Ontem eu vi uma coisa…
A tarde começava a cair e sinuosamente a cidade ganhava um novo ritmo. Após o expediente das empresas locais é comum a cidade se confrontar com o trânsito pesado, ônibus lotados, gente com pressa, e enfim, o fim do dia que se aproxima. Eu, que prefiro a calma e a quietude, resolvi tirar o final da tarde para uma caminhada a beira-mar. Sossegado percorria o trajeto da orla sem pressa ou preocupação. Já fazia uns trinta minutos de caminhada quando decidi parar e sentar num banquinho à praia. Estava lá, vendo as ondas, as pedras e as árvores que já recebiam o vento com mais intensidade. Curiosamente vi um menino brincando na areia. Tinha lá seus 6 anos, de estatura média para idade, magro e cabelos negros. Lembrava um indiozinho de longe. O garoto brincava com objetos que encontrava na praia mesmo; pedaços de pau, conchas, estrelas-do-mar secas e tudo aquilo era tema científico para seus ávidos 6 anos de vida. Aquele garoto me lembrava alguém. Seu jeito distraído, seu interesse em adentrar na brincadeira de forma séria e a maneira como olhava o mar. Decidi então chegar mais perto e quem sabe puxar assunto, ou sei lá, apenas olhar. Quando chego mais perto o menino nota minha presença e fita os olhos para mim. Como se me conhecesse ele pergunta:
- “É legal??” E eu respondo: “O quê?”
“Ser velho!” Disse ele.
“Que tipo de pergunta é essa?”
“Ora, você não veio aqui para isso?”
“Escuta garoto, que conversa maluca é essa?”
” eu sei que você veio aqui para me ver brincar e lembrar do tempo que felizmente você aproveitou muito bem, mas sou uma criança e tenho que te perguntar, envelhecer é legal??” Nossos olhos eram idênticos e não desviávamos o olhar nem um segundo. Não sabia o que pensar naquele momento, o garoto ainda me lembrava alguém e isso me deixava confuso. Até as roupas eram conhecidas. Quando tomei coragem e iniciei uma frase o garoto disse:
“ Não precisa falar. Eu sei muito bem que você não vai dizer nada que possa estragar minha infância e por isso esconderá muito do que eu quero saber, então deixa assim, ta?”
Perplexo, senti uma ponta de cinismo no discurso, mas ainda curioso com o fato. O garoto baixou a cabeça e pude ver uma pinta igual a que eu tenho no pescoço e minha mãe cismava em dizer que sinal de família e essas coisas. Nestes instantes de pensamento uma voz ecoou:
“ Luiz, vamos embora!!!” Os dois olharam e notei de longe a figura de homem que não falará comigo, mas com o garotinho que tinha o mesmo nome que eu. Era um homem alto, de barba, cabelos despenteados e camisa listrada. Ele continuou: “ Já tá na hora, e tá ventando.” O menino voltou a olhar para mim e disse: “ Não esquece, brigadeiro fica muito com Coca-cola.” Saiu correndo berrando com tom de decepcionado: “ Tô indo, tô indo.” Na corrida do menino até o pai, reparei nas pernas tortas do menino que lembrava Jogador Garrincha, iguais as minhas. Nesses anos de vida e tudo pelo quê já passei, até já tinha me esquecido:
O quanto eu gostava de brigadeiro com Coca-cola.