Doce Engano
Jurou que seria, aquela, a última vez. Por isso passou por todos os departamentos da memória, por todos os recantos do desejo, por todas as seções dos sonhos.
Deitada estava e, estando, abriu as cortinas do fantasioso e passou à investigação, que era o primeiro passo para a construção da última cena. Os olhos no teto ansiavam pelo momento oportuno para vicejar as imagens que sairiam do não-sei-de-onde-de-dentro-de-si para o não-sei-bem-por-que-de-todo- dia.
Principiou pelos cabelos. Desta vez, longos e louros para que ela os ajeitasse, propositadamente, com as pontas dos dedos finos e bem cuidadas unhas. Mãos delicadas e vivamente altivas. Bem-educadas e naturalmente donas dos próprios gestos, aprendidos ao longo de uma vida inteira, por força do hábito.
Quase pode vê-las ali, em sua incondicional verdade, tanto o esmero da inventiva. Não fosse aquela cicatriz, aquele pequeno corte feito por afiada faca, tempos atrás ao descascar batatas... Aquelas mãos pertenceriam a ela de fato e direito. Nelas podia adivinhar a delicadeza dos cristais experimentados e neles, o vinho tinto seco a lhe tocar o céu-da-boca. Vinho, não. Champanha. Também não. Champanhe.
Não tão magra, mas de uma elegância frugal, apontada com clareza pelo corte um pouco mais ousado em fio sintético preto, um colar de pérolas a la Hepburn, quem sabe, e salto social. Pelo preto, talvez fosse melhor escurecer um pouco os cabelos. Um pouco mais acastanhados, sim, mas reluzentes.
Depois todos aqueles detalhes fundamentais: dentes infinitamente brancos e bem postados, exibidos entre lábios bem pintados, fincados no rosto levemente maquiado.
Prestara muita atenção ao programa da TV naquela semana. Nunca vira a tal da Hepburn, mas sabia que era uma estrela de cinema. Esse nome tinha um quê de mistério, por isso o escolhera.
Depois, mais o quê? Ah, os olhos... Azuis seriam muito fortes. Amendoados em um tom castanho amarelado...
Então estava lá, pregada em sua melhor personagem. Não era a última? Então teria que ser a melhor. E pregada ficou até ouvir o barulho de chaves na porta.
Era ele, mas a pressa era desnecessária. Pressa mesmo só para escolher como aquele marido singelo atravessaria a porta do quarto ao chegar do trabalho e quem, desta vez, seria ele. Melhor aguardar a surpresa e de última hora deixar escapar, com ares de dengo e espanto:
_ Janequine! Você por aqui, amor?
Jurou que seria, aquela, a última vez. Por isso passou por todos os departamentos da memória, por todos os recantos do desejo, por todas as seções dos sonhos.
Deitada estava e, estando, abriu as cortinas do fantasioso e passou à investigação, que era o primeiro passo para a construção da última cena. Os olhos no teto ansiavam pelo momento oportuno para vicejar as imagens que sairiam do não-sei-de-onde-de-dentro-de-si para o não-sei-bem-por-que-de-todo- dia.
Principiou pelos cabelos. Desta vez, longos e louros para que ela os ajeitasse, propositadamente, com as pontas dos dedos finos e bem cuidadas unhas. Mãos delicadas e vivamente altivas. Bem-educadas e naturalmente donas dos próprios gestos, aprendidos ao longo de uma vida inteira, por força do hábito.
Quase pode vê-las ali, em sua incondicional verdade, tanto o esmero da inventiva. Não fosse aquela cicatriz, aquele pequeno corte feito por afiada faca, tempos atrás ao descascar batatas... Aquelas mãos pertenceriam a ela de fato e direito. Nelas podia adivinhar a delicadeza dos cristais experimentados e neles, o vinho tinto seco a lhe tocar o céu-da-boca. Vinho, não. Champanha. Também não. Champanhe.
Não tão magra, mas de uma elegância frugal, apontada com clareza pelo corte um pouco mais ousado em fio sintético preto, um colar de pérolas a la Hepburn, quem sabe, e salto social. Pelo preto, talvez fosse melhor escurecer um pouco os cabelos. Um pouco mais acastanhados, sim, mas reluzentes.
Depois todos aqueles detalhes fundamentais: dentes infinitamente brancos e bem postados, exibidos entre lábios bem pintados, fincados no rosto levemente maquiado.
Prestara muita atenção ao programa da TV naquela semana. Nunca vira a tal da Hepburn, mas sabia que era uma estrela de cinema. Esse nome tinha um quê de mistério, por isso o escolhera.
Depois, mais o quê? Ah, os olhos... Azuis seriam muito fortes. Amendoados em um tom castanho amarelado...
Então estava lá, pregada em sua melhor personagem. Não era a última? Então teria que ser a melhor. E pregada ficou até ouvir o barulho de chaves na porta.
Era ele, mas a pressa era desnecessária. Pressa mesmo só para escolher como aquele marido singelo atravessaria a porta do quarto ao chegar do trabalho e quem, desta vez, seria ele. Melhor aguardar a surpresa e de última hora deixar escapar, com ares de dengo e espanto:
_ Janequine! Você por aqui, amor?