"An Other Wonderland"

No salão gigantesco e iluminado, haviam apenas pessoas velhas. Todos falavam, riam e olhavam seus acompanhantes de um jeito esnobe e obviamente fingiam toda simpatia.

- Nunca vi nada de tão mau gosto! Exclamou um velho. Vou-me embora daqui.

Observei o velho de terno preto e sapato brilhante ir embora. Sua esposa, presumo, levantou o vestido longo e foi logo em seguida. Alguns olharam feio, outros seguiram o exemplo dando de ombros.

Do lado de fora do salão, pude ver que, diferentemente do lado de dentro, estava agradável. Não tinha ninguém. A grama devia ser sintética, pois a verdadeira tem um cheiro que eu, particularmente, não gosto. Essa não cheirava, nem bem e nem mal. Fui sentar-me no banco de madeira, que na realidade só parecia de madeira, mas era de resina. Enquanto eu relaxava longe do desagradável salão, observava uma estrela. A única visível. Mas três segundos depois a estrela já não estava mais no mesmo lugar. Isso porque não era uma estrela, e sim um avião. Eu sentia meus olhos se fechando lentamente, e minha cabeça caindo para o lado sem que eu quisesse. Deitei-me no banco de resina e apaguei.

Demorei até lembrar-me de onde estava. Fiquei absolutamente apavorada quando olhei o salão, que agora já não estava mais cheio de gente, nem iluminado. Tinha portas e janelas fechadas, não era possível ver dentro. E tenho quase certeza de que se eu tivesse um relógio, ele marcaria meia-noite ou mais. Só o que permitia que eu enxergasse o local eram os postes de luz do jardim. Agora eu podia sentir o cheiro da grama, e o céu estava totalmente estrelado. Devia estar tão grogue depois do cochilo que nem percebi que o jardim na realidade não estava vazio. Longe de onde eu estava, bem à uns dez metros, era possível ver um grupo de amigos. Pareciam ser novos, e não velhos, como a maioria de antes. Levantei-me e dei uma conferida na minha roupa. O vestido preto parecia em perfeito estado, exatamente como antes. Quando virei novamente em direção ao grupo de amigos, já não estavam mais lá. Mas tinha mais alguma coisa. Uma música, de certo eletrônica, considerando as batidas. Segui a música que, de repente, mudou para clássica. Ia ficando mais alta a cada passo que eu dava. Reconheci a música, era Turkish March, de Mozart. A música agora parecia ser ao vivo. Eu continuava andando pelas árvores, e agora podia ver de onde vinha a tão bela música.

Atrás de um arco alto e florido, um homem tocava concentradamente um piano tão grandioso quanto o arco que eu vira anteriormente. Agora tocava Cannon, de Pachelbel. À sua frente estavam mais ou menos vinte cadeiras, todas vazias. Achei que seria de bom grado sentar-me e assistí-lo.

Quando a melodia terminou, bem quando me levantei para aplaudi-lo, o homem, parecendo não ter notado minha presença, começou logo a tocar mais uma. Nona sinfonia de Beethoven. Eu, sem entender, aproximei-me. Ele parecia não estar vendo nada em volta. Afastei-me devagar, andando de costas, ainda observando-o. Só me toquei quando de repente caí sentada numa das vinte cadeiras vazias. O barulho que o metal da cadeira fez quando me levantei novamente pareceu não incomodar o estranho do piano. Dei meia volta e saí dali. Percorri o caminho de cimento alaranjado que podia me levar até a saída. Engraçado, eu não conhecia esse lugar, era imensamente grande.

Depois de alguns minutos andando pelo caminho, pude ver um casal sentado em um daqueles bancos de resina. Não queria incomodá-los, mas precisava de alguma informação. Parei e olhei-os, esperando que alguém viesse até mim e perguntasse algo do tipo "Está perdida?" ou "Quer uma carona para casa?". Não foi bem isso que aconteceu. Como se eu não estivesse lá, a garota que estava no banco junto ao garoto apontou para mim. Os dois se olharam e então o garoto, alto e magro, com os olhos tão negros como a noite e a pele tão branca como a neve, se aproximou de mim bem rápido. Ele praticamente correu até mim, e então disse:

- Ei, aquela bicicleta é sua? - Dito isso, ele apontou para uma bicicleta. O mais estranho de tudo é que eu não a tinha visto antes. Era como se tivesse acabado de surgir, do nada. Antes de eu responder qualquer coisa, a garota já estava de pé ao meu lado. Sussurrou algo no ouvido do garoto, e logo em seguida ele completou. - Seu nome está gravado no guidão.

Eu, sem nem pensar, agradeci e corri até a bicicleta. De fato meu nome estava gravado no guidão. Só o que eu não sabia era como sabiam meu nome. Bem quando isso me ocorreu, parei a bicicleta, que a essas horas ainda não estava tão longe do local de partida; queria perguntar como sabiam meu nome. Eu via o banco de resina, mas não via os jovens. Enfim, meu objetivo agora era sair desse lugar, e ir para casa.

Um bom tempo se passou, e eu não parei um segundo sequer de pedalar rapidamente pelo caminho de cimento alaranjado que aparentava não ter fim. Bobagem, é claro que teria um fim. A noite ainda estava exatamente como antes, estrelada, agradável, principalmente bonita. Em volta do caminho de cimento, só se via grama e árvores. Verde, verde, verde. Escuro, tudo escuro, eu não sabia de onde vinha a luz que iluminava o caminho. Da lua é que não era. A impressão que dava era de que tinha um estádio enorme de futebol extremamente iluminado em algum lugar próximo. Já imaginando muitas coisas a respeito desse lugar que a cada segundo se tornava mais medonho, vi alguma coisa de diferente, para variar. Pedalei mais rápido, esperando encontrar algo de útil. Para meu desânimo, o que eu vira era um caminhão, tombado. O que um caminhão fazia naquele lugar? O que parecia era que eu estava pedalando numa estrada! Mas não era só um caminhão tombado. Com a queda, o caminhão, que obviamente transportaria uma boa quantidade de maçãs para algum lugar, teve toda a carga despejada no chão alaranjado. E quantas maçãs! O que me surpreendeu foram as pessoas que ali estavam, abaixadas, enfiando o maior número possível de maçãs em sacolas, bolsas, e até em caixas. Parei a bicicleta imediatamente, eu precisava saber de onde toda essa gente vinha. Por que quando eu precisava de ajuda, ninguém aparecia?

Achei que não faria mal nenhum pegar uma ou duas maçãs e guardar para mais tarde, no caso de eu não achar a saída logo. Pensei errado. Quando desci da bicicleta e me abaixei para pegar uma maçã, uma mulher magrela, que usava uma calça que não cobria suas canelas, e calçava uma sapatilha preta aparentemente velha e esbranquiçada, gritou algo que eu não entendi. Sei que foi para mim, pois ela apontava seu dedo comprido e me olhava como se estivesse com medo. Nisso, metade daquelas pessoas que até um segundo atrás estavam mais interessadas em furtar maçãs, agora, me olhavam como a mulher magra. Alguns pareciam horrorizados, eu mais ainda, por vivenciar aquela situação. O certo era correr? Eles certamente não entendiam minha língua.

Montei na bicicleta mais do que depressa, deixando cair as maçãs que eu havia pegado, mas não me importando. Pedalei tão rápido que por um momento achei que perderia o controle, então reduzi a velocidade. Já estava longe o suficiente da multidão.

Eu não havia nem notado que já não tinham mais árvores nas laterais da estrada. Não podia ver nada além da estrada aparentemente longa. Aliás, não podia ver nada. Estava pedalando às cegas, somente com a luz fraca que parecia ser da lua. Ainda assim, achei que era melhor não parar. Já estava me sentindo sufocada e desesperada no meio daquele lugar ridículo. Quem será que vivia ali? Só podiam ser idiotas, com certeza. Quem vive num lugar assim? A resposta era óbvia. Ninguém. Ninguém vivia ali, e eu estava perdida.

Enquanto eu pensava em algum modo de pedir ajuda, vi uma luz se aproximando de mim. Foi por reflexo que virei o guidão da bicicleta com tudo para o lado, e então vi que era um carro com o farol aceso. Fiz sinal e o carro não parou. Mas, com a luz, pude ver a placa que estava bem ao meu lado. Com certeza se esse carro não houvesse passado, eu não veria a placa que dizia: Retorno. Quase pulei de alegria, mas só tive tempo de ajeitar a bicicleta e seguir direta e rapidamente para o retorno. Continuava escuro. Pensei: talvez aquele carro tivesse mesmo a intenção de me ajudar a achar o caminho de volta. Ó, que maravilha. Voltar para casa. Não via a hora! Será que sentiram minha falta nesse tempo em que estive fora?

Foi revoltante e desanimador ver que o retorno tinha me levado até uma outra cidade, e eu provavelmente havia passado despercebidamente pela placa que dizia o nome dela, se é que tinha uma placa. Realmente torci para encontrar um telefone público ou um centro comercial aberto. Devia ser muito tarde, pois todas as portas estavam fechadas. Bem à uns dez metros de onde eu estava, vi uma praça, pelo que parecia. Desci da bicicleta e levei-a comigo até um banco de cimento da praçinha. Parecia um lugar bom para ficar, pelo menos de dia, pois à noite era, bem, meio intimidador. Encostei a bicicleta num murinho e sentei-me no banco ao lado. O lugar parecia limpo, até demais, para ser público. Só um poste de luz estava funcionando, o outro devia estar quebrado.

Tive a leve impressão de ter visto alguém, de relance, passando por lá. Só ignorei, e continuei observando o local. De repente vi um carro vermelho passando com tudo pela pista. E desta vez eu vi mesmo. Logo atrás dele, veio um outro, prateado. Pareciam carros caros. Tinham os pneus grandes e eram bem altos. Só por curiosidade, montei novamente na tão útil bicicleta e segui-os. Eram rápidos demais para eu poder acompanhar, mas não era impossível. Pedalei um bocado até chegar ao destino, quero dizer, não ao meu destino, mas ao destino dos motoristas dos carros. Parei a uma certa distância deles, para não ficar tão óbvio que eu os estava seguindo. Do carro vermelho desceu um homem. Era um pouco calvo e usava um terno. Só depois, quando o velho andou até a porta de trás e a abriu, reparei que era um taxista. Do banco de trás saiu uma moça muito bonita e jovem. Calçava um sapato altíssimo, e estava toda de preto. Devia ter uns 30 anos ou menos. Do carro prateado saíram dois homens, mais ou menos da idade da moça. Os dois eram muito brancos e tinham o cabelo escuro. A moça que saíra do táxi vermelho saltitou – essa é a palavra certa – até os dois belos moços que pareciam esperá-la ansiosamente, e cumprimentou-os com beijos nos rostos. Os três foram, conversando alegremente sobre alguma coisa sobre a qual eu não pude deduzir o que era, até a porta de uma casa. Fui atrás, devagar e disfarçadamente, como quem não quer nada, e então a moça bateu três vezes na porta. Levou dez segundos até um homem enorme, usando um terno preto e óculos escuros, abrir a porta. Este estendeu a mão para um dos caras e agarrou alguma coisa. Estava difícil de ver lá dentro, mas presumi que fosse dinheiro. Os três finalmente entraram rapidamente e a porta se fechou.

Nem devo ter pensado até resolver fazer o que fiz. Fui até a porta e bati três vezes. Desta vez, demorou mais. Contei até dez umas cinco vezes, e nada. Então, quando fui novamente para bater com mais força, a porta se abriu. Era o mesmo homem. Fiquei indignada quando o negro com quase dois metros levantou os óculos escuros e disse:

- Estávamos esperando você!

Eu o encarei, mas, contra minha vontade, fui empurrada para dentro do local por alguém que veio por trás. Não me preocupei em virar para ver quem tinha me empurrado, pois o local onde eu tinha acabado de entrar havia me prendido completamente a atenção. Era uma balada, mas não uma balada qualquer. Era fascinante. As luzes violetas e azuis piscavam freneticamente, pessoas dançavam ao som de uma música eletrônica familiar. Mas de repente tudo pareceu mudar. Minha visão ficara embaçada, e parecia que todos aqueles que dançavam eram conhecidos. Não a muito tempo. Pareciam somente aqueles que gritaram quando eu tentara pegar as maçãs, e também estava lá o casal que havia me entregado a bicicleta. Tentei me movimentar, mas não conseguia. Eu ia desmaiar, com certeza. Já me disseram que essa é a sensação. Ah, talvez no hospital eles me dêm comida, e liguem para minha casa. Ah... É isso. No hospital vão me tratar bem. Bem...

A batida da música continuava. Estava tudo escuro, mas a batida continuava. A primeira coisa que vi quando abri os olhos foi alguém puxando meu braço. Olhei em volta e vi a grama, o banco, o céu sem estrelas, mas ainda não tinha visto quem puxara meu braço. Quando me virei para olhar, não era nada. Uma sensação péssima. Devia ser coisa da minha cabeça. Levantei, passei pelos convidados da festa entediante, saí sem me importar, entrei num táxi e fui para casa.