AMOR PLATÔNICO

...Triiiimmm... Triiimmm... Soa o despertador. São 05:30 de uma segunda-feira cinzenta e pouco inspiradora. Era hora de se levantar para mais um dia desgastante, mas ele está feliz. Afinal, hoje é dia da aula “dela”.

Triiimmm... Dessa vez ele abre os olhos e surpreendentemente sorri. Desliga o despertador, coça os olhos, se contorce todo para “colocar o corpo no lugar”, olha pela janela tentando decifrar como está o dia lá fora e se levanta. Vai para o chuveiro, toma seu banho cantarolando músicas que não gosta. Está de bom humor. Demora um bom tempo para escolher com que roupa irá à faculdade e quando se veste ainda permanece na dúvida, mas não há mais tempo. Já está atrasado e não gostaria de perder nem sequer um segundo da aula.

Sempre fora um aluno medíocre, mas desde que Renata passou a lecionar Direito Penal, a matéria passou a fazer algum sentido para ele. Renata, com seus longos cabelos loiros, rosto angelical, sorriso intrigante e sensualidade disfarçada em ternos elegantes e palavras rebuscadas, era a musa inspiradora de muitos daqueles adolescentes desinteressados. Isso mexia intensamente com ele. A idéia de chamar para si a atenção e o carinho da professora tão desejada tornou-se obsessão. Tinha certeza de que não seria fácil. Sabia que aquele sorrisinho que recebera na terceira aula fora apenas um gesto cordial e nem ao menos podia garantir de que fora para ele. Mesmo assim, preferia mentir para si mesmo. Queria que fosse diferente. Era dia de apresentar o trabalho tão discutido em sala e ele se esforçara como nunca para enfim ser notado e gozar da admiração da mestra e talvez até algo mais.

Desceu correndo a escada, passou pela cozinha e recusou o café. Beijou a mãe na testa, pediu que o desejasse sorte e saiu. Pegou o 1506 no ponto logo em frente à locadora de vídeos e foi confiante. Teve muito tempo para pensar no trajeto, mas só se concentrava na apresentação. Ainda não tinha decidido se tentaria ser engraçado ou permaneceria sério. Por fim, soube que ser engraçado não fazia parte de seus dons e preferiu não arriscar.

O ônibus parou. Desceu disputando espaço com todos os estudantes sem se interessar por seus assuntos. Falavam da rodada do campeonato, os beijos, encontros, fofocas e filmes. Nada chamava sua atenção. O sinal tocou, ele entrou na sala, sentou-se no lugar de sempre, respirou fundo e de súbito percebeu que perdera toda a confiança. Fixou os olhos na porta e ficou esperando o momento em que ela entraria, desejaria bom dia a todos com um sorriso largo e devastador, colocaria seu material sobre mesa e iniciaria a aula perguntando a todos sobre o fim de semana. Imaginava como ela estaria vestida, como o receberia após sua apresentação e ensaiava conversas informais que por ventura teriam. Queria parecer maduro e inteligente.

Alguns minutos depois, Áurea, professora de constitucional, aparece na porta. Era uma senhora carrancuda, branca como neve e solteira. Uma pessoa de quem ele tinha medo e não ousava confrontar. A imagem de Áurea se tornou ainda mais sinistra quando informou o motivo pelo qual estava ali. Iria substituir Renata que, segundo ela, se desligara da faculdade. Havia passado em um concurso e fora designada para uma cidade no interior do Tocantins. O mundo desabou!

Foram quatro dias tentando entender o porquê daquilo. Pesquisou desde possibilidades de emprego a passagens para a cidade que levara sua professora. Quando finalmente decidiu que seria impossível colocar seus planos em prática resolveu simplesmente que não amaria mais ninguém. Tudo seria mais fácil assim.

Na sexta, mesmo a contragosto, iniciou o curso de inglês que seus pais tanto insistiram que fizesse e ao ser apresentado a Ellen, diretora do curso, experimentou novamente as surpresas da vida. Agradeceu aos pais silenciosamente, sorriu triunfante, e começou a fazer novos planos de conquista...

Catavento
Enviado por Catavento em 15/02/2010
Reeditado em 11/03/2010
Código do texto: T2087783
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