode bem pé-de-chinelo, outras pessoas riam da dança tão tosca, incluindo os misteriosos homens de preto. Logo duas mulheres chegaram, eram conhecidas no bar como vadias por saírem na madrugada em busca de homens que bancassem bebidas para elas, em troca elas ofereciam favores sexuais, era uma venda bem barata pelos seus corpos que já não eram tão grande coisa, mas ainda despertariam interesse em alguns homens não tão exigentes com padrões estéticos. Elas avistaram a exótica dupla com a garrafa de cerveja ainda cheia e logo sorriram para eles.
As moças vestiam trajes vulgares, seus modos para falar e sentar também eram bastante indiscretos apesar de uma delas estar com uma saia bem curta. Era uma moça de pele morena escura, sua pele era bronzeada com marcas de biquini de praia, com baixa estatura, corpo magro com curvas, olhos castanhos escuros grandes, boca vermelha carnuda, cabelos cacheados pretos na altura dos ombros. Vestia uma blusa modelo "tomara que caia" preta e uma saia vermelha curtíssima e colante, levemente transparente que facilmente marcava sua calcinha minúscula, levava uma bolsinha vermelha com detalhes pretos e sandálias de salto alto combinavam com sua bolsa. Sua colega era também bronzeada com marcas de biquini de praia, tinha cabelos loiros tingidos em tom muito claro em corte repicado até o meio dos seus braços, seu rosto era até bonito apesar de uma certa expressão cansada e pesarosa, seu destaque era uma boca carnuda com belos dentes, seu corpo era firme com poucas curvas com altura mediana. Usava um vestido curto branco com estampas coloridas que marcava suas roupas íntimas, sua bolsa era branca assim como suas sandálias com salto baixo.
Elas fingiram não dar muita confiança a tal dupla exótica por puro charme, então sentaram em dois bancos do balcão e ficaram conversando e rindo do velhinho que dançava ao som do pagode. Sebastião notou que a dupla sentada à mesa observava as pessoas do bar, tinha algo bem incomum na maneira como observavam os outros, pareciam esperar algo, talvez alguém ou quem sabe até estariam tramando algo. Não tinha como saber o que eles queriam em seu bar além da bebida que esquentava na mesa, eles o observavam de volta. Isso era um tanto incômodo, mas necessário para quem tem a experiência de lidar com os mais diferentes e perigosos tipos de pessoas, pois nas madrugadas da vida boêmia os tipos mais comuns e mais bizarros são visitantes corriqueiros.
Aquela pele branca da dupla de clientes lembrava uma maquiagem, não dava para saber ao certo o que eles usavam no corpo, mas era algo realmente diferente. Ele não gostava daquela aparência, lembrava as bandas Secos e Molhados e Kiss, ele não gostava do Ney Matogrosso e com certeza desconfiou daqueles jovens senhores. Finalmente aqueles dois beberam uns goles da cerveja, pelo menos o comerciante teve essa sensação ao notar os copos mais vazios assim que seus olhares voltaram para a mesa deles, o mais forte lhe deu um sorriso meio sem graça, seguido de um sorriso do seu colega, novamente Sebastião se concentrou em seu trabalho.
- Não tô gostando desses caras esquisitos no meu bar, o que eles querem? E aquelas vadias, o que fazem aqui novamente? Será que buscam cornos ricos ou clientes para programa? - pensou Sebastião lavando outros copos e separando troco para outros clientes.
Naquele momento os homens abaixaram seus óculos e sorriram para as moças espalhafatosas sentadas ao balcão, elas corresponderam aqueles olhares e sorrisos sedutores, logo se aproximaram da mesa deles que tinha duas cadeiras vagas.
- Cheguem mais, vocês estão aí sozinhas. É bom ter companhia para curtir a noite. Querem uma cerveja? - disse o homem de terno.
- Aceitamos sim, bonitão, mas essa cerveja aí tá gelada? - disse a morena de blusa e saia.
- Está sim. Bebam conosco! - o homem de sobretudo alisou a garrafa e estalou os dedos em cima do gargalo da mesma, esta gelou como se saída da geladeira.
- Hummm... que lindo, temos um mágico na noite. - disse Priscila sorrindo para a dupla sentada à mesa.
- Meu amigo também é "mágico", depois faremos uns truques para vocês. - disse o grandão de sobretudo.
- Sintam-se à vontade, são apenas 01:45 da manhã, a noite ainda será longa. Prazer em conhecê-las, chamo-me Wilson e esse é meu amigo Gilson - disse o homem de sobretudo ao se dirigir para as moças apresentando seu amigo.
- O prazer é todo nosso, sou a Patrícia e essa é a Priscila. - disse a loira de vestido para os homens de preto, ela agora tinha seu copo cheio e bebia leves goles, sentia uma cerveja geladíssima e gostosa descendo pela garganta.
- Agora as "rampeiras" sentaram na mesa deles. Tá pronta a "armação"... essas aí são golpistas mesmo, uma faz o tipo "baixinha simpática" e a outra é a "grandona pensativa". Dupla perfeita de piranhas. - pensava o comerciante enquanto servia peixe frito para outro cliente.
O grupo conversava, em poucos minutos de conversa Patrícia e Priscila se ofereciam para Wilson e Gilson, eles pareciam ir mais devagar com as investidas das moças. As conversas estavam num bom ritmo, eles pareciam mesmo bem letrados na arte de seduzir, o que aumentava a curiosidade das moças que tinham menos de 30 anos. Wilson soltou seu cabelo e abaixou um pouco seus óculos revelando um olhar penetrante, por um breve momento Patrícia suspirou ao ele sussurrar maliciosamente em seu ouvido, então Priscila arranhava de leve o anel de Gilson e queixou-se do frio de sua pele.
- Eu esquento fácil, só depende da companhia. Acha que consegue deixar minha pele quente? - disse Gilson com um sorriso lindo e malicioso olhando o pescoço de Priscila.
- Consigo esquentar muito mais do que você imagina. É só você ter um carro e local, então te esquento todinho. O que me diz bonitão? - respondeu Priscila também com um sorriso malicento, então ajeitou seu cabelo para fazer charme e fechou seu sorriso olhando fundo nos olhos do homem.
- Sim, quero que você me esquente nessa noite, mas não é hora ainda. Vamos beber e comer mais. - disse Gilson brincando com um palito de dentes que acompanhava uma azeitona em um pratinho.
Sebastião concentrou novamente atenções para aquela mesa, um clima de paquera era facilmente notado, aquelas moças pediam mais cerveja, as conversas foram evoluindo, mais cervejas e mais petiscos e os homens apenas as deixavam comer e beber. Por alguma razão eles não pareciam comer e nem beber, mas as bebidas e petiscos eram consumidos pelas moças. Ao olhar para os olhos de Wilson pela queda do óculos sua espinha gelou, sentiu um calafrio e teve a leve impressão de ver um brilho avermelhado nos olhos do homem, mas ignorou, o trabalho cansa a mente e talvez fosse um efeito do sono. O balconista saiu do balcão e foi servir mais cervejas para as moças, ao servir as bebidas Gilson olhou para seu pescoço e deu um leve sorriso de lábios fechados, aquela atitude foi inconveniente, Sebastião olhou feio para a face do homem.
- Quem esse cara é para ficar manjando grossura de pescoço de homem? Já vi viados com tara por várias coisas, mas por pescoço é a primeira vez. Será que eles são adeptos daquele tão falado bissexualismo? Que coisa chata! Com tanta mulher no mundo o que os faz olhar para pescoços de homens? Quero que eles manjem a puta que os pariu! - pensava o comerciante que se zangou com aquele costume exótico dos novos clientes.
- Esses caras tem cultura, vestem-se bem, falaram cada coisa bonita pras vagabundas que elas ficaram cheias de vontade de transar com eles, isso tá estranho, essas "vagabas" geralmente gostam de babacas. Eles nem tocaram nas bebidas e petiscos, mas elas estão bem mais "bêbas" que eles. - o comerciante se indagava sobre os visitantes que bebiam com aquelas companhias femininas tão conhecidas.
Wilson levantou-se da mesa com Patrícia e colocou uma música, era "Bark at The Moon" do Black Sabbath, seguida de "Egypt" de Merciful Fate na vitrola, o mesmo encarou o balconista.
As moças parecem não ter gostado tanto das músicas, provavelmente queriam algum pagode, axé ou funk, mas eles gostaram das músicas e elas tentaram entrar no clima.
- Que babaca, ao levantar o nariz para mim. Igual a esse "machão" tem mais 40 cornos que vem chorar nesse balcão, deixa ele... - pensava o comerciante.
Sebastião mexia na caixa registradora e sentia uma energia estranha, um espécie de leve frio nas costas subindo pela nuca, somada a uma leve agonia. Algo batia dentro de sua mente, mas essa coisa seja lá o que fosse era travada por ele mesmo. Parecia que alguma mente tentava dominá-lo, mas ele resistiu ao comando que zunia dentro de sua cabeça. As músicas acabaram e várias cervejas vazias já encontravam-se fora da mesa para evitar que caíssem, as moças estavam ainda mais bêbadas e mais espalhafatosas que de costume, os homens riam educadamente e falavam com elas em tom médio. Wilson beijava Patrícia e Priscila acariciava o rosto de Gilson, ambos os casais se levantaram e já saíam do bar de mansinho.
- E a conta rapaziada, como é que vai ficar? O papaizinho aqui tem despezas e a farra de vocês foi boa. - Sebastião encarava os casais esperando seu dinheiro.
Wilson voltou ao balcão para falar o balconista. Ele abaixou os óculos escuros e deu um sorriso para Sebastião, enquanto isso o outro rapaz pequeno, branco, de cabelos loiros curtos, olhos azuis apelidado como Mini Kurt trabalhava passando um pano no balcão e ouvia tudo calado. Usava uma bermuda marrom escura surrada, camisa preta desbotada de banda de "heavy metal" e chinelos de dedo.
- Sebastião, meu amigo... a conta fica pela camaradagem. Pela camaradagem... - Wilson com um olhar avermelhado sorria para Sebastião com sua acompanhante abraçada a ele.
- Parece medo, mas é inédito pra mim. Eles não me parecem humanos, será que são vampiros? Seria fantasia demais para acreditar, mas parece que o grandão tentou me dominar. O safado queria me ludibriar, mas não deu certo! Vi isso nos filmes que meu filho assiste! - pensava Sebastião, um pouco aflito após aqueles olhares avermelhados e logo tomou consciência do ocorrido.
- Pela camaradagem? Porra nenhuma! - gritou o balconista.
O balconista pegou um bastão de madeira improvisado que guardava atrás do balcão, mesmo sendo um homem de meia idade deu um pulo por cima do balcão bem rápido. Quando tocou os pés no chão iniciou o ataque aos homens. Patrícia e Priscila espertas como boas vadias noturnas logo se afastaram de seus acompanhantes, então o golpe do bastão de Sebastião pegou em cheio no topo da cabeça de Wilson. Este ainda ficou em pé, mas um tanto atordoado, tentou levantar o braço esquerdo para defender o segundo golpe. O balconista enfurecido foi mais veloz e acertou em cheio a sua cabeça do caloteiro novamente, fazendo seus óculos voarem enquanto ele caía quase desmaiado ao chão.
Gilson avançou para tentar defender o amigo e disse que não pagaria nada, antes que falasse mais levou uma paulada na boca, após aparecer sangue em sua boca seus caninos superiores e inferiores estavam maiores e afiados como pequenas navalhas de marfim, levou mais uma paulada só que nas pernas e tombou estatelado ao chão com sua boca toda vermelha de sangue.
As carteiras de Wilson e Gilson foram apanhadas por Sebastião que pegou cerca de R$ 30,00 (trinta reais) de cada um e jogou suas carteiras de volta para eles, ainda tontos. Patrícia e Priscila estavam assustadas e ajudavam a dupla a se recompor, eles não reclamaram e ainda tontos levantaram-se, mas elas reclamavam com o comerciante pela violência usada contra os homens.
- Vadias, vocês podem ir pro inferno, esses caloteiros podem seus seus guias pra lá. Esses caras não são gente como a gente. Sei lá o que eles são, parecem ser vampiros, olhem pros dentes e pele deles. - indicava Sebastião apontando para as peles e bocas dos mesmos e elas não viram os dentes afiados e longos, de alguma forma elas não os viam.
- Eles não são humanos! Mas tem uma coisa para eu dizer a vocês todos antes que saiam daqui antes de pagar a conta. - enfurecido com o bastão sujo de sangue Sebastião chamou atenção, outros clientes estavam assustados com aquela cena de dois homens por volta de seus trinta e poucos anos derrubados por um senhor de meia idade.
- No meu bar não importa se você é homem, mulher, viado, sapatão, traveco, político, fantasma, anjo, demônio ou qualquer outra coisa. Não tem meio-termo: ou você paga a conta do meu bar ou você leva porrada! - quase aos berros Sebastião proferia sua lei e todos se calaram.
Nunca mais os vampiros daquela madrugada de agosto apareceram no bar de Seu Sebastião, agora todos os humanos e criaturas místicas da cidade só entrariam naquele boteco com dinheiro para pagar a conta, afinal, vampiro também paga a conta no bar!
Obs: Essa é outra versão do conto "Vampiro Também Paga Conta no Bar", em uma narrativa diferente.
- Mensageiro Obscuro.
Fevereiro/2010.