Adverso sertão
O sol... Quente do sertão em agonia,
Aves... Em galhos retorcidos da caatinga,
E uma flor... Singela nota do dia
Transforma tudo em paraíso
Dantes o céu azul deserto de nuvens.
E lá segue João. Passa uma das mãos na testa, o suor lhe vem à palma. Cabeça baixa, mira o chão; chapéu de palha e uma cruz ao ombro. Nossa Senhora do Carmo, carregada no andor no dia da procissão; a reza cantada e uma vela acesa quando o sino toca à ave-maria _ não conhece outra santa tão milagrosa pelas redondezas. Uma vez seu pai já sem muita visão por cauda da idade avançada comeu um peixe e uma das espinhas ficou-lhe presa na garganta. Ajoelhou-se diante do oratório e pediu. Seu Manoel tossira e a espinha viera como um tiro saído de sua velha espingarda. Fora atendido e pagara a promessa. Iria guardar a cruz ao lado do oratório e contar em casa dos romeiros e a Fé na hora da promissão.
João contempla o espaço à frente. Contempla, contempla e caminha... Vê alguns urubus pousados nos galhos do angico. Pela caatinga adentro, pés de mandacaru com seus frutos vermelhos. Ah! Muito maior é Nosso Senhor! Ergue os olhos em louvação. E o coração acelera o ritmo naturalmente. Vozes de seus pés nas pedras pequenas misturadas à areia quente. As sandálias esquentam um pouco; sem água, sem camisa de mangas longas os braços ficam expostos aos raios do sol. Não vai tardar a chover nesse sertão e os passarinhos vão beber da água que vai encher o riacho perto de sua casa. Os pobres dos bichinhos só voam de manhã ou ao entardecer. Quando veem água fresca na bacia em que Maria lava a louça no quintal, mergulham o bico com tanta vontade que parece nem engolir. Tem medo de eles se entalarem. Seu filho Leonardo uma vez contou que na beira do riacho viu uma fêmea de um sabiá mirando a água suja; teve de beber. Mas de manhã, ele ouviu as pereças cantando na boca do pote... E esses animais não se enganam... Logo, logo vai chover.
Há quem diga que o céu está assim vestido só de azul por culpa dos homens. Ele sabe que os homens destroem as matas, caçam-lhes os animais, sujam os rios. Gosta de ficar na varanda da casa à noite a escutar o rádio e assunta isso tudo no coração. Nessas horas, os vaga-lumes fazem festa de luzes no terreiro e os meninos correm atrás deles fazendo folia. Não querem maltratar os animaizinhos, não. São apenas meninos fingindo de pegar estrelas. João neste momento tem uma expressão tão terna... Tão particular de um homem que ama a vida; que os olhos parecem sorrir num mistério alegre.
Na verdade, João espia a própria alma. Gosta do silêncio e de ficar pensando em seus meninos vestidos de branco seguindo a santa de sua devoção. Tem um certo medo por eles, assim tão pequenos diante do mundo. As coisas são difíceis!... Sempre anda com um retrato deles no bolso da calça. Duas coisas lhe são preciosas: a família e a imagem de Nossa Senhora. Falou ainda há pouco com ela no altar da igreja. Moveu os lábios numa oração silenciosa, como se fosse os movimentos de um ponteiro de relógio harmonioso. Tudo ensinado desde que era menino por sua santa mãezinha. E orou como se tivesse um doce segredo escondido em seu coração.
Começa a avistar a casa. Há uma serenidade nos olhos. A faveira já começa a se cobrir de folhas, num verde tão verde que lhe deixa a sensação de serem pintadas a cada estação. Ergue a aba do chapéu; enche o peito de ar e com passadas firmes admira as boas-noites brancas e roxas tão bem cuidadas por Maria na entrada da casa. Assobia para chamar os meninos num ritmo feliz...