Muito antigamente os caminhos eram precários e as pontes praticamente inexistentes. Ainda assim pessoas empreendiam caminhadas, impelidas por suas buscas.
Em determinado ponto, onde um rio caudaloso cortava um entroncamento de caminhos, havia um velho barqueiro que pretendendo se aposentar treinava seu jovem sucessor. O velho havia descoberto que, ao longo do tempo, corpo e espírito passam a existir em ritmo diverso. Ainda que o espirito pretenda ação, o corpo, velho e cansado, não consegue corresponder. Disso resulta a paralisia. O moço estava aprendendo que o corpo jovem é um desafio à criatividade do espírito. Disso resulta o progresso.
Pois bem, conviviam o velho e o moço dedicando suas vidas ao oficio de ajudar pessoas a atravessarem o caudaloso rio. A missão exigia cuidados especiais e permanentes para com a embarcação que precisava ser mantida em bom estado, sólida e obediente ao leme. Por isso o moço dedicava dias inteiros a cuidar dos reparos, refazer a pintura, acarinhar a barca. Nesse mister, sozinho por muito tempo, vivia mergulhado em seus pensamentos.
Aquela dedicação do jovem aprendiz contentava o velho barqueiro que, no entanto, percebia a angustia nos olhos do rapaz. Então, um dia, assim sem mais nem menos, o chamou para sentarem-se à margem do rio. E quando estavam acomodados, disse:
-- Também me apego algumas vezes a passageiros durante a travessia. Mas além daqui há a outra margem. A partir dali os caminhos constituem uma rede de rotas de livre escolha ao caminhante. São as rotas de suas buscas. E suas buscas são os verdadeiros anseios de seus corações. Ao barqueiro compete apenas e unicamente ajudar na travessia do rio. Evite, portanto, o apego por mais que se preocupe com os destinos dos passageiros. Eles procuram muito mais do que um simples barqueiro dedicado a zelar por suas vidas durante uma travessia que em determinadas condições pode ser dramática, levando-as a bendizer a existência do barqueiro.