SORTE SUJA

Ela perambulava pelas ruas capengando de uma perna. Uns moleques vadios a espantaram com pedradas. Eu me apiedei, atravessei a rua e a chamei. Ela não entendeu que a chamava e continuou a perambular. Zanguei-me com os moleques e apressei o passo para alcançá-la. Tive sorte porque ela se distraiu com um pacote caído na calçada e parou.

Novamente a chamei e ela atendeu ao chamado e foi ao meu encontro com muita desconfiança.

Reparei que ela estava muito suja e também fedia. Uma morrinha enjoativa. Eu me perguntei: - Há quanto tempo ela não toma um bom banho?

Fui para o jardim público procurando um banco e ela me seguiu. Os bancos estavam todos ocupados pelos ociosos da tarde. Sentei na mureta que dividia o canteiro e o espelho d’água e ela se acomodou ao meu lado.

Eu trazia na bolsa uma barrinha de cereais, desembrulhei e dei a ela um pedaço. Ela engoliu avidamente e lhe dei a outra metade.

Ficamos as duas olhando uma para a outra. Ela tinha uns olhos amarelos e remelentos e um modo enternecido de olhar.

Pensei em levá-la para a casa para que ela tomasse um banho.

- Como hospedá-la num apartamento tão minúsculo?

- Melhor seria levá-la para o sítio de um amigo.

Fiz, então, ligações do celular para três amigos que se recusaram em receber a hóspede por diferentes motivos.

Aí eu me lembrei de Caio, um amigo que cultivava plantas medicinais em um sítio nas redondezas da cidade. Eu o havia encontrados meses atrás num supermercado. Ele, agora, estava tocando seu próprio negócio e me convidara para conhecer o lugar. Há mais de um ano que não o via. Fiz a ligação, pois tinha o número memorizado no telefone celular. Ele atendeu surpreso e perguntei se ele poderia hospedar uma pessoa no sítio por alguns dias. Ele quis saber quem era. Brinquei dizendo ter adotado uma pessoa. Caio perguntou se eu havia sequestrado ou raptado alguma criança.

- Nada disso.

Caio se prontificou a nos pegar dentro de meia hora. Ficamos esperando por ele na esquina.

Quando chegou, ele entendeu tudo.

Nós nos acomodamos no carro e rumamos para o sítio.

Proporcionamos a ela um longo banho no tanque e nos encantamos com sua beleza revelada.

Caio examinou-lhe a perna e viu a ferida infeccionada, fez um curativo e preparou um prato de flocos de milho com leite para ela.

Logo percebi que Caio ficara encantado pela cachorra.

Ele disse que ficaria com ela para sempre se eu concordasse.

Estremeci ao me dar conta da separação, mas Caio me tranquilizou convidando-me para visitá-los com frequência.

Caio levou-me de volta para casa e nos dias seguintes conversamos pelo telefone sobre os progressos da cachorra. O tempo foi passando e continuamos conversando.

Num domingo, Caio foi me buscar em casa para almoçarmos no sítio. Ao me rever, a cachorra fez uma grande festa e mostrou suas recentes habilidades treinadas. Ele pediu a cachorra para pegar uma caixinha sobre a mesa. Ela obedeceu e depositou a caixinha no meu colo. Na caixinha havia um anel.

Caio colocou o anel no meu dedo e me pediu em casamento.

Esqueci de dizer que demos à cachorra o nome de Sorte Suja