Seu Manuel, o lobisomem e as agulhas

Apesar de ter nascido pobre e sem cultura, continuo pobre, mas tive sorte de morar na mesma rua do seu Manuel. Seu Manuel era português, veio para o Brasil em 1938 para morar com seu irmão, o velho Ranulfo. Quando eu nasci, no bairro de Cruz Credo, em Codó - Maranhão, seu Manuel já era comerciante, onde vendia farinha, peixe, verduras e leite pela manhã. Logo o seu negócio cresceu e montou uma mercearia, bem sortida.

Começou quando minha mãe me mandava ir comprar o leite.

- Moço, mi’dá um lidileite?

E assim começou o seu Manoel a me ensinar o português corretamente. Aliás, seu Manuel sempre tentava corrigir os erros de pronúncia e vocabulário das pessoas. Ele tinha um dom especial em ensinar; gostei e me interessei tanto que passava horas na biblioteca da escola aprendendo mais sobre gramática.

Todavia, há coisas que não saem de nós. São mais fortes! Sotaque e o uso de certas palavras, por exemplo. No entanto eu tomo o cuidado de usá-las e colocá-las de modo mais polido. Desmantelado, por exemplo. Por aqui se ouve e fala “dirmantelado”. É um purtugueis taum beim dizidu qui ningueim si astrévi a corregir.

Quando seu Manuel veio pra cá, seu Ranulfo já estava velho. Certo dia Ranulfo chamou, educadamente, Mãe Coló (entre outras palavras, macumbeira) de rapariga. Ela não contou tempo: disse umas palavras estranhas, cravou um machado na mangueira e bateu o terecô. Na primeira lua seguinte, o lobisomem começou a atacar. Um ex-professor meu, na época, disse que o velho tinha ficado louco, e a demência o fazia atacar as pessoas. Daí uns o chamarem de “o velho-louco-mal”. Meu avô foi atacado certa vez e foi o único sobrevivente. Foi ele quem afirmou que o velho-louco-mal era o lobisomem. Como diziam, o “lambirzômi”. Depois eu explico isso melhor.

Como ninguém tinha coragem de matar (e muito menos bala de prata) pessoalmente o lambirzômi, o fato é que tiveram que chamar um pai-de-santo de Santo Antônio dos Pretos pra reverter o feitiço de Mãe Colo, já que o lambirzômi havia comido a velha. Foi meu avô quem viu, certa vez em que foi na casa de Mãe Colo. Quando abriu a porta da casa, encontrou o velho-louco-mal já com metade pra dentro. Sem trocadilhos, por favor.

Pai Zebedeu também não tinha coragem de enfrentar a fera. Mas descobriu que o seu Manuel gostava de tomar umas no bar do seu Pedro Mico. Combinou com seu Pedro uma a mais, por conta do terreiro, toda vez que seu Manoel fosse lá, a fim de embebedar o português. Com ele dopado, começaram a enfiar agulhas em seu corpo. Pai Zebedeu havia explicado que é tiro e queda! É mais garantido do que o vudú tradicional. A cada porre, uma agulha e um charuto no terecô. O objetivo era atingir o irmão dele, por conta dos laços de sangue.

Resultado: não mataram o lambirzômi. Mas mataram seu Manuel. E depois que assassinaram o português, aí é que falaram errado mesmo! Afinal, nunca gostaram mesmo daquele cara que só ficava criticando o modo como falavam...

A prática de rituais de magia negra com agulhas é antiga. Mas só recentemente, com o caso notório do menino de 2 anos que tinha mais de 50 agulhas no corpo, é que a mídia tomou conhecimento do fato e noticiou mais dois: um no Rio Grande do Sul e outro adivinhe onde? Aqui em São Luis do Maranhão.

Jorge Armando (personagem)

http://dirmantelado.blogspot.com

DARCICLEY LOPES (autor)