Produção do Tempo - Décimo Terceiro Dia

Continuo, sem parar.

Julgo que Jung afirmou que todas as personagens do sonho são uma única personagem, a de quem sonhou.

Os sonhos de Munch. Imagens.

“A cor uivava”.

Há uma intenção deliberada de utilizar as cores arbitrariamente.

“A Dança da Vida” foi pintada entre 1899 e 1900.

Munch percorria o interior da noite, a cidade e o fiorde. Lembro-me de Oslo pela interior da noite. A noite do norte, uma película de obscuridade, uma película que deixa uma luz coada sempre presente. Uma forma única de anoitecer. Lembro-me do frio, o corpo cortando o vento, o vento cortando o corpo. Lembro-me de Oslo assim, à noite, lembro-me de Munch. As mãos nos bolsos. O corpo doente de Munch. Os candeeiros acesos nos cones prolongados de múltiplas sombras. O cansaço. Sentir um grito, o iníco de um grito, um grito no rosto que uivava. E a forma desse rosto ou desse grito. 1893. Os dedos junto ao rosto, escorrem na natureza real as nuvens profundas do sangue. Das linhas de cor emerge a própria forma e a angústia no rosto oculto dos solitários. De costas, aquelas figuras inertes em frente ao mar. 1935. Por que vieste ouvir o mar? O teu cabelo caído ao longo de um vestido branco. A tua solidão, a beleza da melancolia ao ritmo das ondas.

Convido a inocência, a jovem da Dança, os cabelos esvoaçando, ela que olha a vida e o amor, olha mais fundo para dentro de si. E passam os transportes públicos com os primeiros operários para o trabalho. As sirenes da polícia, compro um jornal em inglês. Atravesso as avenidas ainda desertas e nas pontes repetem-se as mesmas raparigas que ficaram eternas numa noite clara, figuras de cores vivas. Em silêncio. Em silêncio.

“A cor uivava”, fixo-me aqui para sonhar.

1977. As árvores parecem agora estátuas e o frio um personagem de diálogo. Cai a neblina como um manto urbano, ninguém se identifica nos vidros espelhados de imagens. Invento uma narrativa possível, um dia escreverei um diário, ou um poema, ou a mentira por esquecimento da verdade. Estas ruas e alamedas de uma cidade do norte onde a luz apenas esmorece numa palidez sensível. Oslo e os longos dias límpidos e a angústia entre parques para adormecer na noite sobre as estrelas. Foi assim, podia ser vivido assim.