O HOMEM QUE GOSTAVA DO MAR
Passou pela vida a trabalho. Dezesseis horas diárias de luta árdua. Era persistente, perspicaz, perseverante e tanto perseverou que conseguiu.
Não tinha tempo para amigos, nem mesmo mulher e filho dispunham por longo período de sua companhia. Tempo é dinheiro, dizia.
Preocupava-se com o trânsito, o escritório, relatório, táticas e técnicas para aumentar a vendas na próxima semana. “Caçava” meios de fazer seu lucro aumentar. Quando a cotação do dólar caia, despencava também seu ânimo, seu entusiasmo. Cotação alta, mais “dindim” no bolso. Só alegria. E para comemorar fazia sexo morno que nem ao corpo satisfazia, quem dirá à alma que já não se aprazia com nada.
Tantas o amaram, tantas por ele choraram. Era carismático, seguro e sabia muito bem o que queria e principalmente o que não queria.
Gostou a vida sem emoções, longe das paixões, manteve-se fiel à sua vontade, à sua vaidade de homem bonito que nem sei para que serviria.
Não percebeu os primeiros fios brancos surgiam nos cabelos da esposa que cordata consumiu a vida ao lado de seu homem sem contestar, sem nada reclamar. Gastaram suas vidas, esqueceram-se de amar.
Não viu a infância do filho. Não lhe ajudou nas tarefas de matemática, nem acalentou a dor dos tombos de bicicleta. Futebol juntos, não tiveram, assim como não tiveram os games de que tanto gostam as crianças.
Culpa, não sabia o era. Só pensava em trabalhar para sua família e um dia teria posses para ter um sobrado na praia e então poderem descansar e realizar todos os seus sonhos: caminhar sem pressa, pescar, descansar na rede da varanda, tomar sol. Há quanto tempo não tinha tempo para um sol ou para observar a chuva caindo devagarinho, embalando o sono. Não tinha tempo nem pra rezar. Igreja há muito que já não freqüentava, não que não gostasse, gostava, mas tinha que trabalhar.
O tempo passou, a idade chegou, sua riqueza aumentou veio a sonhada aposentadoria e finalmente poderia comprar a casa, a da praia, que pela vida inteira, passou a esperar.
A mulher depois de madura tomou coragem, pintou os cabelos, começou trabalho novo numa escolinha infantil que fora inaugurada recentemente, ali mesmo no bairro.
O filho também não lhe quis acompanhar. Estudos, amigos, namorada: não quis se ausentar. O tempo havia passado e o transformado num homem, pronto para começar. Tinha agora seus próprios sonhos.
Já com idade bastante avançada, o homem que sonhava com o mar decidiu que mesmo sozinho, iria se mudar. Pretendia até o fim da sua vida, permanecer na praia, seu recanto particular. Eram tantos projetos que não havia nenhum tempo a perder.
Solitário olhava com uma certa tristeza, na areia as crianças de outros a brincar. Passou então a desejar que voltasse o tempo, mas ele, rebelde, não lhe deu ouvidos.
Nesse encontro com a vida bem que tentou contra o tempo lutar, mas, eis que nem seu coração lhe quis acompanhar, parou de bater, não quis mais correr, preferiu descansar.
Somente o corpo pálido, pode enfim repousar. Ali, frio, debaixo das estrelas, na maresia, ouvindo o barulho do mar.