O NORDESTINO SOFREDOR
O nosso Brasil, país de dimensão continental, é dividido em regiões com características diferentes, uma das outras, razão porque nos trás muitas surpresas.Mais ainda nos séculos passados; quando não havia estradas e meios de transportes ágeis.A vida do homem e da mulher, especialmente do (a) nordestino (a), era muito difícil, devido à situação climática.
Enquanto estudamos nos livros que são quatro estações: primavera, verão, outono e inverno; nesta região vive-se apenas duas, quando há inverno. Caso contrário, apenas uma: o verão ou a seca.Durante a estação do inverno vem a chuva e com ela o plantio das sementes e conseqüentemente a colheita, se o mesmo não for atrapalhado pele intromissão do verão, que teima em ser tempo único, sobretudo no sertão.Durante o verão, a vida se torna difícil e até insuportável, para os mais frágeis. Não há trabalho. Onde buscar alimento, água, para a sobrevivência humana, animal e vegetal? Enquanto se espera o próximo inverno, vai-se entretendo apenas em retocar as cercas, em conseguir algum lugar onde se possa fazer a solta do gado, se é que o possui; em catar pedras, em arrancar tocos, encoivará-los e queimá-los, após fazer cuidadosamente os aceiros, para evitar incêndios.
Com a falta da chuva a água do açude sumiu, há apenas a lama no porão. As cacimbas jorram menos e os animais vão perdendo peso, perdendo a beleza, perdendo a vida. Vão morrendo aos poucos, de fome e de sede.A espera é ansiosa e angustiante, pois já são feitas algumas vítimas. A vaca magra e velha já caiu.Foi levantada com ajuda dos homens, mas foi tudo inútil, não resistiu, morreu de fome e sede, tão magra que dá pra contar as costelas. Os urubus festejam fazendo círculos no ar, antes de pousar para o grande banquete. Quando se vê a distância a revoada deles é sinal que naquele lugar mais um animal chegou ao fim do seu ciclo vital, no meio da caatinga, sem folhas, sem água. Só se vê garranchos cinzentos, nada mais, a não ser um ou outro pé de Juá ou Mandacaru que lutam contra a estação sem chuvas, a favor da vida.
Neste cenário desolador as famílias abatidas vão consumindo gradativamente os grãos que haviam armazenado no paiol de milho, no silo do feijão, no sótão onde resta uma cuia de oito de arroz que havia sido guardada como semente para o plantio do próximo inverno. As galinhas, capões, frangos, frangotes e até pintos do terreiro; o porco e o bacurin que estavam sendo cevados, no chiqueiro, para a reza da renovação do santo; patos, guinés, capotes, ovinos, quando criavam; as caças que o cachorro pegava no mato ou no monturo, tudo, até os pássaros que cantavam ao redor da casa, nas estacas das cercas.
Aos poucos algumas famílias iam se retirando do seu natural para os estados vizinhos, com seus poucos pertences no lombo do jumento, da égua ou do burro. Nos caçuás iam as crianças pequenas, uma de cada lado, e a maior montada na cangalha; e se possível, alguém na garupa. Os maiores seguiam caminho a pé. Um puxando o cachorrinho, outro levando um saco às costas ou uma trouxa na cabeça.
A tristeza dos filhos fazia com que os pais segurassem as lágrimas, mas por dentro iam chorando, e às vezes até soluçando, gritando de tanta dor. Só eles sentiam e Deus sabia.
O patrão ou o vizinho que tinha algum dinheiro, havia comprado seus troços por alguns trocados, mesmo sabendo que aquele valor era irrisório, injusto e que aquela família necessitava tanto de mais algum dinheiro para ao menos chegar ao destino traçado.
Os que conseguiam alguns trocados a mais, iam de pau-de-arara rumo ao São Paulo, onde achavam que iam encontrar a sorte, viver bem e quem sabe até fazer fortuna. Todos empoleirados na carroceria do caminhão, deixavam para trás a casinha que trabalhara tanto para construir, às vezes até em mutirão; suas plantas ao redor do rancho, os animais de estimação: cães, gatos e o papagaio falador que dera de presente a algum amigo. Levavam consigo a saudade e o sonho de encontrar um lugar onde pudessem viver com dignidade, ser felizes, apenas isto.Durante a viagem, amontoados nas prateleiras como se fossem mercadorias, o cansaço ia tirando o ânimo até mesmo das crianças que nunca cansam, que estão sempre buliçosos, irrequietos. Aos poucos, elas, coitadinhas, vão entendendo a realidade que estão vivendo e vão se aconchegando aos pais e falando da tristeza que sentem dentro do peito, do medo que as vai atormentando, da insegurança que começam a sentir diante de um futuro obscuro e aterrizador. Vencidos pela exaustão, adormecem apoiados pelos pais que montam vigília, protegendo-os enquanto rezam o terço ou alguma oração forte ensinada pelos seus antepassados para protegê-los.
A fé lhes dá força e coragem. E com esperança e confiança fazem a entrega de tudo nas mãos de Deus. Abandonam-se nos braços daquele que tudo pode e tudo sabe; entregam-se ao Plano do Pai, na certeza de que Maria Santíssima os está envolvendo com o seu manto protetor, defendendo-os de tudo e de todos que lhes possam fazer mal.
Chegando ao destino, olham em volta e não têm a acolhida esperada.Às vezes só algumas pessoas estranhas que os tratam friamente, embora educadamente, indicando-lhes o local aonde se fixarem.
Meu Deus! Continua a Via-Sacra iniciada no Pau-de-arara. Muito trabalho nada de dinheiro. O fornecimento dos alimentos na venda do patrão, ao preço por ele determinado e sem opção de comprar noutro lugar. Uma verdadeira escravidão. E ali a vida vai transcorrendo sem nunca pagar a conta e muito menos sem conseguir o dinheiro das passagens de volta ao torrão natal.Quando sabem notícias da sua terra, especialmente quando dizem que lá está chovendo, o desejo de voltar grita alto no fundo do seu íntimo e a esperança vai definhando, e no seu lugar começa a habitar a desesperança, o desespero e uma tristeza que dói mais que uma dor física.Meu Deus, que viemos fazer aqui? Talvez fosse melhor morrer de fome lá, do que passar por tanta humilhação e tanto sofrimento moral. Como pode o nordestino bravo, tão trabalhador, perder sua dignidade, sua liberdade? tornar-se um Zé Ninguém na região Sul que parece não ser sua terra. Será outro País?Vão se passando os anos, morre o pai ou a mãe e vice-versa, quando não morrem os dois de tanta tristeza, tanto sofrimento. Os filhos se dispersam e não voltam mais ao seu torrão natal.
Alguns têm um pouco de sorte e conseguem um meio de voltar para sua gleba querida, mesmo que seja para comer uma vez por dia.No entanto um ou outro se dá bem. Consegue um trabalho bem remunerado e aos poucos vão construindo um barraco, comprando móveis e eletrodomésticos, objetos que não possuíam em sua terra de nascença e nunca nem viu antes. E iludidos por estas coisas materiais vão ficando, se acostumando, e até conseguindo vir passear no nordeste, visitar seus familiares e amigos.Muitas vezes se sentindo os tais. Por possuir roupas e calçados melhores, uma máquina fotográfica para registrar momentos importantes, e quem sabe até uma máquina filmadora. E com um sotaque diferente bancam os intelectuais cometendo erros gravíssimos, assassinando a língua portuguesa. É incrível, como não se tocam de sua falta de autenticidade! Como podem querer esquecer suas raízes? Perder sua identidade?
Passados alguns dias, após terem gastado boa parte do que conseguiram economizar, voltam para a vidinha do dia-a-dia, acordando de madrugada para preparar a marmita, pegar dois ou três ônibus até o serviço, trabalhar o dia inteiro, e voltar à noite, exaustos (as). No corre-corre não lhes sobra tempo nem para irem à missa dominical, pois neste dia deve ser feitos a faxina da casa , o mercantil ou a feira livre.
E o lazer? Não existe? Não! A vida não é gostosa como a do sertão, onde podemos sentar no terreiro ouvindo o toque da viola após a lida do dia de serviço, visitar o vizinho par ouvir uma cantoria de violeiros e repentistas, ir à reza dos compadres (a renova), à missa da capela da vila ou à feira da cidade. A novena e a festa do padroeiro com leilão e quermesse , nem pensar.
Como pode um país apresentar tantas divergências? Como é concebível que uns vivam tão bem, tenham tanto, enquanto outros têm tão pouco ou nada têm? Como pode muitos trabalhar tanto para enriquecer tão poucos? É uma injustiça social que parece que nunca vai acabar, nunca vai ser corrigida.
Os que estão no poder levam os pobres e analfabetos a crerem que isso é vontade de Deus. Que sempre foi assim e sempre será assim.Nunca vai mudar.Que uns nascem para ter tudo e outros para nada ter.
Não podemos atribuir a Deus os erros cometidos pelas pessoas inescrupulosas. Deus não dividiu terras, nem bens. O homem sim, com seu egoísmo criou as regras deste jogo sujo, onde uns têm tanto e outros nada têm. Deus é pai e não vai se sentir bem e feliz vendo um num palacete e outro debaixo da ponte; uns com casa na cidade, no campo, na praia, na montanha, enquanto outros dormem em bancos de avenidas e marquises de prédios comerciais. Não é justo um ganhar salário milionário e outros não terem salário.Não é vontade de Deus qu uns estudem, tenham poder, luxo, o supérfluo e outros não tenham condições de sobrevivência.Não é lei de Deus oferecer luxo ao animal de estimação enquanto crianças vivem como animais, revirando lixo. Deus é pai, é misericordioso e não pode ser responsabilizado pela ambição do homem. Ele não deixou escritura para ninguém. Seu Filho Jesus viveu em comunidade partilhando tudo que tinha e que era com os que necessitavam.
Só quem viveu e vive na apele esta situação sabe avaliar o que é largar sua terra natal, seus familiares, seus amigos em busca de um meio de sobrevivência.Na nossa terra, Brejo Santo- Ceará, temos alguns exemplos de famílias que viveram uma experiência desse tipo. Umas foram para Maranhão, outras para São Paulo, Brasília e Amazonas. Alguns Brejo Santenses foram soldados da borracha. Bem poucos sobreviveram. Uns poucos juntaram fortuna e voltaram para usufruí-la aqui.
Outros ajudaram na construção de Brasília e para lá ficaram, sem dar nenhuma notícia.São os afamados candangos, os heróis anônimos.
Outros mais foram para São Paulo. Lá conseguiram estudar, crescer na vida profissionalmente e tiveram melhores condições a ponto de levarem outros familiares para ter também uma chance de vencer.
Enquanto isso outros morreram de malária, de fome ou sumiram da face da terra sem deixar nenhum rastro, nenhuma notícia.
Era o ano de 1921 e no Nordeste, especialmente em Brejo dos Santos, vila do sul do Ceará, a seca assolava a todos. Brejo, um lugar fértil, estava naquelas condições. Como estaria o sertão? E o povo amedrontado buscava a única solução viável na época, o êxodo para outros estados onde imaginavam encontrar solução, devido os comentários de terceiros: que lá tudo era fácil, havia trabalho para todos, ninguém passava necessidade e nem morria de fome.
Algumas famílias venderam os bens que lhes restavam e partiram em busca da salvação para seus filhos, pois não queriam vê-los sucumbir à falta de alimentos. Triste ilusão.Na caminhada rumo ao Maranhão uma delas começa a sentir que tomou a decisão errada. Faltam alimentos, um filho adoece e morre à mingua sem socorro médico e sem remédio. E para ser sepultado se faz necessário até mesmo pedir esmolas. Quem poderia imaginar que família que nasceu abastada, um dia passaria por tal situação? Foi muito difícil seguir viagem deixando um filho sepultado à margem de uma estrada, sem saber se algum dia voltaria ao seu túmulo para visitá-lo. Sabemos que o que vale é o espírito, a alma que ao deixar o corpo já parte para Deus. É verdade que sabemos, mas não temos condições de nos desapegarmos do material com tanta facilidade: o corpo, o físico vale muito, pois a matéria é palpável e o espiritual é abstrato. Seguir em frente em busca de algo incerto e deixar para trás o corpinho do filho enterrado sozinho, sem um parente por perto, sem alguém para acender pelo menos uma vela, de vez em quando. Quanta tristeza! Que dor enorme! Mas não há outra saída. É preciso seguir em frente, sem olhar para trás.É preciso engolir as lágrimas, calar os soluços, suportar a dor enorme que esmaga o coração. Além da saudade da terra natal, o vazio deixado pela morte do filho.
Por que Deus? Por que acontecem tais coisas? O único remédio é buscar consolo na fé, voltar os pensamentos para a História Sagrada, para o povo de Deus que na sua caminhada pelo deserto, após o exílio, ainda teve que suportar fome, sede, vários tipos de sofrimento.Tentar ver que quanto mais ele se revoltava e desobedecia a Deus, tudo piorava. A única solução estava na fé, em Deus que é sempre fiel e nunca nos abandona, mesmo que nos sintamos sós, nunca se distancia, e às vezes nos carrega no colo, sem que nos demos conta disso, no momento.
Temos exemplos de alguns que foram para o estado do Amazonas, como soldados da borracha e lá faleceram enquanto outros poucos voltaram com recursos financeiros para instalar uma casa comercial, e um outro fez até fortuna, graças a Deus.
O êxodo do nordestino não é coisa do passado, Ele é apenas, hoje, um tanto diferente. Temos estradas asfaltadas, vacinas preventivas contra as doenças, transportes melhores e os programas de ação social e tantas pastorais que acolhem os nordestinos, procuram encaminha-los às colônias de conterrâneos e uns vão ajudando aos outros a procurar um emprego, conseguir alimentos nos abrigos e a tomar outras soluções viáveis.
Quanto aos que não têm coragem de sair da sua terra, já não morrem de fome;temos alimentos trazidos até de fora do país e os programas do governo que não resolvem o problema da seca, mas minimizam os sofrimentos do povo.
A seca já não apavora o nordestino, pois além das micro empresas que oferecem empregos com salários fixos, mesmo que sejam temporários, como no caso das usinas de açúcar, he o artesanato.E o homem do sítio tem água irrigada o ano inteiro para cultivar as horticulturas, ininterruptamente. Os poços profundos, os poços amazonas, os grandes açudes garantem a cultura das mais variadas frutas, de acordo com o tempo de safra de cada espécie, durante todo o ano. Até mesmo, uvas temos, e de primeira qualidade; tanto para nosso consumo como para a exportação.
As pessoas, hoje, têm outros sonhos. Querem sobreviver não só através da agricultura e pecuária, mas também através das artes. E muitas vão a busca de um futuro melhor, tentando se realizar como músicos, artistas de TV, Cinema, Teatro, enfim querem crescer culturalmente explorando o dom recebido de Deus.Da mesma maneira que temos homens e mulheres fortes, trabalhadores na agricultura; temos verdadeiros talentos que buscam uma oportunidade nas letras, nas artes, em todos os campos, já que em cidades pequenas do interior não a conseguem.Alguns têm a sorte de vencer com suas próprias qualidades, de maneira honesta, sem se deixar explorar e desrespeitar.No entanto outras, muitas vezes, se sujeitam ao assédio sexual, à exploração de pessoas desonestas que tiram proveito em cima das suas qualidades, dos seus dons, dados por Deus.Quantas são atraídas por promessas falsas e terminam se encaminhando pela estrada da prostituição, da violência, da droga, do homossexualismo! Quantas terminam morando na rua, expostas a todo tipo de miséria, de crime, ou buscando abrigos para conseguirem um banho, um prato de comida! É uma pena! Na Selva de Pedra é preciso virar bicho predador, é preciso ir contra seus valores morais e espirituais., é preciso às vezes matar para não morrer, é preciso fingir que não tem coração para sobreviver.
Nosso país é rico, potencialmente, precisa apenas ser tratado como merece: com respeito, para que todos consigam viver onde nasceram, com dignidade.Os nossos governantes precisam governar com justiça, entendendo que estão no poder para servir; e que ali foram colocados pelo povo para por ele trabalhar.
É preciso que intercedamos por sua conversão. Eles necessitam se espelhar em Jesus Cristo e em Maria de Nazaré, e entender que governar é servir, é estar a trabalho do seu povo que merece ser tratado com justiça e com respeito. Eles precisam ver o povo como imagem e semelhança de Deus, este Deus que lhes deu o poder através do seu povo.
Só Deus é a solução. Só através da oração o mal pode ser vencido, a corrupção pode ser aniquilada, exterminada, vencida.
A família simples, pura, santa resgatando os seus valores que vêm sendo descartados, ao longo do tempo, é responsável pela salvação; não só do nordestino, mas de todos os brasileiros, dos povos do mundo inteiro, de toda a humanidade.
Com som em :
http://www.recantodasletras.com.br/contos/216096
O nosso Brasil, país de dimensão continental, é dividido em regiões com características diferentes, uma das outras, razão porque nos trás muitas surpresas.Mais ainda nos séculos passados; quando não havia estradas e meios de transportes ágeis.A vida do homem e da mulher, especialmente do (a) nordestino (a), era muito difícil, devido à situação climática.
Enquanto estudamos nos livros que são quatro estações: primavera, verão, outono e inverno; nesta região vive-se apenas duas, quando há inverno. Caso contrário, apenas uma: o verão ou a seca.Durante a estação do inverno vem a chuva e com ela o plantio das sementes e conseqüentemente a colheita, se o mesmo não for atrapalhado pele intromissão do verão, que teima em ser tempo único, sobretudo no sertão.Durante o verão, a vida se torna difícil e até insuportável, para os mais frágeis. Não há trabalho. Onde buscar alimento, água, para a sobrevivência humana, animal e vegetal? Enquanto se espera o próximo inverno, vai-se entretendo apenas em retocar as cercas, em conseguir algum lugar onde se possa fazer a solta do gado, se é que o possui; em catar pedras, em arrancar tocos, encoivará-los e queimá-los, após fazer cuidadosamente os aceiros, para evitar incêndios.
Com a falta da chuva a água do açude sumiu, há apenas a lama no porão. As cacimbas jorram menos e os animais vão perdendo peso, perdendo a beleza, perdendo a vida. Vão morrendo aos poucos, de fome e de sede.A espera é ansiosa e angustiante, pois já são feitas algumas vítimas. A vaca magra e velha já caiu.Foi levantada com ajuda dos homens, mas foi tudo inútil, não resistiu, morreu de fome e sede, tão magra que dá pra contar as costelas. Os urubus festejam fazendo círculos no ar, antes de pousar para o grande banquete. Quando se vê a distância a revoada deles é sinal que naquele lugar mais um animal chegou ao fim do seu ciclo vital, no meio da caatinga, sem folhas, sem água. Só se vê garranchos cinzentos, nada mais, a não ser um ou outro pé de Juá ou Mandacaru que lutam contra a estação sem chuvas, a favor da vida.
Neste cenário desolador as famílias abatidas vão consumindo gradativamente os grãos que haviam armazenado no paiol de milho, no silo do feijão, no sótão onde resta uma cuia de oito de arroz que havia sido guardada como semente para o plantio do próximo inverno. As galinhas, capões, frangos, frangotes e até pintos do terreiro; o porco e o bacurin que estavam sendo cevados, no chiqueiro, para a reza da renovação do santo; patos, guinés, capotes, ovinos, quando criavam; as caças que o cachorro pegava no mato ou no monturo, tudo, até os pássaros que cantavam ao redor da casa, nas estacas das cercas.
Aos poucos algumas famílias iam se retirando do seu natural para os estados vizinhos, com seus poucos pertences no lombo do jumento, da égua ou do burro. Nos caçuás iam as crianças pequenas, uma de cada lado, e a maior montada na cangalha; e se possível, alguém na garupa. Os maiores seguiam caminho a pé. Um puxando o cachorrinho, outro levando um saco às costas ou uma trouxa na cabeça.
A tristeza dos filhos fazia com que os pais segurassem as lágrimas, mas por dentro iam chorando, e às vezes até soluçando, gritando de tanta dor. Só eles sentiam e Deus sabia.
O patrão ou o vizinho que tinha algum dinheiro, havia comprado seus troços por alguns trocados, mesmo sabendo que aquele valor era irrisório, injusto e que aquela família necessitava tanto de mais algum dinheiro para ao menos chegar ao destino traçado.
Os que conseguiam alguns trocados a mais, iam de pau-de-arara rumo ao São Paulo, onde achavam que iam encontrar a sorte, viver bem e quem sabe até fazer fortuna. Todos empoleirados na carroceria do caminhão, deixavam para trás a casinha que trabalhara tanto para construir, às vezes até em mutirão; suas plantas ao redor do rancho, os animais de estimação: cães, gatos e o papagaio falador que dera de presente a algum amigo. Levavam consigo a saudade e o sonho de encontrar um lugar onde pudessem viver com dignidade, ser felizes, apenas isto.Durante a viagem, amontoados nas prateleiras como se fossem mercadorias, o cansaço ia tirando o ânimo até mesmo das crianças que nunca cansam, que estão sempre buliçosos, irrequietos. Aos poucos, elas, coitadinhas, vão entendendo a realidade que estão vivendo e vão se aconchegando aos pais e falando da tristeza que sentem dentro do peito, do medo que as vai atormentando, da insegurança que começam a sentir diante de um futuro obscuro e aterrizador. Vencidos pela exaustão, adormecem apoiados pelos pais que montam vigília, protegendo-os enquanto rezam o terço ou alguma oração forte ensinada pelos seus antepassados para protegê-los.
A fé lhes dá força e coragem. E com esperança e confiança fazem a entrega de tudo nas mãos de Deus. Abandonam-se nos braços daquele que tudo pode e tudo sabe; entregam-se ao Plano do Pai, na certeza de que Maria Santíssima os está envolvendo com o seu manto protetor, defendendo-os de tudo e de todos que lhes possam fazer mal.
Chegando ao destino, olham em volta e não têm a acolhida esperada.Às vezes só algumas pessoas estranhas que os tratam friamente, embora educadamente, indicando-lhes o local aonde se fixarem.
Meu Deus! Continua a Via-Sacra iniciada no Pau-de-arara. Muito trabalho nada de dinheiro. O fornecimento dos alimentos na venda do patrão, ao preço por ele determinado e sem opção de comprar noutro lugar. Uma verdadeira escravidão. E ali a vida vai transcorrendo sem nunca pagar a conta e muito menos sem conseguir o dinheiro das passagens de volta ao torrão natal.Quando sabem notícias da sua terra, especialmente quando dizem que lá está chovendo, o desejo de voltar grita alto no fundo do seu íntimo e a esperança vai definhando, e no seu lugar começa a habitar a desesperança, o desespero e uma tristeza que dói mais que uma dor física.Meu Deus, que viemos fazer aqui? Talvez fosse melhor morrer de fome lá, do que passar por tanta humilhação e tanto sofrimento moral. Como pode o nordestino bravo, tão trabalhador, perder sua dignidade, sua liberdade? tornar-se um Zé Ninguém na região Sul que parece não ser sua terra. Será outro País?Vão se passando os anos, morre o pai ou a mãe e vice-versa, quando não morrem os dois de tanta tristeza, tanto sofrimento. Os filhos se dispersam e não voltam mais ao seu torrão natal.
Alguns têm um pouco de sorte e conseguem um meio de voltar para sua gleba querida, mesmo que seja para comer uma vez por dia.No entanto um ou outro se dá bem. Consegue um trabalho bem remunerado e aos poucos vão construindo um barraco, comprando móveis e eletrodomésticos, objetos que não possuíam em sua terra de nascença e nunca nem viu antes. E iludidos por estas coisas materiais vão ficando, se acostumando, e até conseguindo vir passear no nordeste, visitar seus familiares e amigos.Muitas vezes se sentindo os tais. Por possuir roupas e calçados melhores, uma máquina fotográfica para registrar momentos importantes, e quem sabe até uma máquina filmadora. E com um sotaque diferente bancam os intelectuais cometendo erros gravíssimos, assassinando a língua portuguesa. É incrível, como não se tocam de sua falta de autenticidade! Como podem querer esquecer suas raízes? Perder sua identidade?
Passados alguns dias, após terem gastado boa parte do que conseguiram economizar, voltam para a vidinha do dia-a-dia, acordando de madrugada para preparar a marmita, pegar dois ou três ônibus até o serviço, trabalhar o dia inteiro, e voltar à noite, exaustos (as). No corre-corre não lhes sobra tempo nem para irem à missa dominical, pois neste dia deve ser feitos a faxina da casa , o mercantil ou a feira livre.
E o lazer? Não existe? Não! A vida não é gostosa como a do sertão, onde podemos sentar no terreiro ouvindo o toque da viola após a lida do dia de serviço, visitar o vizinho par ouvir uma cantoria de violeiros e repentistas, ir à reza dos compadres (a renova), à missa da capela da vila ou à feira da cidade. A novena e a festa do padroeiro com leilão e quermesse , nem pensar.
Como pode um país apresentar tantas divergências? Como é concebível que uns vivam tão bem, tenham tanto, enquanto outros têm tão pouco ou nada têm? Como pode muitos trabalhar tanto para enriquecer tão poucos? É uma injustiça social que parece que nunca vai acabar, nunca vai ser corrigida.
Os que estão no poder levam os pobres e analfabetos a crerem que isso é vontade de Deus. Que sempre foi assim e sempre será assim.Nunca vai mudar.Que uns nascem para ter tudo e outros para nada ter.
Não podemos atribuir a Deus os erros cometidos pelas pessoas inescrupulosas. Deus não dividiu terras, nem bens. O homem sim, com seu egoísmo criou as regras deste jogo sujo, onde uns têm tanto e outros nada têm. Deus é pai e não vai se sentir bem e feliz vendo um num palacete e outro debaixo da ponte; uns com casa na cidade, no campo, na praia, na montanha, enquanto outros dormem em bancos de avenidas e marquises de prédios comerciais. Não é justo um ganhar salário milionário e outros não terem salário.Não é vontade de Deus qu uns estudem, tenham poder, luxo, o supérfluo e outros não tenham condições de sobrevivência.Não é lei de Deus oferecer luxo ao animal de estimação enquanto crianças vivem como animais, revirando lixo. Deus é pai, é misericordioso e não pode ser responsabilizado pela ambição do homem. Ele não deixou escritura para ninguém. Seu Filho Jesus viveu em comunidade partilhando tudo que tinha e que era com os que necessitavam.
Só quem viveu e vive na apele esta situação sabe avaliar o que é largar sua terra natal, seus familiares, seus amigos em busca de um meio de sobrevivência.Na nossa terra, Brejo Santo- Ceará, temos alguns exemplos de famílias que viveram uma experiência desse tipo. Umas foram para Maranhão, outras para São Paulo, Brasília e Amazonas. Alguns Brejo Santenses foram soldados da borracha. Bem poucos sobreviveram. Uns poucos juntaram fortuna e voltaram para usufruí-la aqui.
Outros ajudaram na construção de Brasília e para lá ficaram, sem dar nenhuma notícia.São os afamados candangos, os heróis anônimos.
Outros mais foram para São Paulo. Lá conseguiram estudar, crescer na vida profissionalmente e tiveram melhores condições a ponto de levarem outros familiares para ter também uma chance de vencer.
Enquanto isso outros morreram de malária, de fome ou sumiram da face da terra sem deixar nenhum rastro, nenhuma notícia.
Era o ano de 1921 e no Nordeste, especialmente em Brejo dos Santos, vila do sul do Ceará, a seca assolava a todos. Brejo, um lugar fértil, estava naquelas condições. Como estaria o sertão? E o povo amedrontado buscava a única solução viável na época, o êxodo para outros estados onde imaginavam encontrar solução, devido os comentários de terceiros: que lá tudo era fácil, havia trabalho para todos, ninguém passava necessidade e nem morria de fome.
Algumas famílias venderam os bens que lhes restavam e partiram em busca da salvação para seus filhos, pois não queriam vê-los sucumbir à falta de alimentos. Triste ilusão.Na caminhada rumo ao Maranhão uma delas começa a sentir que tomou a decisão errada. Faltam alimentos, um filho adoece e morre à mingua sem socorro médico e sem remédio. E para ser sepultado se faz necessário até mesmo pedir esmolas. Quem poderia imaginar que família que nasceu abastada, um dia passaria por tal situação? Foi muito difícil seguir viagem deixando um filho sepultado à margem de uma estrada, sem saber se algum dia voltaria ao seu túmulo para visitá-lo. Sabemos que o que vale é o espírito, a alma que ao deixar o corpo já parte para Deus. É verdade que sabemos, mas não temos condições de nos desapegarmos do material com tanta facilidade: o corpo, o físico vale muito, pois a matéria é palpável e o espiritual é abstrato. Seguir em frente em busca de algo incerto e deixar para trás o corpinho do filho enterrado sozinho, sem um parente por perto, sem alguém para acender pelo menos uma vela, de vez em quando. Quanta tristeza! Que dor enorme! Mas não há outra saída. É preciso seguir em frente, sem olhar para trás.É preciso engolir as lágrimas, calar os soluços, suportar a dor enorme que esmaga o coração. Além da saudade da terra natal, o vazio deixado pela morte do filho.
Por que Deus? Por que acontecem tais coisas? O único remédio é buscar consolo na fé, voltar os pensamentos para a História Sagrada, para o povo de Deus que na sua caminhada pelo deserto, após o exílio, ainda teve que suportar fome, sede, vários tipos de sofrimento.Tentar ver que quanto mais ele se revoltava e desobedecia a Deus, tudo piorava. A única solução estava na fé, em Deus que é sempre fiel e nunca nos abandona, mesmo que nos sintamos sós, nunca se distancia, e às vezes nos carrega no colo, sem que nos demos conta disso, no momento.
Temos exemplos de alguns que foram para o estado do Amazonas, como soldados da borracha e lá faleceram enquanto outros poucos voltaram com recursos financeiros para instalar uma casa comercial, e um outro fez até fortuna, graças a Deus.
O êxodo do nordestino não é coisa do passado, Ele é apenas, hoje, um tanto diferente. Temos estradas asfaltadas, vacinas preventivas contra as doenças, transportes melhores e os programas de ação social e tantas pastorais que acolhem os nordestinos, procuram encaminha-los às colônias de conterrâneos e uns vão ajudando aos outros a procurar um emprego, conseguir alimentos nos abrigos e a tomar outras soluções viáveis.
Quanto aos que não têm coragem de sair da sua terra, já não morrem de fome;temos alimentos trazidos até de fora do país e os programas do governo que não resolvem o problema da seca, mas minimizam os sofrimentos do povo.
A seca já não apavora o nordestino, pois além das micro empresas que oferecem empregos com salários fixos, mesmo que sejam temporários, como no caso das usinas de açúcar, he o artesanato.E o homem do sítio tem água irrigada o ano inteiro para cultivar as horticulturas, ininterruptamente. Os poços profundos, os poços amazonas, os grandes açudes garantem a cultura das mais variadas frutas, de acordo com o tempo de safra de cada espécie, durante todo o ano. Até mesmo, uvas temos, e de primeira qualidade; tanto para nosso consumo como para a exportação.
As pessoas, hoje, têm outros sonhos. Querem sobreviver não só através da agricultura e pecuária, mas também através das artes. E muitas vão a busca de um futuro melhor, tentando se realizar como músicos, artistas de TV, Cinema, Teatro, enfim querem crescer culturalmente explorando o dom recebido de Deus.Da mesma maneira que temos homens e mulheres fortes, trabalhadores na agricultura; temos verdadeiros talentos que buscam uma oportunidade nas letras, nas artes, em todos os campos, já que em cidades pequenas do interior não a conseguem.Alguns têm a sorte de vencer com suas próprias qualidades, de maneira honesta, sem se deixar explorar e desrespeitar.No entanto outras, muitas vezes, se sujeitam ao assédio sexual, à exploração de pessoas desonestas que tiram proveito em cima das suas qualidades, dos seus dons, dados por Deus.Quantas são atraídas por promessas falsas e terminam se encaminhando pela estrada da prostituição, da violência, da droga, do homossexualismo! Quantas terminam morando na rua, expostas a todo tipo de miséria, de crime, ou buscando abrigos para conseguirem um banho, um prato de comida! É uma pena! Na Selva de Pedra é preciso virar bicho predador, é preciso ir contra seus valores morais e espirituais., é preciso às vezes matar para não morrer, é preciso fingir que não tem coração para sobreviver.
Nosso país é rico, potencialmente, precisa apenas ser tratado como merece: com respeito, para que todos consigam viver onde nasceram, com dignidade.Os nossos governantes precisam governar com justiça, entendendo que estão no poder para servir; e que ali foram colocados pelo povo para por ele trabalhar.
É preciso que intercedamos por sua conversão. Eles necessitam se espelhar em Jesus Cristo e em Maria de Nazaré, e entender que governar é servir, é estar a trabalho do seu povo que merece ser tratado com justiça e com respeito. Eles precisam ver o povo como imagem e semelhança de Deus, este Deus que lhes deu o poder através do seu povo.
Só Deus é a solução. Só através da oração o mal pode ser vencido, a corrupção pode ser aniquilada, exterminada, vencida.
A família simples, pura, santa resgatando os seus valores que vêm sendo descartados, ao longo do tempo, é responsável pela salvação; não só do nordestino, mas de todos os brasileiros, dos povos do mundo inteiro, de toda a humanidade.
Com som em :
http://www.recantodasletras.com.br/contos/216096