O Jardim Da Morte

A Morte estava em seu imenso jardim a podar algumas roseiras, a aparar alguns arbustos, a arrancar alguns matinhos, quando, bem ao auto da imensa estufa de jardinagem, veio o som do alto-falante a chamar-lhe para atender a uma ocorrência. É que ela sempre estava de plantão; vivia de plantão.

Como em todas às vezes o chamado era urgente. Ela já sabia que aquilo ocorreria, estava de sobre aviso, e sua experiência profissional lhe permitia prever com certa antecedênciao momento em que um cliente precisaria de seus serviços.

Partiu veloz, passou por toda parentela que se encontrava a porta do quarto hospitalar do pobre ancião agonizante. Colocou-se lado a lado com os que se encontravam junto do velho a beira do leito. Alguns a sentiram romper ao passar. Sentiram uma espécie calafrio que percorrera num segundo dos pés a cabeça, ou vice-versa; outros dizem ter sentido algo estranho, como um mau presságio, uma coisa ruim ou algo assim.

O fato é que ela veio. Se demorou-se a chegar, se chegou rápido demais, nada disso tinha relevância. Na exata hora em que era para ela estar ali, ali ela estava. Nem uma fração mínima de segundo fora do que estava previsto no grande livro da vida. Ao chegar deparou-se com o ancião a lutar intensamente para deixar as dependências da carne. Era uma gemência sem pausa, uma respiração dificílima, agônica. Fadigado de tanto tentar desgarrar-se da aparência que conhecia por ser seu ser, sentiu enorme alívio ao ver a conceituada e infalível profissional do ramo que havia chegado.

Ao aproximar-se do homem ela lhe tocou nas feridas interiores com sua vasta experiência; coisa acumulada desde o primeiro protozoário que partiu, até o presente momento em que se encontrava ali naquele quarto de hospital. Arrancou o pobre homem de sua carcaça como quem retira uma carta de um envelope. Pediu-lhe que aguardasse num canto do quarto que as outras providências já estavam encaminhadas e partiu. Retornou para o seu jardim. Mas é claro que o sabor da manhã já havia mudado devido à interrupção do desfrute daquele dia ensolarado. Dizia ela, em sua intimidade, que as manhãs são como o café, se não é tomada toda de uma vez do início ao fim, elas ficam frias e perdem o aroma e o sabor. Pensando dessa maneira, é claro que não era uma senhora muito bem humorada com seu ofício, de bem com a Vida por assim dizer, ela continuou suas podas.

Jefhcardoso
Enviado por Jefhcardoso em 13/02/2010
Código do texto: T2085924
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