Spleen

Uma penumbra encobria o corpo sem vida do escritor. Fora encontrado debruçado sobre um móvel, em meio a livros e outros objetos pessoais. Não haviam vestígios criminais, apenas um copo tombado com suas próprias digitais. Em uma de suas mãos sujas de tinta, havia um papel com tais palavras:

Exclamo eloqüentemente,não ficarei à mercê de meros instantes a esculpir sentimentos em forma de letra! Mergulhado nessa vertente existêncial, feito um escravo resignado a juntar fragmentos que posteriormente implicarão em sumários prestígios destinados a outrem.

Partículas de mim se liquidificam a cada badalar de horas, se transformam em nanquim e escorrem por entre os dedos, esquecidos, a exarar a última vogal, como lágrimas de sangue que gotejam de um punhal.

O espelho emoldura o intermediário. Os olhos vão de encontro a superfícies desconhecidas. Nada por mim, apenas palavras que se imortalizarão no papiro.

Não me apetece reconhecimento póstumo, quero livramento imediato deste invólucro, dessa existência subjacente.

Um corpo não pode abrigar duas almas!

Ébrio de sentimentos fatigados, imerso no Spleen do fim dos dias,embebeço-me desse elixir letal e mortalizo simultaneamente aquele que não sou...

Covardemente,sem que possas defender-se.

W. Hanz, "Heterônimo"

Delicatessen
Enviado por Delicatessen em 28/03/2010
Reeditado em 28/05/2010
Código do texto: T2163375
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.