RELEITURA - A GANSA DOS OVOS DE OURO - Lia Lúcia de Sá Leitão - 20 de fevereiro 2010

Outro dia eu li a lenda de Esopo, A Gansa dos Ovos de Ouro, qual a criança em nosso meio que conhece essas fabulosas historinhas de cunho moral? Pensando bem nem os pais sabem de tal existência. Algo mexeu na minha alma, como fazer uma releitura dessa historinha? Elaborei um esquema para uma dessas críticas que depois se vende como palestra. Depois pensei em algo que alertasse nas escolas tal e tal procedimento. Gente! Essas lendas são bem mais ferozes que qualquer filme que espalha o pânico, são curtas, objetivas e pimba! Faça e leve a rebordosa, a vida é tal e qual. Pois bem, resolvi, reescrever o conto A Gansa dos Ovos de Ouro, lembrando dos gansos que faziam as vezes dos brabos pittibulls das vizinhança.

Quem segue uma leitura na minha trajetória de escritora no Recanto da Letras sabe que sou de Olinda, primeira Cidade Patrimônio da Humanidade no Brasil, título obtido pelo esforço do então prefeito Coelho claro que não tinha nenhum grau de parentesco entre o Germano e o Duarte Coelho Pereira primeiro Donatário da Capitania de Pernambuco. O prefeito Professor de Direito amigo de Fidel Castro e Paulo Freire, o segundo foi usufruir o que era seu por direito de tantos atos heróicos que fez pela Coroa Portuguesa, na verdade um soldo atrasado, dívidas entre Rei e Vassalo qualificado. Perdoem-me essa nota (rei x vassalo qualificado ) os grandes Professores de História, Galeano, Marieta Borges, Ronaldo Vainfas e tantos outros que não me deixam cansar nem desprezar as leituras, mas são os meus olhos que olham assim os Donatários. Bom, mas não estou discutindo História estou tentando fazer uma releitura do conto de Esopo a Gansa dos Ovos de Ouro, qual a finalidade de tocar em Olinda minha cidade quando eu estava falando nos gansos da casa de meu pai, fiéis protetores dos bens familiares?

Hum, Lembrei!

Pois bem, Olinda é uma cidade de tradição, quatrocentos e lá vai anos de tradição, toda esquina tem um artista, com mais três quadras um cantor popular de renome, baresinhos e restaurantes entupidinhos de intelectuais de vero vero e os folclóricos de rodapé de livros chatos, mas o importante que todos se entendem, o bom mesmo é o carnaval, hum ai se juntam todas as tribos, gringos modo carinhosos como chamamos os turistas, nativos, bandidos, policias, médicos, professores, palhaços, ricos e pobre, ops! Ia esquecendo os dos políticos.

Todos presumem que uma cidade como Olinda também possui seus desconfortos sociais, suas impertinências e seus desequilíbrios sociais, seus loucos de plantão e uma polícia que não tem efetivo que barre o batalhão de bandidos pé de chinelo que metem medo em toda população.

Assim sendo, resolvemos não aceitar os pittibulls que os vizinhos encomendaram a um canil respeitado, fizemos a nossa defesa patrimonial com gansos, cada ave linda! Uns todo branquinhos, outros malhados de cinza e branco, outros apenas cinza, coloquei nome em cada um deles, mas apenas Guirra e Frau me atendiam e eram as mais dominadoras de todos.

Esses gansos, apesar da sujeira que faziam, não respeitavam nada nem ninguém era merda pra todo lado, tinha que ter um moleque limpando tudo de três em três horas ou o cheiro de ganso invadia a casa. Teve uma época que não trocamos pelos pittibulls por puro afeto, mas era bem mais econômico e limpo.

Não somos ricos, simplesmente vivemos bem, família estruturada como qualquer outra que se formou nos idos de 1960 aos moldes do funcionalismo público federal.

Minha mãe tinha suas lindas jóias, ressalva; jóias presenteadas pelo esposo com todo amor em jantar a luz de velas e taças de cristal da Boêmia, não era como hoje, uma pacela das mulheres ganham presentes caros dos maridos por causa da traição. Existe muito isso! O talzinho trai a esposa dá um brilhante porque ela nem vai lembrar nem dar bolas para a biscate que no máximo levou uns mil reais da carteira do marido, coisas da modernidade.

Minha casa era tudo dentro dos padrões, mamãe mantinha tudo na ordem do dia, nada de horários folgados, e os horários dela com papai eram sagrados, imperturbáveis, nem a clínica médica atrapalhava essa hora em que os dois se namoravam.

A casa sempre tinha umas peças bonitas, bem conservadas e de bom gosto, nada de peruagem, tudo muito sóbrio para um casal jovem. Os anos passaram, mamãe envelheceu, abriu mão de algumas coisa desnecessárias na modernidade como os horários, o motorista, as babás, as arrumadeiras, ficou apenas com a cozinheira que era a Ba a nossa segunda mãe, aquela que puxava as orelhas, penteava os cabelos e colava um laçarote de fita achando que ainda éramos crianças, só na rua arrancávamos aquela aberração. As festas em casa prendiam a atenção de uma juventude destrambelhada nos jardins sem que pudéssemos perceber que do outro lado do muro era o caminho da liberdade.

Sempre o pai aumentava a coleção dos anéis, brincos, pulseiras e outros mimos de ouro e pedrarias para cada uma de nós. Chegou um momento que a casa era a própria gansa dos ovos de ouro. Ba já estava velhinha para aguentar o trabalho diário e a saude também já desabilitava aquela mulher de seios fartos, olhar profundo. Resolvemos dar um descanso a Ba, daquela data em diante ela tomaria conta de outras coisas, do moleque que cuidava dos gansos, e da nova moça que faria o trabalho na cozinha. Tudo era válido desde que a nossa Ba não pegasse mais em nada de serviços de casa, apenas desse as ordens como sabia fazer muito bem.

Fizemos uma lista de escolha para a nova cozinheira, apenas uma seria a sortuda, enfim, a moça foi selecionada, pelos dotes culinários, postura, delicadeza, e outros requisitos que eu e minha mãe nos enfiamos naquela besteira pra rir. Sempre tivemos hábitos alimentares simples, mas a minha irmã queria ser chique e viu nessa possibilidade o viés de amostragem para as amigas socialights, não se espante é esse o termo exato uns faróis com pisca piscas de neon cor de rosa para chamarem a atenção.

Eu nunca dei bolas para essas coisas de irmã emergente. Nada ia ser muito diferente na casa a não ser uma pessoa a circular pelas dependências.

Sempre fiz meu desjejum, ovo frito, pão e café, sempre dei o ponto certo de açúcar em meu suco, sempre fiz meu pão com salsicha na hora de almoço porque mal tinha tempo para trocar a roupa e voltar para a Escola.

Minha irmã curtia bandeja de frios, sucos, sei mais lá o quê tudo organizado, lembrando e rindo, coisa de emergente mesmo! Mamãe se divertia com toda aquela palhaçada e papai só alimentava um momo de balançar a cabeça e fungar o nariz, quando alguém ia de encontro ele ria e dizia, deixa a tonta brincar de casinha.

Verdadeiramente, o sentimento daquela moça em casa era desconfortável tinha alguma coisa que não correspondia a tantos préstimos em pleno século XXI.

Um belo dia, meus pais ao retornarem do shopping encontraram dois bandidos dentro de casa, os gansos mortos, a casa em meia luz, a minha irmã emergente com suas amigas todas amarradas nas cadeiras da piscina, as jóias empilhadas num guardanapo, tudo revirado com as pernas para o ar, as jóias de mamãe umas esquecidas pelo corredor, relógios de papai arrancadas as pulseiras de ouro. A empregada amordaçada na despensa, e o namorado da minha irmã, o bonitão que saia nas colunas sociais das revistas de emergentes sentado na frente das moças e dando a ordem para os outros dois malandros limparem a barriga da gansa de ouro.

A cozinheira continuou conosco, o moleque que limava as sujeiras dos gansos ainda trabalha lá em casa, minha irmã perdeu a mordomia de emergente. Permanece solteira e frustrada concluiu o curso de direito para ajudar o ex-namorado ainda preso devido a outros golpes interessantes aplicados nas tontas que alardeavam que a própria casa era a gansa dos ovos de ouro, que a Bolsa de Chicago podia quebrar mas aquela casa era o próprio Banco Central.

As jóias somaram-se aos sonhos de papel de seda perderam o significado de embelezamento, mamãe adoeceu e faleceu tempos depois em decorrência de uma síndrome de impotência ocasionada pela insegurança da violência nas cidades grandes. Papai está com uma namorada, eu moro em Cascavel e algumas jóias foram doadas para recuperação de adolescente viciados em drogas e minha irmã ainda sonha com o Ali Babá.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 20/02/2010
Código do texto: T2097436
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