(autor desconhecido)
De Antoine de Saint-Exupéry pour:
Escritores homenageados
(clique)
Era uma vez um vira-latas e um futuro aviador.
Aconteceu na França, durante a Segunda Guerra: um rapaz possuía um cãozinho que todos os dias, pontualmente, aguardava seu retorno do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis.
Assim que o divisava, corria-lhe ao encontro e o escoltava, todo serelepe, com seu passinho saltitante, a alminha em festa, até o lar, num pacífico bairro parisiense.
Nesses momentos, eles se tornavam:
Um sua alteza, outro pajem
um indulgente, outro longe
um castelo, outro aventuras
um reino, outro venturas
um fronteiras, outro invasão
um milagre, outro prece
um prático, outro lírico
um terra bruta, outro ausência
um rota, outro asas
um solo, outro Ícaro...
Era tempo de guerra, e o jovem, convocado, partiu...
Príncipe iniciou, então, a sua longa vigília. Continuou comparecendo à esquina, detendo o olhar ansioso na estrada, orelhas em pé, atento ao menor ruído que indicasse a presença do amigo.
Assim que anoitecia, volvia a casa e tocava sua vida normal de cachorro, até o dia seguinte. Aí, disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, tornava ao seu posto, fiel sentinela do Destino.
O jovem, esse sucumbiu num bombardeio; mas no pequeno coração do animal nunca morreu a esperança - que, aliás, sobreviveu até ao abandono, pois a família do piloto se mudou para outra cidade.
Alguns súditos quiseram agregá-lo: em vão. À hora certa, ele disparava para o compromisso assumido, manhã a manhã.
Outros vassalos sonharam adotá-lo: inútil. Por inequívocas palavras e gestos caninos, houve a recusa solene - altivez cativante.
Com o passar dos anos, as pessoas foram olvidando o combatente adolescente que jamais regressou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos, para outros amigos.
Só o cão, já velhinho (filhote ainda quando o mancebo partiu!) permaneceu na expectativa. Os transeuntes estranhavam: "Mas quem esse cachorro está esperando, afinal?!"
Uma tarde (era inverno) ele lá ficou, patinhas de nuvem juntas, focinho negro inerte, olhos semicerrados contemplando um ponto indefinido névoa adentro.
E transparecia de seu semblante uma expressão de inefável beatitude.
Notas:
1 - Pesquisando, encontrei a história verdadeira, real, de Hashiko e o professor Uono (Japão). História que alguém reescreveu, romanceando-a e divulgando-a na Rede. Foi quando chegou até mim.
(Ver no Recanto: Hashiko, um Cão Cordato )
2 - Já modifiquei este texto umas 300 vezes, pois que o recebi como um latão repleto, verdadeiro sonho de qualquer vira-latas das letras.