O PREGADOR

O pregador possuía uma filha e uma esposa. Lindas como catedrais no deserto. Tinha uma força, que vinha de uma profundidade que ele jamais ousou descobrir. Havia uma luz de felicidade jorrando eternamente dos seus olhos. De sua boca emanavam palavras como lavras de um vulcão que nunca adormece.

Havia conhecimento e unção nos seus passos. O pregador aprendera também a caminhar dentro das pessoas. Estava todas as noites com suas botas pisando o assoalho de um corredor, feito especialmente para ele no coração e na mente dos fiéis. As palavras do pregador possuíam a faculdade de mudar a direção do destino. Na sua voz havia um trovão, que controlava de distantes painéis a matemática da chuva. O pregador mantinha com Deus audiências diárias. O pregador sempre marcava o horário de início, duração e término das audiências. Diminuía-se, mas numa absurda cena, parecia aumentar de tamanho a cada dia. Seus ombros começavam a romper as leis do paletó. Suas mãos ensaiavam alguma nova maneira de romper o tédio e a inércia. Nos olhos do pregador uma chama diluía e o tornava cada vez mais forte. Uma muralha poderia cair em obediência ao seu simples suspiro.

Não escolhia as palavras. Em nada se sentia possuidor. Era o possuído. Um dia o pregador se descobriu o escolhido. Houve desde então uma insatisfação grandiosa em ser tudo que era. Sentia romper dentro de si a medula da vaidade. O verme da ambição já havia devorado parte de suas gravatas. Havia outras no guarda-roupa. Mas os vermes já ameaçavam destruir o guarda-roupa.

O pregador não conseguia perceber nada. Seus olhos começavam a ser roídos. Sua mente não conseguia deduzir a destruição. Havia nela, multidões de dentes trabalhando ininterruptamente. Seu coração já hospedava invasores. As paredes de todo o seu corpo já estavam em poder deles. E timidamente, sua alma começava a se sentir alimento.

As palavras do pregador, essas continuavam a romper as leis do silêncio, livres das dentaduras dos vermes. Elas derrubavam edifícios e edificavam cabanas. Os vermes, porém, já pensavam numa forma de devorar suas palavras. Tramaram sucessivas reuniões. Em pouco tempo, a língua do pregador já estava metade roída. As palavras seriam questão de tempo. A fome dos vermes era insaciável.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 23/02/2010
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