Além do mar sempre há um horizonte


               Ficou parado. Fixo. Como se estivesse nascido imóvel ali. Olhava o mar e seu olhar transpassava a visão. O azul era intenso e alguns pássaros gritavam pela sobra dos peixes, coisa pequena que os pescadores atiravam. Acostumados a receber o alimento, faziam uma verdadeira gritaria ao disputá-los.

          Era muito cedo. O vento gelava sua face. Vitor estava tão perdido em pensamentos que seria incapaz de ouvir qualquer coisa. Num gesto mecânico abaixou os olhos e movimentou devagar para baixo a sua cabeça deu um passo lento. As mãos estavam colocadas nos bolsos da calça larga que indicava que a mesma já pertencera a um homem bem mais robusto. A camisa também parecia um tanto quanto grande para o seu tamanho, era visível que perdera muito peso nos últimos tempos. Talvez, tenha perdido mais que peso.

               Não era alto, estatura mediana, um tipo bem normal. Movimentava-se com passos leves, parecia não se preocupar com as ondas que se lançavam aos pés quase molhando-lhe os sapatos bem lustrados. Um homem de aparência simples, embora a maneira como estava vestido, denunciava que havia recém chegado à praia, ainda que não se soubesse de onde.

               Respirou como quem precisa de todo ar que há no mundo. Sentiu o cheiro do mar penetrando-lhe a alma e certamente era bom estar ali.

          Poucas janelas estavam abertas nessa hora. O dia começava claro mas, exceto pelos homens armados de redes que se lançavam ao mar, muitos ainda dormiam. Caminhou calmamente, ateve seu olhar numa pequena formação rochosa em sua frente, lembrou que com a alta da maré, se formava uma piscina no meio das pedras onde as crianças brincavam afastadas do perigo do mar.

               Voltei – pensou – e uma emoção percorreu-lhe o corpo. Um certo arrepio o fez estremecer, não escondia a aflição do reencontrar Helena, será que ela estaria disposta a ouvi-lo? Perguntou para si mesmo - talvez não quisesse e se assim fosse, ele teria de aceitar-lhe a decisão; compreendia agora que fora fraco e covarde, há muito tempo deveria ter retornado e enfrentado seja lá o que fosse.

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          Uma brisa suave soprava-lhe o rosto e esvoaçava-lhes os cabelos. Eram longos, finos, castanhos e soltos ao vento, aliás, como sempre. Não eram loiros, também escuros não eram e sim de um tom mel que provocava inveja nas mulheres da vila, os olhos verdes, às vezes ganhavam um tom azul, assim como o mar muda sua cor, também seu olhar ganhava outro tom.

               Era jovem, alta, magra, e de aparência simpática, andava sorrindo para a vida e todos à sua volta a admiravam muito. Os lábios tinham uma coloração forte mas bem natural, a pele clara, limpa, tinha cor de pêssego quando começa a amadurecer. Gostava de roupas longas e claras, sempre a viam passeando bem cedo pela praia, de longe um aceno de mão aos pescadores, velhos conhecidos que lhe devolviam o gesto com grandes sorrisos.

               Sempre amara aquele lugar. Ali estavam seus verdadeiros amigos. gente simples, à moda que, quase não se encontra nas grandes cidades.
Ela estava muito bem, Definitivamente havia superado tudo. Conseguira voltar a sorrir, embora não comentasse muito de si, alguns ainda achavam que ela acreditasse que tudo não havia sido como os fatos demonstravam.


               Sandálias nas mãos, blusa cor salmão de lâ fina, calça branca de algodão com as barras dobradas em duas ou três voltas e embora a água do mar estivesse fria neste início de outono, fazia questão de sentir a areia sob os seus pés.
As ondas ainda tímidas, cobriam seus rastros no espelho que a água deixava ao retornar, pareciam acompanha-la em seu rito matinal sempre na direção sul. Seguia absorvendo os raios de sol como uma força vital que lhe colorava a pele e a alma.

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               Ele estava dispenso em pensamentos. Sentou-se ali e enquanto olhava o mar, mergulhara em lembranças. Em pensamentos vira o sorriso amplo e gentil da moça, eram tão calorosos que até os olhos pareciam sorrir.
Insistentemente se perguntava como havia conseguido passar tanto tempo longe, parecia não ter vivido nesse período. Estava tão absorto que nem se deu conta de que alguém se aproximava, alguém cujo sorriso se iluminou ao vê-lo ali na praia.


               _ Oi! Disse ao moço com o mesmo sorriso de antes. E ele quase foi ao chão quando a olhou ali parada bem á sua frente. Uma ligeira vertigem o tomou por inteiro, fruto da emoção que sentia. O coração foi à boca, achou que teria de segura-lo para que não lhe saltasse garganta afora. E um mundo inteiro de lembranças reviveu em uma fração de segundos. Aproximou-se e sem dizer palavra a abraçou.

               As lágrimas chegaram tão rápidas que não pode dizer nada. Soluçou feito uma criança perdida e, entre lágrimas seus lábios se encontraram.
O gosto era doce, gosto de saudade acalentada. Sentiu que naquele momento nada mais tinha importância e que o mundo poderia até mesmo se acabar ali, enquanto estavam abraçados. Então, sob os tímidos raios da manha, o amor se fez dentro de seus olhos.


                _ Perdoa! Sussurrou. Perdoa Helena, falou enxugando as lágrimas com as mãos enquanto olhava para ela como uma criança indefesa, apenas esperando uma afirmação.

               _ Eu sabia que encontraria você aqui, todos os dias esperei por você, nunca desisti – falou ela.
               _ Mas fui muito covarde, preciso de contar tudo – insistiu com olhar de ternura.
              _ Você ficará? Perguntou-lhe com os olhos fixos nos dele ainda brilhantes com as lágrimas.
              _ Fico se você quiser – e novamente seus olhos imploravam uma afirmativa.
               _ Então vem, vamos para casa. Tenho algo para mostrar. – sorriu-lhe.
               _ O que? Perguntou aflito e ansioso.
              _ Mantenha-se calmo! Você vai gostar, confie em mim – falou ela com tom de segurança.
               _ Helena, eu preciso te contar tudo, não para justificar a minha falta de caráter por ter deixado você, mas, para que eu possa redimir a mim mesmo de tudo que fiz de errado. Ficou em silêncio por um instante, fitou a areia branca e fina sob seus pés e rapidamente toda sena estava de volta.

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          O cruzamento estava livre. De nenhum dos lados havia carros se aproximando. Avançou. Não se sabe de onde apareceu aquele carro branco em alta velocidade. Tudo acabou ali. Foi levado para o hospital onde por muito tempo oscilou entre a vida e a morte.

             O telefone tocou na casa de Patrícia. Do hospital informaram sobre o ocorrido. Saiu apressada, tomou o táxi e seguiu, enquanto seus pensamentos voltavam de um passado bem recente.
Não se conformara com a separação tão repentina. Ainda que nunca tivessem oficializado a união, estiveram juntos por um longo tempo, o que denotava uma certa segurança; talvez por isso ou pelo grande amor que sempre devotou ao marido, não aceitava como um fato concreto e acreditava firmemente que era apenas uma questão de tempo, até que ele recobrasse o juízo e voltasse para casa.


               Por várias vezes procurou Vitor e suplicou para que não a deixasse. Inútil. Ele não cedeu. Foi bastante duro ao dizer friamente que tinha acabado. Insistia alegando que não poderia viver longe dele, ele sequer pensou em reconsiderar a decisão de separar-se dela.

            
     Enquanto estiveram juntos, de um tudo ela fizera, na tentativa desesperada de prorrogar o inevitável. Era uma mulher inteligente e vinha percebendo que não duraria por muito tempo o horror que viviam e, mais dias, menos dias teriam de tomar uma atitude, chegar a uma resolução
Por meses seguidos tentara engravidar, sabia do grande desejo que ele tinha de ter um filho. Foi em vão. O tempo corria e nada de o filho chegar.


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               A recuperação foi lenta. Patrícia o cercou de atenções e mimos. Ele, em silêncio imaginava como seria dizer a ela que não poderia ficar. Que teria de partir. Tinha medo que ela interpretasse a situação, como uma reconciliação. Tinha medo que o momento chegasse e não conseguisse dizer-lhe a verdade, que estava ali apenas por não ter mais para onde ir e por precisar de alguém que o ajudasse com os movimentos mais simples.

               Sentia uma enorme vergonha em ter tais pensamentos enquanto a mulher enfiava-lhe com jeito e dedicação uma varela enrolada com algodão branco e macio por debaixo do gesso quando ele não suportava mais a coceira. Assim se passaram os meses

               Já não precisava mais de tanto cuidado. Voltou a movimentar-se pela casa, caminhava pelo jardim, sempre com uma tristeza enrustida a amofinar-lhe a mente. Passaram-se os dias, as semanas os meses. Pensava em Helena e a saudade doía em seu peito. Uma dor física que parecia não ter fim.
         
               Enquanto isso, Patrícia exibia uma satisfação fora do comum por tê-lo de volta, o seu homem estava novamente a seu lado e mesmo sabendo ser por gratidão, por piedade, ela mantinha convicção que seria apenas uma questão de tempo até que ele se desse conta de que era ela, a mulher da sua vida.

               Vitor não tinha coragem de dizer a ela que precisava partir. E por covardia, conivência com uma situação criada por ele mesmo, decidiu que ficaria, mesmo que não a amasse permaneceria a seu lado.

               Era uma boa mulher. Dedicada e atenciosa; seria uma boa mãe, caso um dia chegassem a ter o filho que tanto queria, ainda que tivessem de adotá-lo. Era bonita e atraente, o único problema era não ter aquela junção de mentes quando se amavam. Sentia-se profundamente infeliz por estar enganando a ela e a si mesmo.

               Fechava os olhos e sonhava acordado com sua Helena. O corpo esguio, o sorriso aberto, os cabelos ao vento, a pele dourada de sol e os olhos profundamente meigos. Era um conjunto esplêndido. Todas as qualidades numa única mulher. Pensava nela como uma miragem, uma imagem que esteve tão perto e deixou que ficasse no passado. Um passado que não conseguia tirar da cabeça nem por um instante sequer. Respirou fundo como se ao inspirar conseguisse sopra-la para fora de si. Afastou as lembranças caminhando até a beira da calçada, mas para onde quer que olhasse lá estava ela, linda e lhe sorrindo.

               Lembrou-se daquela manhã quando despediu-se. A noite fora maravilhosa. Completamente entregues, percorreram juntos uma viagem fantástica. Mergulharam no mais profundo de seus sentimentos, atingiram o êxtase total, a comunhão perfeita entre corpos e almas.

               Recordou os planos feitos junto dela. Retornaria á sua vida agitada de grande centro. Seria apenas pelo tempo necessário de organizar seus negócios. Acertadas algumas coisas de trabalho ainda pendentes e estaria de volta ao seu paraíso de amor, o paraíso onde a conhecera, a sua Helena a nativa de lindos olhos verdes que tanto sentimento lhe havia despertado.

               Naquela noite, Patrícia surpreendeu-o dizendo que gostaria que ele partisse. Admitiu em alto e bom tom que nunca poderiam ser felizes juntos. Afirmou estar cansada de esperar por migalhas de amor que ele não lhe tinha. Concluiu dizendo que também precisava ser amada como mulher, Não queria mais amar sozinha – falou tudo de uma vez apenas com leves pausas para não perder a coragem, sabia que qualquer hesitação por sua parte seria fatal.

               Disse tudo que havia planejado. Prendeu as lágrimas e foi direta quando disse a ele que todos seus pertences já estavam arrumados. Que se fosse de uma vez. Fechasse a porta e não olhasse para trás.

               Sem dizer palavra, Vitor olhou em direção á porta de saída e constatou que lá havia algumas malas, nem teve tempo de pensar, ela já tinha decidido pelos dois. Aproximou-se um pouco, beijou a face dela e agradeceu. Desceu as escadas que alcançavam o jardim. Sentiu a liberdade vindo ao encontro a seu rosto, feito a brisa da praia debaixo do luar. Era uma página que virava. Rapidamente tomou as folhas em branco de sua vida e colocou-se a escrever mais um capítulo.

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               Helena ouviu tudo em silêncio, sem palavra dizer. Vez ou outra tomava um suspiro para se recompor. Deixava que seu olhar se estendesse na direção do mar, como se ali houvesse um ponto que a extasiava. As ondas bramiam. Ouviu Vitor repetir várias vezes que entenderia se ela o mandasse de volta.

               _ Vem. Disse ela, estendendo a mão para o rapaz. Preciso te mostrar alguém.

               Ele teve um sobressalto, com notável frustração, com olhos assustados logo depois de uma pausa disse-lhe que entenderia se ela tivesse encontrado outro alguém. Seu olhar não escondia a decepção, ainda que seus lábios afirmassem outra coisa.

               _ Você está certo – respondeu ela. Eu tenho mesmo alguém. Alguém a quem amo muito.

               _ Então acho melhor eu voltar daqui mesmo - Falou ele com tristeza na voz – seu olhar se perdia entre o azul do mar. Peço desculpas, não pretendia causar-lhe problemas – disse com aparente frustração na voz.

               _ Vem Vitor, deixa de besteiras, confie em mim – assentiu sorrindo para ele.

               _ Se você diz, eu acredito. Só não quero ser problema, não mais do que já fui – concluiu ele com expressividade séria.

               Ele demonstrava sinceridade. Uma sinceridade meio triste. Meio constrangida de alguém que sempre fora orgulhoso e que estava ali se justificando. Caminhavam devagar. Pressa do futuro, já não tinham. De mãos dadas rumavam para algum lugar. Observavam e conversavam sobre as casas dos pescadores e seu trabalho árduo de madrugarem e lançarem mão das redes na busca do seu peixe de cada dia.

               Quando chegaram enfrente a casa dela, ele diminuiu o passo. O pequeno portão entreaberto, a casa simples, tudo era igual a antes. A mãe de Helena observava quieta do interior, aproximou-se, estendeu a mão em cumprimento e o convidou a entrar.

               - Esteja à vontade - falou indicando um lugar numa poltrona meio gasta.
Dona Ema, mãe de Helena era gentil, alegre e hospitaleira. A casa cheia de claridade, era simples e aconchegante. Nas paredes exibia algumas peças de artesanato local, tudo modesto e muito bom gosto.


               Ele estava visivelmente nervoso. Sentou-se e com os dedos batucava na lateral da poltrona, produto de sua tensão e ansiedade. Perguntou a si mesmo o que estaria acontecendo para que as duas lhe pedissem licença e se retirassem. Não demorou muito tempo para que a cortina confeccionada de minúsculas conchinhas se erguesse. Helena entrava na sala e não estava sozinha.

               Sobressaltou-se. Levantou-se ligeiramente. Os olhos brilharam. Queria morrer ao imaginar. Não poderia ser, afirmou para si mesmo. Era cruel demais imaginar. Mas será? Permaneceu ali parado. Estático, com os olhos fixos neles.

               _ Diz oi para o papai Nenê – falou Helena aproximando-se e sorrindo com o pequeno bebê nos braços.

               A expressão de Vitor era de espanto. Ele estava pasmado, impossibilitado de se mover. Seus olhos fitos na criança pareciam ter se perdido no tempo. Ali bem à sua frente estava ele, o pequeno filho que até então ele nem sabia da existência. Uma criança adorável, com olhos amendoados, cor de mar iguais aos da mãe. Os cabelinhos eram tão fininhos e tão clarinhos quanto os dela.

               Não pode ser – pensou – Não posso ter feito isso com a mulher que mais amei nessa vida. E porque ela me deixou partir sem saber de nada-se perguntava.

               _ Helena por que você não me falou? Quando você soube que o teríamos? Perguntou se atropelando nas palavras sem dar tempo para que ela respondesse a nenhuma das perguntas.

               A moça, com olhar de ternura e sem palavra dizer apenas aproximou-se mais e entregou-lhe o filho nos braços. Ele, extasiado de emoção abraçou o pequeno menino e por mais uma vez chorou, desta vez era de alegria, chorou de felicidade, um sentimento estranho que não conhecia até então.

               Dona Ema emocionada acompanhava a cena. Sabia que Helena nunca havia perdido a esperança de que ele voltaria, mesmo quando todos os fatos iam contra essa expectativa.

               _ Vitor, precisamos de você. Falou acariciando os cabelos do bebê que estava quietinho nos braços do pai.

               Nesse momento Vitor sentiu nela tanto amor que teve toda certeza do mundo: era ali o seu lugar, ao lado da mulher que tanta amava e do pequenino filho que instantaneamente aprendeu a querer. Se ela o aceitasse ficaria para sempre.

               _Você quer que eu fique? Pode me perdoar por ter sido tão covarde e ter demorado tanto para voltar? Falou quase em tom de súplica.

               _Claro meu amor (disse ela acariciando os cabelos do filho). Nunca deixei de acreditar que você voltaria para nós. Sabia que era apenas uma questão de dias. Meu bem mais precioso veio de você – confessou, em tom carinhoso e dirigindo seus olhos para o bebê. Nunca desisti de ser feliz e te esperar, foi com você que aprendi que depois do mar sempre há um horizonte.

          Ele fitou os olhos nos olhos dela, sentiu uma estranheza, uma paz que desconhecia.

               A casa estava aquecida pelo sol. Seus corações ganharam serenidade e o mar continuou sua percussão.






 
AndreaCristina Lopes
Enviado por AndreaCristina Lopes em 15/03/2010
Reeditado em 02/04/2012
Código do texto: T2140594
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