Buscando o amanhã V - capítulo IV
CAPÍTULO IV:
Passaram mais algum tempo em silêncio.
-Aonde tu vives afinal? – Perguntou ela, que se esquecera deste detalhe.
-No Condado de Aldearan. – Disse ele. – Sou o filho mais novo do conde.
Se o garoto tivesse dito que tinha duas cabeças, os seis dedos nos pés ela não teria levado um susto maior. Sentiu uma pulsação estranha no coração quando ouviu isso. Se estava levando o menino, provavelmente teria de ver o pai dele e se o conde a reconhecesse... Só então, ela lembrou-se de que o conde não a conhecia. Ela havia visto a menininha, sim, de fato, mas nunca a vira depois de moça. Quando estava na casa da tia, ele podia desconfiar, mas não na sua atual condição de barda. De qualquer maneira, ver aquele homem em sua frente seria um choque e tanto.
Continuaram seguindo em silêncio, enquanto o dia avançava. Quando o sol estava no meio do céu, encontraram um riacho e pararam para beber água e comer algo.
Logo após essa rápida parada, seguiram mais uma vez em frente.
Após mais algum tempo de cavalgada, encontraram uma trilha.
-Deve ser a trilha que é usada para as caçadas!- Disse Arthur. – Devemos estar próximos.
De fato, mal haviam andado cem metros e ouviram o com de cascos de cavalo trotando sobre a terra.
Segundos depois um cavalo castanho surgiu à frente deles, montado por um rapaz alto de cabelos negros.
-Arthur?! – Exclamou ele ao ver o garoto. – Aí está o senhor, seu danado! Imagines que teu pai quase teve uma sincope ao descobrir que sumiste!
-Achas que ele ficará muito zangado? – Perguntou Arthur parecendo assustado.
-Talvez. – Riu o cavaleiro. –Mas não se preocupe, não estará zangado o bastante para manda-lo para a fogueira.
Lore não soube dizer se o rapaz a havia reconhecido (ela o reconheceu na mesma hora em que o viu:havia visto-o uma única vez) e sabia quem ela era, ou se aquela foi apenas uma piada inocente.
-E essa senhora que o acompanha? – Perguntou o cavaleiro.
-Apresento-lhe Lore Lindberg. – Disse Arthur. – Barda e viajante.
-Encantado em conhece-la, senhora. – Disse ele.
-Apenas Lore. Não sou senhora de nada além de meu destino, que é a única coisa que possuo, meu caro cavaleiro. – Disse ela.
-Então já possui a maior das riquezas, senhora. – Disse ele com um sorriso. – Mas vamos, devemos seguir imediatamente até o conde. Tenho certeza de que ele deseja agradecer-lhe pessoalmente por ter salvado a vida de meu jovem senhor.
Lore não se sentiu nada a vontade nessa situação, então apenas concordou com a cabeça e seguiu o cavalo do cavaleiro até o castelo do conde.
Lá chegando, dois criados vieram recolher os cavalos e guia-los até o estábulo. Lore, Arthur e o cavaleiro seguiram para o interior do castelo.
As paredes dos salões eram repletas de imponentes tapeçarias que retratavam o brasão do conde e outras figuras.
Seguiram os três até o gabinete do conde. O gabinete era o local onde o conde costumava tratar dos assuntos de seu reino: era uma sala pequena que continha uma mesa e várias cadeiras para receber representantes de outras terras.
A porta foi aberta pelo cavaleiro, que entrou e fez uma rápida reverencia.
-Meu senhor, seu filho foi encontrado. – Disse ele.
-Então que ele entre. – Disse o conde.
Arthur entrou na sala rapidamente, esperando, ou o castigo, ou as alegrias.
Lore o seguiu de fininho.
Viu que uma mulher de cabelos ruivos muito fartos havia abraçado Arthur com gosto e agora lhe beijava a face, enquanto lhe murmura uma bronca amena.
-E esta senhora, que é? – Perguntou o conde, notando Lore.
-Senhor, essa senhora foi quem encontrou seu filho. – Disse o cavaleiro.
-Certo. E a senhora certamente irá querer uma recompensa por seu feito. – Disse ele. – Diga-me o que deseja?
Ela pensou por alguns minutos, e então se voltou para o conde e disse sem hesitação:
-Quero que Arthur não seja enviado ao monastério para tornar-se padre e ao invés disso, seja enviado à Marquesa Adelaide Beatriz para tornar-se cavaleiro em suas terras.
-Que dizes? – Perguntou o conde.
O cavaleiro olhou para ela com surpresa, bem como a condessa e Arthur.
-Um pedido deveras ousado da parte dessa senhora. – Disse um rapaz que até então não havia sido notado por Lore. – Mas, meu pai e senhor, essa não é uma proposta ruim.
O conde pareceu ponderar.
-Pensarei a respeito disso num momento mais propício. – Disse. –Já a senhora, pode se retirar. Creio que deva ter serviços a prestar.
-Eu não trabalho para ninguém. – Disse ela. – Mas entendo o que o senhor quis dizer, e irei me retirar.
-Mordaz senhora, então vives para quê? – Perguntou o rapaz desconhecido. – Acaso és filha indomada de algum senhor?
-Não. Ela é uma barda, Felipe. – Disse Arthur.
-Uma barda? - Perguntou. – Mas que estranho. Jamais havia visto uma mulher com dons artísticos. Seria no mínimo diferente ver uma mulher tocando bambolim ou declamando poesia, ou mesmo na condição de contadora.
Lore pensou em uma série de frases afiadas para rebater o que ele disse, mas achou melhor ignorar.
-Então o senhor gostaria de uma demonstração? – Perguntou ela.
-Seria algo interessante. – Disse ele.
-Pois bem. – Disse ela, pegando o bandolim, que como sempre, estava pendurado entre as várias coisas de sua bolsa de viagem.
Pensou por alguns momentos em uma poesia que conhecesse, e então iniciou uma canção que ouvira a muito tempo, dos lábios de sua mãe.