O FUMANTE

O FUMANTE

O sofá macio e confortável o deixou relaxado e calmo enquanto aguardava ser chamado, ao ser anunciado pela secretaria ouviu a voz de Ariovaldo dizer; _“porque já não mandou ele entrar?” a moça bela e perfumada ficou sem jeito com a chamada de atenção do executivo, José lhe disse; “ Está tudo bem”.

Ao adentrar foi cumprimentado e abraçado em profusão, e comentou; “ O que foi Ari? Porque está tão carinhoso” e riu alegremente. Seu interlocutor disse; “ Olha meu amigo, confesso que tenho negligenciado a nossa amizade,com tantas obrigações me esqueci de fazer aquilo que você sempre me ensinou, alimentar com atenção e respeito a nossa afeição que se iniciou na adolescência, e agora fico numa saia justa, porque nos últimos tempos só te procuro quando estou com problemas.”

José afagou seus ombros e falou;_ “ relaxa, amigo é para estas coisas”. O telefone toca e Ari atende, enquanto isso o amigo fica a apreciar o bom gosto na decoração da sala, belos quadros, cortinas claras, flores por todos os lados indicam o toque feminino de sua prima Marta, esposa do executivo. Quando ele termina de atender chama a secretaria e diz: “Amanda não estou pra ninguém, entendeu” Ela sorri e faz continência dizendo;”Sim, meu general”. José não se segura e cai numa gargalhada.

Quando ficaram sozinhos ele fala; “Ari o que está acontecendo, porque me chamou com tanta urgência?” O anfitrião anda um pouco pela sala demonstrando estar nervoso, chama o visitante para se sentar em poltronas macias em pequena sacada ao ar livre, acende um cigarro e após fortes tragadas confidencia; “O meu problema está sendo este”. E aponta o cigarro aceso. Faz breve silencio e continua falando; “Na verdade estou desesperado, estou fazendo de tudo para deixar de fumar, mas estou achando impossível”.

José pensou em lhe admoestar dizendo; “onde está o grande homem forte e destemido que conheço”, mas percebendo o estado emocional frágil do amigo, se manteve calado aguardando as suas confidencias.

Ele continuou dizendo “Zé procurei até analistas”. José rebateu; “não acredito!.. você falando com psicólogos? é acho que o seu problema é grave mesmo”. Ariovaldo apagou o cigarro e comentou; “Viu, estou travando verdadeira batalha para deixar de fumar, recentemente joguei maços de cigarro no lixo, e espalhei aos quatro cantos que não fumaria mais, consegui manter minha palavra apenas por um dia, no outro coloquei o rabo entre as pernas e saí desesperado em busca deste maldito”.

José assumiu ares de psicólogo e perguntou; “Espera aí!..você está chateado com a chacota das pessoas, ou verdadeiramente com o vicio?” Ari respondeu nervoso; “Estou pouco me lixando com o que pensam de mim, afirmei isso, porque sempre cumpro com minha palavra, pois é desta maneira que consegui sobressair sobre meus concorrentes e chegar no status que estou hoje, acreditei que tendo que cumprir o que declarei, venceria o vicio, mas me enganei, no momento declaração nenhuma minha sobre este assunto é confiável.”

José voltou a carga, “ E os analistas, o que disseram?”

Ari demonstrando estar um pouco angustiado explicou; “ o primeiro que procurei é um renomado analista, muito bem indicado por importantes executivos, durante a primeira sessão, percebi ser ele fumante, aí não prestei atenção em nada que me falou, fiquei a pensar, ‘como pode um fumante ajudar a outro’, assim não voltei mais lá, procurei outro que não tem o vicio, e no primeiro contato antes de iniciar o tratamento, pensei ‘como pode ele me ajudar, se nunca fumou’ abandonei a terapia antes de começar.

Então aconselhado pela Marta, resolvi fazer terapia com outro que é ex fumante, provavelmente a experiência dele vai me ajudar, pensei.”

Novamente se levantou, andou um pouco pela sala e voltou a falar; “ O ultimo me ajudou bastante, me fez fazer um inventario das percas e ganhos que obterei em deixar o tabagismo, compreendi que só tenho a ganhar. Infelizmente nem a dor de consciência em ter prejudicado meu casal de filhos, causando a eles problemas respiratórios, me deu forças para vencer esta fraqueza terrível, e quando ele propôs fazermos uma experiência no intuito de me ajudar, me afastei.

Marta tem insistido para mim retornar a terapia, mas me falta coragem, acho que no fundo não quero deixar o vicio.”

Desta vez quem se levantou foi José, e começou a caminhar na sala pensativo.

Depois falou: “ Vamos dar um passeio, tire este uniforme de executivo e me acompanhe, deixamos de lado o almoço e fazemos um lanche no caminho."

Os amigos pararam numa barraca de caldo de cana e pasteis na estrada, enquanto comiam José explicou;

“Estamos indo visitar Dona Maria, ela é benzedeira, você vai conhecer o ser humano mais digno que encontrei nesta vida, É uma Senhora idosa profundamente religiosa, respeita todas as religiões, e cura orienta e auxilia todo tipo de pessoas, alguns ela benze com ramos de arruda, outros utiliza a bíblia nas orações a outros utiliza um terço nas rezas, acredito que com você ela vai apenas conversar.”

O dia com o céu cinzento deixou Ari um pouco deprimido e refletindo sobre a vida, estava indo para periferia de pequena cidade atrás daquilo que considerava superstições. Olhou para o amigo que dirigia tranqüilo com semblante feliz e pensou; ‘não consigo ter essa fé que ele possui, porque será?’

Em frente a casa grande e humilde, havia outros carros estacionados ao adentrarem foram bem recebidos por uma moça que os levou para grande varanda com sofás simples e lhes disse; “aguardem assim que D Maria acabar de atender duas pessoas eu lhes chamo”

Ari aproveitou o silencio, e questionou o amigo,”esta Sra vive de que? Ela cobra por atendimento? José sorriu e esclareceu; “Não, vive da aposentadoria, não aceita de forma nenhuma qualquer espécie de donativos, sempre nos diz que tem tudo o que precisa, e que se precisar de algo vai pedir sem constrangimento,” Olhou para o amigo e ainda sorrindo comentou: “ sei que para você é difícil aceitar que alguém possa servir as pessoas sem pedir nada em troca, mas te afirmo; é verdade."

Após meia hora de espera Ari adentrou a pequeno recinto ao lado da casa, Dona Maria o atendeu com sorriso dizendo: “ aqui podemos conversar a vontade, já vi que não precisa de benzi mentos ou orações,” No local não havia nem velas ou qualquer coisa mística, apenas pequena mesa coberta por toalha alvíssima e grande pote de água. Ela lhe serviu um pouco de refresco de manga e começou a falar;

“O Sr veio aqui em busca de um auxilio para deixar de fumar, fico triste em lhe dizer que não conheço nada para ajudá-lo, pedi a Deus para me iluminar naquilo que posso falar sobre este problema, na verdade os profissionais que o Sr procurou podem ser mais úteis, não julgue a capacidade das pessoas só porque tem o mesmo defeito ou porque não passaram pelo mesmo problema, cada ser humano tem maneiras diferentes de ver sentir e compreender as qualidades e defeitos da humanidade, mas fale um pouco de você,”

Ari estava impressionado, aquela mulher não era um ser humano comum, reparou o bom gosto existente a sua volta, jardim muito bem cuidado com belas flores, a casa bem pintada com móveis simples porem limpos e brilhantes, ele começou a falar timidamente da sua vida familiar e profissional e depois explicou a sua dificuldade em dominar o seu vicio.

Dona Maria aguardou pacientemente que terminasse de falar, e olhando profundamente em seus olhos fez algumas perguntas sobre as sensações que sentia ao fumar, ele ficou um pouco incomodado, sentindo como se seus pensamentos estivessem sendo lidos, finalmente terminaram as perguntas então ela orientou:

“O Sr vai fazer assim; buscará ajuda em todos os lugares que falam em tabagismo, instituições filantrópicas, clinicas, especialistas, cursos, enfim tudo que for possível, porque está em meio a uma grande batalha, todo ensinamento que receber e apoio de amigos e familiares, vão te fortificar para sair vitorioso desta luta” Aproveitando o breve silencio que se fez ele perguntou: “ há algo que gostaria de saber, porque o vicio me domina tanto?”

Ela o olhou com semblante iluminado e olhar brilhante e pronunciou: “É o orgulho meu filho, Deus na sua infinita misericórdia permite que nos tornemos joguetes dos nossos defeitos, para aprendermos a sermos humildes, e só com muita humildade, reconhecendo nossas fraquezas que conseguimos superar nossas mazelas.

É preciso pedir com muita confiança para a parte divina que existe dentro de nós, forças para vencer a tentação”.Dona Maria juntou as suas mãos com as dele, como uma mãe carinhosa ensinando o filho a orar, e emocionada ensinou;

“Filho, com a palma das mãos unidas,e com muita fé no coração, você vai orar assim;

_ ‘Meu divino pai que habita em mim, minha divina mãe que mora em meu coração, elimina este defeito da minha mente e do meu corpo’,

Fará esta oração a todo instante que a tentação chegar, e acredite nossa mãe divina tem o poder de eliminar qualquer defeito.”

Lágrimas desceram pelo rosto dos dois, Ari sentiu-se leve, feliz e fortificado, com o que acabara de aprender adquiriu a certeza que venceria a luta.

Depois só falaram de coisas banais. Eles agradeceram e partiram.

No caminho de volta Ari ficou em silencio refletindo no aprendizado daquela tarde abençoada. José captando o que ia em sua alma comentou;

“É meu amigo, hoje aprendeste que a maior de todas as batalhas, sempre será travada no mais profundo do nosso ser.”

Obs. ( os nomes dos personagens são ficticios )

Mário Silva
Enviado por Mário Silva em 19/03/2010
Reeditado em 12/05/2010
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