Buscando o amanhã III - capítulo II

CAPÍTULO II:

Tia Adelaide sorriu largamente.

-Minha querida criança. – Disse abraçando Irene.

-Titia, onde está a mamãe? – Perguntou a menina, mirando a tia com os olhos amendoados.

Adelaide trocou um olhar com o criado que trouxera a sobrinha. Ele apenas manteve sua cabeça baixa, como um silencioso sinal de lamento.

-Sinto, querida, sua mãe teve de fazer uma viagem. – Disse Adelaide. – Logo ela deve estar de volta.

-Mas ele nem se despediu... – Murmurou Irene, inconsolável.

-Eu sei, querida, mas ela teve de partir com muita urgência, pois tinha de resolver um assunto muito importante. – Disse Adelaide.

Irene não se convenceu. Por que sua mãe iria viajar sem avisa-la?

Mesmo assim, seguiu a tia até o interior da casa. Sua tia era esposa de um marquês, que assim como seu pai estava na guerra.

-Venha, querida, eu mesma irei lhe mostrar seu quarto. – Disse tia Adelaide.

Irene nada disse, apenas seguiu a tia, com passos lentos.

Ela fitou os pés descalços. Estava estendida na cama, sentindo os músculos rijos pelas horas de cavalgada. Mesmo assim, ela não se arrependia: havia tomado a decisão mais correta.

Ela brincava com algumas mexas de seu cabelo, solto e esparramado pelo travesseiro. Dormir em uma estalagem não era tão bom quanto viver em um lar. Mas ela deveria se habituar: a partir de agora, não mais teria um lugar para chamar de lar.

As lembranças inundavam sua mente, não permitindo que ela dormisse. Sempre se lembrava do dia em que sua vida mudara para sempre, o dia em que ela fora privada de sua mãe e de seu verdadeiro lar.

Sozinha no escuro, ela agora sentia medo. Não era um medo qualquer, era o medo de jamais encontrar seu lugar. Seu coração cheio de dúvidas estava cansado, assim como seu corpo, e as lembranças a mantinham acordada.

Lentamente, ela fechou os olhos e adormeceu.

Ela estava sentada sobre a cama, em uma pose solene. Sentia que havia algo errado. Tia Adelaide mirava-a como se sentisse pena.

-Minha querida Irene, - começou Adelaide, - nem sei como posso falar-te. Sinto uma horrível dor em ter de lhe dar essa notícia. – Adelaide fez uma pausa de alguns segundos e recomeçou. – Sua mãe não está viajando, Irene. Ela... Ela está morta.

Irene piscou os grandes olhos castanhos.

-Tia, a senhora não sabe que é feio mentir? – Disse a criança.

-Quem me dera estivesse mentindo, minha menina. – Disse Adelaide sentindo que lágrimas começavam a se formar em seus olhos. Ela sempre nutrira muito carinho pela cunhada e sabia que ela era inocente.

Os olhos amendoados de Irene se encheram de lágrimas, que logo escorreram por seu rosto angelical.

Ela acordou sobressaltada. Uma suave luz nas brumas da noite, lhe anunciou que a noite findava e o dia começaria em breve.

Levantou-se e vestiu-se. Não demorou muito tempo para arrumar suas coisas: eram poucas.

Depois de estar pronta, ela seguiu até a recepção da taberna, ainda pensando no sonho que tivera. Devia esquecer aquilo tudo se quisesse ter paz.

O estalageiro ainda não estava de pé, e Lore achou melhor assim.

Seguiu até o estábulo e selou seu cavalo, um belíssimo cavalo negro, de ancas largas e crina longa.

Em alguns minutos ela já estava na estrada. Queria afastar-se logo daquela região, onde alguém poderia reconhecê-la facilmente.

O cavalo trotava lentamente, tranqüilo. Ela seguiu pela estrada que cortava o condado, e depois ganhou os campos verdejantes e cobertos de relva. Não havia estradas decentes ligando os territórios, e mesmo que houvesse, Lore estava interessada em ver as belezas que a natureza tinha a lhe oferecer.

Fez o cavalo seguir por relvados macios, com calma.

Quando o sol começou a nascer atrás das montanhas, manchando o céu com seus tons alaranjados e vermelhos, ela fez o animal parar sobre uma colina, e ficou observando os raios alaranjados ferirem o negrume do céu. Novamente lembranças inundaram sua mente...

Sentada no banco de pedra do jardim, ela via a manhã descortinar-se. No horizonte, os raios de sol anunciavam um dia de esplendor. Ela deveria sentir-se culpada por não sentir esperança diante de um novo dia? Ou por que se considerava tão misera diante daquele esplendor?

Suspirou, abraçando os joelhos e fixando os pés descalços.

-Senhora Irene, já desperta a esse hora? – Ouviu a voz rouca de Fabiane perguntar-lhe.

-Não tenho sono. – Disse Irene. Fabiane era a criada da casa, que cuidava dos afazeres domésticos e sempre era muito amável.

-Está bem, senhora. – Disse a criada seguindo para a casa da patroa.

Irene olhou novamente para o céu, ainda imersa em seus pensamentos.

-Irene, minha querida, venha! – Ouviu tia Adelaide chamá-la. – Rápido, preciso de sua ajuda.

-Minha ajuda, tia? – Perguntou a moça.

-Sim. – Disse Adelaide. – Precisas me ajudar a encontrar um esconderijo para que tu fiques. O conde de Aldearan vem a nossa casa logo e sabes que não é prudente que ele te veja.

-Sim. – Disse Irene. – Titio falou-me a respeito disso. Irei vestir-me como camponesa. Ele jamais me notará.

Tia Adelaide assentiu.

Logo, Irene já vestia roupas velhas e surradas e tinha os cabelos castanhos soltos. Ficou no celeiro.

O conde chegou logo, montado em seu garanhão branco e acompanhado por rapaz.

Irene tratou de ocupar-se com as tarefas do celeiro, para não ser notada.

Logo o conde já estava com a tia, no interior da residência e Irene suspirou mais uma vez, sentando sobre um monte de feno.

-Com licença, moça. – Ela ouviu uma voz e assustou-se.

-Desculpe-me, não tive a intenção de assusta-la, mas poderia dizer-me onde poderia dar de beber aos cavalos? – Ele perguntou.

-Ali. – Ela respondeu apontando. Nada mais disse, e deixou que o emaranhado de fios castanhos que era seu cabelo cobrisse seu rosto.

-Grato pela informação. – Disse ele com um sorriso brincando em seus lábios.

Ela ousou levantar a cabeça por alguns segundos, para estudar bem os passos do rapaz, ao que logo se arrependeu, quando ele voltou-se para ela e viu o rosto dela. Por um momento, pensou que ele talvez a reconhecesse, mas ele apenas sorriu e ela mais uma vez respirou aliviada.

Lore fez o cavalo seguir novamente. Ah, lembranças. Amaldiçoadas fossem. Agora ela era outra pessoa.

Seguiu através das Campinas até a metade da manhã, quando encontrou um riacho de águas límpidas e parou por algum tempo para beber água e comer algo. Não era difícil arranjar alguma fruta doce entre os bosques. As macieiras não podiam estar mais carregadas de frutos e das folhas dos pessegueiros mal se tinha sinal.