CAMPO SANTO OU DE BATALHA

CAMPO SANTO OU DE BATALHA

A vila de São João era território de domínio da família Laranjeira, eles se consideravam reis do lugar e a população seus vassalos; tudo tinha de acontecer como os membros da ilustre família desejasse, ninguém discutia com eles, eram os todo poderosos na opinião deles e das pessoas humildes que lhes dava corda, mas corda demais enforca.

Para tudo nesse mundo tem uma primeira vez e a vez dos Laranjeiras chegou também e o que causou a confusão foi uma sepultura, porque até no cemitério eles mandavam, quando morria um Laranjeira a família escolhia o lugar do sepultamento e desalojava quem estivesse ali sepultado e todos aceitavam essa arbitrariedade.

Naquela vila vivia dona Lia, senhora de péssimo humor e temperamento agressivo, que não levava desaforo para casa, mas o seu lado bom era o apego a família e tinha um grande carinho por um seu irmão de criação chamado Gegê e sofreu muito com seu falecimento; ele foi enterrado em cova rasa, até que suas filhas foram trabalhar em São Paulo.

As moças trabalharam por alguns meses e quando voltaram trouxeram dinheiro suficiente e compraram a quadra onde Gegê estava sepultado, encarregaram seu irmão que era pedreiro de fazer um canteiro ou outra coisa qualquer para marcar o lugar, mas ele enrolou e meses depois nada tinha feito, parecia que o lugar não tinha dono.

Dona Lia tinha o costume de visitar a viúva de Gegê todos os dias e numa dessas visitas encontrou a coitada chorando e muito nervosa, perguntou o que estava acontecendo ela disse que o Zequinha Laranjeira tinha ido oferecer vinte cruzeiros, porque ia fazer o tumulo de sua mãe onde o Gegê está enterrado; Lia disse: calma Santinha, deixa comigo.

Levando o recibo da compra da quadra e os vinte cruzeiros, ela foi direto para o cemitério onde encontrou o Zequinha acompanhado de pedreiros e serventes esperando o material necessário para começar o serviço, a quadra já estava marcada com estacas; Lia arrancou as estacas e disse: pode parar Seu Zequinha, essa quadra tem dono, sabia não?

Ele olhou para ela como se ela fosse um inseto e disse: o dono sou eu e vou colocar minha mãe bem aqui ao lado do tumulo do papai, Lia pediu a ele que mostrasse o recibo de compra da quadra , ele disse que não precisava de recibo e mandou os pedreiros começarem a trabalhar, ela empurrou o pedreiro e gritou: pois eu tenho o recibo assinado pelo bispo.

Zequinha riu e disse que o recibo era falso, porque aquelas negrinhas não tinham dinheiro para pagar pela quadra e mandou começar o serviço, ai o tempo ferveu: dona Lia tomou a enxada do pedreiro e partiu para cima do Laranjeira que saiu correndo e gritando por socorro, a essa altura o cemitério estava cheio de curiosos, para ver dona Lia perder.

Em minutos o fulano voltou com o delegado e disse: A senhora não entende, minha mãe era branca e de família importante, negro não precisa de tumulo, ela respondeu: olha aqui seu anão de jardim, meu irmão era um preto de alma branca e sua mãe era uma branca de alma negra, que traia seu pai com qualquer um e eu tenho o recibo assinado pelo bispo.

O delegado examinou o recibo e disse: é legitimo e não posso fazer nada, o senhor não pode usar essa quadra; dona Lia gritou : agora vou tomar minhas providencias, mandou chamar o Edu filho do falecido e mandou que trouxesse material e ajudante para fazer o canteiro, subiu no tumulo do pai do Laranjeira, se assentou e completou: só saio daqui com esse canteiro pronto, se mexe Edu.

Conhecendo a tia postiça o rapaz ficou esperto e começou o serviço, a noite já caia quando o canteiro de Gegê ficou pronto, só então dona Lia desceu do tumulo do velho Laranjeira, estava queimada de sol e muito cansada, mas estava feliz porque tinha derrotado a prepotência e o autoritarismo do anão chamado Zequinha Laranjeira e Gegê continua no seu lugar de descanso eterno.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 23/03/2010
Código do texto: T2155232
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.