O Baú


          Rezou três vezes o responso.Torceu para encontrar a chave. Lavou as mãos.

          Vasculhou a gaveta das lembranças. Tirou uma. Tirou duas. Três de suas memórias. Não era nenhuma delas. Descartou. Então, lembrou-se que a guardara num outro compartimento. Das emoções.

          De posse, tomou o objeto e com ele abriu a pequena gaveta. Não eram tantas a s recordações que decidira guardar para sempre.

          Afastou-as. Abriu um espaço no canto superior esquerdo. Ajeitou bem. Acariciou mais uma vez antes de trancafiá-lo. Sentia-se num profundo misto de tristeza e falta de rumo.

          Lembrou-se que enquanto se perdia rua adentro durante aquela manhã, evitava olhar nos olhos, baixava a visão. Sabia que o que procurava não estava ali. Não trafegava onde por onde seus olhos se estendessem.

          Pensou num antigo sonho. Azul. Azul. Azul. Parecia superado depois de décadas até que aconteceu. 

               Imprevisto. Teria de novamente guardá-los. Pensou em quantas vidas seriam necessárias até concretizá-lo.

          O texto lido no dia anterior ainda era forte em seus pensamentos. Quando seus olhos se encantaram. Teve vontade de voar. Não sabia muito bem para onde. Não estava em suas mãos decidir.

          Tomaria atitude errada se assim fosse. Esperava como quem precisa do ar. Respirava lembranças.

          Em sua mente palavras voadoras flutuavam. Monocromaticamente. Escuro e claro. Noite e dia. Bem e o Mal. Teve medo.

          Tornava-se a cada momento tanto mais silenciosa. Aprendeu a fabricar gestos mecânicos enquanto a mente se dispersava não se sabe por quais devaneios. Esperava. Não sabia pelo quê.

          Lembrou-se de uma história onde sementes de flores eram jogadas pelo caminho. Perguntou-se para que serviria. Aceitava apenas.

          Sua mente doía de tantos pensamentos. Lia e relia, telepaticamente, as entrelinhas e a cada nova ida, sentia-se mais longe da compreensão.

          Buscava no místico uma explicação plausível que lhe desse um pouco de paz e conforto.

          Atravessou a rua. Displicente. Não viu o veículo. Era branco.

         Segura! Gritou uma voz ensandescida.
         Pisa no freio! Puxa! Para!
         O arrastar dos pneus.

         Muitos olhos olharam. Muitos ouvidos ouviram. O último passo. Atingiu a calçada. Adentrou o recinto. Não vira mais nada. Esqueceu da chave.


 
                   


                                           ***imagens google***



AndreaCristina Lopes
Enviado por AndreaCristina Lopes em 25/03/2010
Reeditado em 17/02/2012
Código do texto: T2157681
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