NA TERRA DO RIBAMAR
São Luis, idos dos anos 80. Cidade linda. Casarões. Ruas e ruelas. Um chafariz. Calor.
Era um Congresso. Hotel cinco estrelas. Trabalho, comida, diversão e arte.
Um passeio em Alcântara por barco. As ruínas de um palacete inacabado me impressionaram. Um menino aproximou-se do grupo e iniciou um monólogo ritmado. Parecia ter decorado versos de cordel sem rimas. Aos poucos entendi que ele falava sobre as ruínas do palacete inacabado. Contou que um fidalgo do lugar mandara construir o palacete para receber e hospedar D. Pedro de Alcântara. Por alguma razão que o menino não mencionou D. Pedro cancelou a viagem e o fidalgo enlouqueceu. Talvez decepcionado por não receber a visita de Sua Majestade Imperial ou talvez por ter desembolsado, em vão, enorme fortuna para a construção do palacete. Eu retirei de uma das paredes enegrecidas uma pedrinha e a guardei na bolsa como lembrança.
Outro passeio. O lugar se chama São José de Ribamar conhecida por abrigar a imagem de São José calçado de botas. Outro menino surge, mas dessa vez ele se oferece para falar sobre as origens do povoado. Concordei em ouvir.
Sempre surgiam meninos para, em troca de algum dinheiro, contar histórias aos turistas. Disse o menino que a imagem de São José das Botas viera trazida de Portugal. E contou que um capitão português ao tentar entrar na baía sem conhecer bem a rota que o traria a terra firme enfrentou uma tempestade perigando naufragar. Então o capitão clamou pelo glorioso São José e uma onda jogou a embarcação na praia e o mar se acalmou. Salvo, o capitão prometeu retornar, trazendo uma imagem de São José e a Sagrada Família para deixá-la no promontório que batizou com o nome de São José de Arriba Mar.
Em Portugal, o capitão encomendou imagens de São José, do Menino Jesus e da Virgem Maria a um artesão. Quando as imagens ficaram prontas, o devoto capitão empreendeu a viagem de volta ao Maranhão desembarcando em Arriba-Mar onde organizou uma procissão deixando numa ermida coberta de palha as imagens da família sagrada, puxada por São José de Botas.
Tempos depois os índios revoltados com a presença dos brancos os caçam na ilha de Upaon-Açu. Um branco perseguido pelos índios corre e entra esbaforido na ermida coberta de palha e se depara com a Sagrada Família, sob o comando de São José calçado de botas, como era o costume da época. Agradecido por ter se safado dos índios, ele retorna com uma procissão erguendo no local uma pequena capela em cima do promontório. Assim nasceu o povoado São José de Ribamar.
Outra vez os índios, furiosos com os brancos, entraram na capela e retiraram as imagens. Os moradores de Arriba-Mar saíram em seu encalço. Surgiu uma tempestade fazendo soçobrar os barcos dos indígenas.
Dias depois, pescadores encontraram em sua rede uma caixa com as imagens da Sagrada Família. Um dos pescadores surrupiou as imagens e, ao mostrá-las a mulher, viu que elas haviam desaparecido. As imagens da Sagrada Família foram encontradas no mesmo lugar em que estavam na capelinha, para espanto de todos.
O povo rezou e passou a festejar a partir de então o querido Santo de Botas, São José de Ribamar durante todo o mês de setembro. A fé em São José de Ribamar é tão grande, que em quase todas as casas maranhenses há um filho chamado José de Ribamar.
Perguntei ao menino que contara a história do santo de botas qual o seu nome, tendo ele respondido se chamar Ribamar.
No último dia do Congresso foi oferecido aos participantes um espetáculo com manifestações culturais típicas do Maranhão.
A apresentação do Bumba-meu-boi se deu no pátio do hotel. Geralmente suas brincadeiras acontecem defronte à casa de quem convidou o grupo e que patrocinará a festa. Os participantes remanescentes do Congresso compareceram para assistir ao espetáculo. Para surpresa de meus colegas, eu fui convidada e prontamente aceitei entrar na dança, como brincante de cordão. Acho até que não fiz fiasco.
Agora, anos passados, recordando essa época e comparando-a com o Maranhão dos dias atuais, penso que é urgente rezarem para São José de Ribamar.