Buscando o amanhã IV - capítulo III
CAPÍTULO III:
O dia pareceu passar lento, enquanto ela seguia entre as árvores frondosas da floresta. A noite enfim chegou, estendendo seu manto negro sobre a terra.
Lore encontrou um lugar que lhe pareceu propício para passar a noite: uma pequena clareira próxima à orla da floresta. A pequena extensão que não continha árvores era circundada por enormes carvalhos e arbustos de urtiga.
Amarou o cavalo e lhe tirou a sela, deixando-o livre para pastar a vontade. Depois de arrumar uma rápida refeição, preparou um precário arranjo de cobertas que seria sua cama naquela noite.
Deitou-se e passou a olhar as estrelas que brilhavam no céu.
Quando estava prestes a adormecer, ouviu o som de passos quebrando gravetos. Inicialmente pensou que pudesse ser algum animal, mas a medida que os sons tornaram-se constantes, teve certeza de que era uma pessoa que estava ali. Sentou-se, com cuidado para não fazer barulho, e retirou duas adagas de sua bolsa de viagem.
Logo, o autor dos passos apareceu na clareira e teve uma das lâminas pressionadas contra a sua garganta.
-Por favor, não me machuque! – Choramingou uma voz.
Lore imediatamente percebeu que era uma criança. Soltou-o e fixou seu rosto por um momento.
-O que um menino faz no meio da floresta, sozinho, há essa hora? – Perguntou ela.
-Me perdi. – Disse ele.
-Tem certeza? – Ela disse, notando o brilho fingido nos olhos dele.
-Oh, está bem. – Disse ele. – Não me perdi. Meu irmão saiu para caçar e eu queria ir também, então fui até nosso estábulo e montei um cavalo e fui atrás dele. Mas o cavalo era muito grande para mim e me derrubou. Eu não consegui achar o caminho de volta e vim parar aqui.
-Entendo. – Disse ela. – Façamos o seguinte: essa noite passará aqui comigo, que está demasiado tarde para vagar por essas estradas. Amanhã irei contigo até tua casa.
O menino concordou.
-Como te chamas? – Perguntou Lore, enquanto dava um pedaço de pão e água ao menino.
-Meu nome é Arthur. – Disse ele. – E o seu?
-Sou Lore. – Disse ela.
-Muito encantado em conhece-la. – Disse ele. – Mas o que a senhora faz aqui? Também esteve perdida?
-Não. – Disse ela. – Sou uma barda.
-Uma barda?! Mulher?! – Exclamou ele. – Nunca vi disso.
-É, não é comum. – Disse ela.
-Se é mesmo uma barda, então me conte uma história. – Disse ele.
Ela pensou por alguns minutos e então começou:
-Há muito tempo atrás, vivia em um belo castelo um jovem rapaz muito valente. – Começou. – Seu nome era Carlos e ele era um criado do estábulo do rei. Seu grande sonho era ser cavaleiro, mas como não possuía sangue nobre, não poderia realiza-lo. Conformou-se então em apenas sonhar e imaginar. Um dia, porém, Carlos ouviu um cavaleiro falar que a princesa havia sumido e que o rei estava aflito atrás dela. Preocupado com a princesa, ele foi atrás do seqüestrador e descobriu que a princesa fora aprisionada por um duende mal que desejava casar-se com ela.
-O duende era muito feio e mal, e por isso a princesa estava muito triste. Ela pediu ao duende que a libertasse em troca de todas as jóias do palácio, mas o duende recusou. Assim, a princesa permaneceu presa no calabouço do castelo de pedra do duende. Carlos então fez um plano. Enquanto o duende dava ordem a seus criados, ele se esgueiros para dentro do castelo e encheu o caldeirão de sopa com uma poção para fazer dormir.
-Pouco tempo após o almoço, o duende e seus criados ressonavam profundamente. Então, Carlos foi até o calabouço e libertou a princesa seguindo com ela até a floresta.
-Porém, o duende acordou e, irado por ter sido enganado, saiu em busca da princesa. Encontrou Carlos e a princesa quando estes seguiam até o castelo e exigiu a princesa de volta. Carlos então, bolou uma armadilha. Propôs ao duende uma luta e aquele eu vencesse ficaria com a princesa. O duende resolveu aceitar e os dois passaram a lutar, enquanto a princesa observava. Como Carlos passara anos treinando para se tornar cavaleiro, era um exímio espadachim e deixou o duende tão cansado, que logo ele já cambaleava e oscilava. Aproveitando essa oportunidade, Carlos encurralou o duende e quase o matou, mas não o fez. Disse ao duende para ir embora e deixar em paz a princesa e para não voltar mais até aquelas terras.
-O duende, com muita raiva, aceitou a condição e fugiu. Carlos voltou ao castelo do rei com a princesa e o rei, tão feliz por ele ter encontrado sua filha, proclamou-o cavaleiro, realizando o maior sonho de Carlos. – Ela concluiu.
-E o duende, não morreu? – Perguntou Arthur. – Pensei que ele Carlos fosse mata-lo, porque ele era mal.
-Carlos era um cavaleiro honrado, Arthur. – Disse ela. – Um cavaleiro de verdade. E o verdadeiro cavaleiro tem piedade.
Ele nada mais disse.
-Você narra bem. – Disse enfim. – Mas essa história deixou-se com sono.
-Então durma. – Disse ela.
Ambos dividiram a precária acomodação que Lore chamava de cama, e dormiram até a manhã seguinte.
Lore acordou quando a manhã nascia no horizonte, e as folhas ainda estavam prateadas de orvalho. A terra úmida parecia manter a clareira fresca e tranqüila.
Preparou suas coisas, enquanto esperava Arthur acordar, e amarou os cabelos como sempre fazia.
Quando Arthur acordou, o sol já iluminava boa parte da clareira e os pássaros já voavam alegres pelo céu enchendo a floresta com seu canto. O menino esfregou os olhos sonolentos. Lore lhe atirou duas maças, que ele comeu lentamente após beber um pouco de água.
Estando tudo pronto, Lore montou o cavalo, e estendeu a mão para o garoto, que montou em frente a ela.
A floresta era um bom lugar para se seguir em viagem: o chão era coberto de relva e terra fofa, e as arvores faziam sombras. Além disso, havia o perfume das flores e das frutas que estavam na época da maturação.
Arthur parecia encantado com aquele lugar, em parte selvagem, que ele temera na noite anterior. O menino era acostumado a salões de pedra elegantes, horas em bibliotecas com a cabeça nos livros, mas nunca havia experimentado uma sensação como aquela de ouvir o canto dos pássaros e ver as lebres correndo entre os arbustos.
-Deve ser muito bom ser uma andarilha. – Disse ele após um longo tempo de silêncio. – Poder viajar por vários lugares, conhecer uma porção de gente...
Lore ponderou por alguns segundos.
-Como todo o tipo de vida que se possa escolher, no meu caminho nem sempre há maravilhas. – Disse ela. – Nem todas as pessoas nesse mundo são boas. Nem sempre elas tem consciência do que fazem, e muitas vezes, elas cometem erros irreversíveis que precisam ser punidos.
-Mesmo assim, deve ser mais legal do que viver em um castelo e ter de estudar. – Disse ele aborrecido. – Meu pai quer que eu me torne padre, e para tal tenho de passar horas estudando... Mas não quero tornar-me padre! Queria mesmo é ser cavaleiro! Lutar nas guerras, manejar a espada! – Ele tinha um brilho de alegria nos olhos ao falar assim.