Cinzas da vaidade

O marido mal tinha fechado os olhos e Ivone já estava com aquele batom vermelho cor sangue, com um vestido preto enterro e uma euforia delirante.

Ivone, apressadamente jogou todos aqueles livros no meio do quintal e foi correndo pegar o galão de gasolina nos fundos da casa. Na volta, Silas o poodle do casal, segurou o vestido de Ivone pela boca, fazendo isso como se tivesse tentando impedir uma desgraça. Persistentemente, Ivone, balançando seu corpo para todos os lados se libertou do cachorro.

Ao chegar no quintal, em um tom de fúria gritou:

- Olha o que eu vou fazer com o seu mais valiosíssimo tesouro!

A alma da leitura

Ivone, sem exitar ficou próxima daquele amontoado de livros e começou a esparramar gasolina até esvaziar por inteiro o galão. Em seguida acendeu um palito de fósforo e seus vendo aquela pequena chama que surgiu, começaram a brilhar intensamente. Sem exitar por um momento sequer, ateou fogo nos livros. As chamas que começaram tímidas acabaram virando uma enorme fogueira de São João. Ela em seguida, começou a bater palmas e a dar pulinhos de alegria.

O fogaréu começou a consumir rapidamente todos aqueles volumes. Entre eles estavam coleções inteiras de Machado de Assis, Fernando Pessoa, Tostói, Dostoiévski e muitos outros. Alguns escritos que ali estavam, pertenciam ao próprio falecido. Esse que dedicava a maior parte de sua aposentadoria compondo músicas, escrevendo centenas de contos, crônicas e poesias.

Ivone gargalhava violentamente e seus olhos ardiam em brasa. Com o olhar fixo na chamas ela em um tom agressivo começou a falar:

- Você me traiu descaradamente com os seus livros! Mas agora, eis a vingança! Seu verme! Ninguém no mundo lembrará que você existiu. Ninguém! Eu poderia ter vendido cada um deles, mas só de raiva eu prefiro ver tudo destruído. Ainda mais, que algum idiota pode acabar lendo sua obra e levar tudo que você escreve a sério. Mais pense pelo lado positivo querido esposo, pelo menos eu não vou ter que ficar tirando aquele tanto de poeira da estante.

Subitamente, lágrimas começaram a cair na face de Ivone.

- Tudo seria diferente se você me desse atenção! Tudinho!

Ivone não se conteve caindo no chão e aos prantos começou a chorar.

- Quanto que eu dediquei da minha vida para te agradar e nada tive em troca. Será que consigo achar essa resposta em alguma dessas obras? Para quem eu devo perguntar para o Platão ou para Nietzsche? Você me acha exagerada? Ah, ah, ah! Exagero é esse tanto de livros chatos.

Ivone pegou uma pequena urna ornamentada e abrindo a mesma, jogou os resto mortais do seu marido na mórbida paisagem.

Uma brisa leve, quase imperceptível surgiu e as cinzas no ar em movimentos extremamente lentos e concisos começaram a dançar. Ivone fascinada, observava que todas elas formavam uma só composição. A vida e a morte se misturaram com todas as obras que, em um só pensamento, extinguiu-se rumo à eternidade.