Produção do Tempo - Oitavo Dia

Daqui,

tudo surge mínimo, uma linha é um traço, este vértice, a quase impossibilidade real de uma margem. Alinho as personagens, invento o destino dos seus nomes. Escrever a noite, agora a ficção da noite. Escrever o que se viveu. Alterar o cenário, ser outro lugar, aquelas palavras habitadas num rumor.

Um caderno de apontamentos como um mapa. Pergunto o nome de um destino. Apenas o nome. Imaginar um lugar vazio com um nome. Criar avenidas e jardins para esse nome. Recuso ir mais longe, recuso saber da sua existência. Fixo-me no nome. Dizem-me que existe esse lugar com esse nome. Dizem-me que existem alamedas e jardins e avenidas e personagens e emoções, dizem-me que ao fundo existem luzes acesas no limar da noite. Há postais ilustrados, fotografias coloridas, a vida existe e a morte no lugar desse nome. Melhor, esse nome é o lugar, esse nome é apenas um apêndice de um lugar onde é possível ir dobrando a esquina de uma avenida. Que importa o nome, há mesmo quem não saiba o nome e exista. Uma árvore não sabe o nome de um lugar onde existe. Quem não seja capaz de pronunciar o nome de um lugar assim, ou o nome assim de um lugar. Quem saiba e se esqueça, quem soube e se esqueça, quem sabe e não queira saber. Há quem sabe e queira saber para sempre, a felicidade de não esquecer o nome de um lugar onde se existe. Mas todos preferem o lugar ao nome.

Pergunto o nome de um destino. Colecciono nomes. Pergunto repetidamente pelos mesmos nomes. Pergunto por ficções, ficções para mim, invento as possibilidades de criar o destino para um nome. Como um mapa. Um nome tem muitos mapas, estes nunca se repetem.

Não importa já perguntar por o destino de um nome. Todos preferem o lugar ao nome. Entre o que me dizem e a minha ficção, nada me liberta da minha preferência.

Desenho um lugar, tudo surge mínimo, uma linha é um traço, qualquer margem se dilui num espaço infinito, indeterminado. As emoções irreais, uma ideologia política do nada, a arte transposta ao absoluto de Malevich. A socialização da névoa como um vácuo.

Desenho um nome num lugar indelével. Visitar o nome, organizar cruzeiros turísticos ao interior das sílabas, adorar os templos fonéticos da pronúncia quase exacta. Instruir em nome do nome, dos nomes, educar para a cidadania dos nomes. Projectar, a partir da breve sonoridade poética de um nome, um lugar, mesmo um lugar que seja breve como um nome breve.

Alinho as personagens. O que é possível viver. Cada um escreve essa possibilidade. Um nome; deste: um lugar; neste: o que é possível viver.