Lacrimosa
Ele se arrastava pela calçada, encoberto pela noite negra como breu. Esperava, inutilmente, que a quantia excruciante de bebida que ingerira fosse fazê-lo sentir-se melhor.
Andava trôpego, mal conseguindo equilibrar-se direito, e de certa forma, isso era bom, porque assim podia esquecer.
Por fim, não conseguindo mais seguir em frente, despencou na sarjeta. Pôs-se a rir como um demente, até não aguentar mais. E então, olhou para a escuridão a sua frente e viu que havia alguém ali.
Lentamente, uma música suave tocou seus ouvidos numa voz tão bonita e triste quanto o tocar de uma rabeca.
Por um momento, sentiu-se ainda mais tonto e sonolento. Em seguida, despertou bem. Da névoa noturna de negror e frio, saia um vulto que ele conhecia.
Os cachos de cabelo ruivo caiam por suas costas, molhados. Sua pele conservava um tom mais pálido do que ele se lembrava. E o vestido azul céu estava levemente rasgado, e também muito molhado. Viviane.
Ele engoliu um seco, sentindo que os olhos cor de mel dela o fitavam. Sabia o que ela tinha vindo fazer.
Lentamente, os pés descalços foram avançando pelas pedras da rua, enquanto ela deixava um rastro de pingos atrás de si.
Ao chegar perto dele, estendeu a mão, pequena e branca. Não tinha qualquer expressão no rosto, mas ele entendia e ela não precisou falar.
Segurou a mão dela e levantou-se. Sentiu um calafrio. A pele dela era dura como um cubo de gelo.
Ela foi caminhando pela calçada, segurando a mão dele. Davam um par esquisito, a moça molhada e o garoto ébrio.
Pararam algumas quadras mais tarde, em frente ao Tamisa.
Viviane fitou seu companheiro, parando à margem.
Novamente, palavras foram desnecessárias. Ele sabia o que devia fazer.
Fitou-a pela última vez.
-Se eu fizer isso, você vai me perdoar?
Ela assentiu com a cabeça, lentamente.
O rapaz suspirou. Será que teria então o paraíso? Fora perdoado pelo maior de seus pecados... Mas estaria pronto para deixar aquele mundo tão confortável em que nunca era punido, para partir ao desconhecido? No fundo, sempre soubera que pagaria com a própria vida por ter matado a esposa, ter-lhe dado o golpe. Mas aproveitara tanto a vida... A riqueza dela, que ficara para trás era imensa. Montes de dinheiro de uma família influente.
Agora estava se despedindo daquilo. Sabia que era hora de pagar, porque ela estava ali, ao seu lado, como um carrasco psicológico a lhe aplicar a pena.
Talvez, pudesse ter sido feliz se a tivesse deixado viva... Mas aquela não era a hora de pensar nisso. Ele abriu os braços e inclinou-se para frente, sentindo o vento frio batendo em seu rosto. Um salto gracioso para acabar com aquilo. Não seria como Viviane, que ele enfiara na água e precisara segurar com força Ele não lutaria, não tentaria debater-se até a morte. Apenas, voaria para o seio do rio.
Respirou fundo pela última vez e se jogou.