Buscando o amanhã II - capítulo I
CAPÍTULO I:
Aquela era só mais uma noite na pequena vila do condado de Shaw. A pequena taberna da hospedaria estava aberta, e um som alegre de vozes que conversavam podia ser ouvido da rua.
De repente, uma estranha figura apareceu por lá. Ninguém sabia quem ela era, mas o fato é que era muito estranha. A jovem mulher não usava um vestido, mas sim uma calça, grandes botas de couro, uma camisa larga e um corpete. Usava uma espécie estranha de saia sobre a calça e um cinto de couro marrom.
Às vezes apareciam essas pessoas estranhas. Normalmente se tornavam o assunto das conversas na taberna, e com essa estranha em particular não foi diferente.
Ela encaminhou-se para o balcão e pediu uma caneca de vinho.
O balconista logo a atendeu, fixando seus olhos na estranha figura. Porém, em poucos segundos ela já havia sido esquecida pelos freqüentadores do lugar, que não viram mais nada de interessante a comentar sobre ela.
Novamente a porta se abriu, para que um homem alto e gorducho entrasse. Pelo modo como todos o receberam, era um antigo conhecido.
Ele seguiu até o balcão e cumprimentou o atendente.
-Boa noite, Vitor. – Disse o homem. – Uma caneca de vinho para mim, sim? Estou gelado até os ossos.
-Claro, Júlio. – Disse o atendente.
Júlio virou-se para a estranha moça, que ainda estava ali.
-E essa adorável jovem? Poderia me dizer seu nome? – Perguntou ele.
-Isso não é da sua conta. – Disse ela com voz cortante.
-Nossa, mas que ferinha! – Ele exclamou rindo. – Sabe, isso me lembra a história de uma senhora, mais precisamente uma duquesa.
Quando ele disse isso, todas as atenções do bar voltaram-se para ele.
-Chamava-se Cordélia de Áquila, e era uma mulher sensacional. Bem como essa jovem, era uma flor, linda de se ver. Possuía cachos castanhos e olhos verdes, e sorriso encantador. Acontece que essa jovem era uma ardilosa feiticeira. E com suas poções e feitiços, essa simples e bela camponesa casou-se com um duque muito abastado. Os dois tiveram uma filha e viviam em aparente boa vida, sem grandes problemas. Então, o duque foi chamado para ir para as cruzadas e deixou a esposa sozinha com a filha pequena. Foi aí, que descobriram que ela era uma feiticeira perigosa. Mais do que um encanto para conquistar o duque, ela queria que ele morresse nas cruzadas, para poder herdar a fortuna do marido e governar suas terras.
-Foi então, que oficiais descobriram a sórdida natureza da duquesa, e a levaram para a inquisição. Dizem que ela morreu na fogueira, amaldiçoando a todos e que jurou vingança. –Ele terminou sua história deixando muitos em silêncio, ainda compenetrados.
-E o que aconteceu com a filha? – Perguntou um moço.
-Ah, isso é um mistério. Alguns dizem que ela foi morta pela própria mãe. Outros dizem que a inquisição a queimou. E ainda há alguns que digam que sobreviveu e fugiu, crescendo entre os demônios na floresta. – Disse ele.
Nesse momento, uma gargalhada alta foi ouvida. Estupefatos, todos olharam para a estranha moça que emitira a gargalhada.
-Lamento, minha jovem, mas não vejo motivos pára rir dessa história. Trata-se de algo muito sério. – Disse Júlio.
-Oras, não seja ridículo! – Disse ela. – “Cresceu entre os demônios da floresta”, francamente. Eu conheço a história verdadeira. E não foi como o senhor conta. – Disse ela. – Aconteceu assim: Havia no ducado de Áquila uma adorável jovem, que realmente possuía olhos da cor de uma esmeralda, cintilantes e amáveis, e longos cabelos castanhos. Seu sorriso era fácil de encontrar no rosto de feições delicadas, e ela amava as flores e os bosques.
-Em certa manhã, ela colhia maças na orla do bosque, quando um jovem aproximou-se dela. Ela sorriu-lhe e voltou-se para as maçãs, enquanto cantava. A voz dela era tão doce, e ela era tão bela, que o jovem não resistiu a seus encantos e apaixonou-se. Mal sabia ela, que aquele era o filho mais velho do duque, que herdaria toda a fortuna de seu pai em algum dia no futuro. O jovem passou a visitá-la sempre, mas não contou que era um nobre, com medo de que ela o temesse. Porém, ele chegou à idade de se casar, e seu pai exigia que ele se casasse com a filha do conde de Barbarac. Tendo a certeza de que jamais seria feliz ao lado da condessa, ele falou com seu pai, que não entendeu a decisão do filho. Então, ele contou para a jovem camponesa que a amava, e que era o filho do duque. Ela ficou muito magoada por ter sido enganada, mas o amava tanto que não conseguia ficar longe dele. Então, os dois casaram-se às escondidas, com a ajuda do padre. Assim, o duque não poderia separa-los.
-Mas quando soube do que o filho fizera, o duque ficou furioso. Queria inclusive retirar todos os direitos de herança do filho. Pensou em ardilosas maneiras de livrar o filho da camponesa e inventou histórias infundadas a respeito dela. Disse que ela era uma perigosa feiticeira, e que fizera um encanto para conquistar seu filho. Difundiu essa história e já planejava falar com a inquisição, sendo ele um homem influente, quando descobriu que havia tido uma neta. O filho do duque imediatamente fugiu do castelo para ver a filha e deixou o pai ainda mais furioso, pois ele ordenara ao filho que não vise mais a camponesa.
-O duque reuniu sua guarda e seguiu até a casa da camponesa, na orla da floresta, disposto a matar a criança e prender a jovem. Entrou na casa e pegou a criança. Imediatamente, a camponesa começou a chorar, dizendo que aceitava deixar o filho do duque, na condição de que sua filha fosse mantida viva. O duque ficou comovido, e olhou para o bebê, que chorava em seu colo. Ficou arrependido das maldades e resolveu que aceitaria a jovem como esposa legitima de seu filho.
-Assim, eles passaram a ter uma vida feliz. O duque, infelizmente morreu na guerra alguns anos depois, e seu filho herdou seus bens e teve de partir para a guerra. Foi aí, que o conde de Áquila, interessado em tomar o titulo de duque, reavivou os boatos a respeito de Cordélia e a denunciou à inquisição. E ela teve um triste e injusto fim na fogueira. Mas manteve sua dignidade e sua alegria, pois sua filha havia conseguido fugir.
A estranha terminou a história e calou-se por algum tempo.
-Foi assim que a história sucedeu. – Disse ela.
-Uma narrativa notável, minha cara. Devo dizer que me enganei pensando que se tratava de uma leiga. – Disse ele. – Vejo que és uma jovem erudita, então.
-Exato. – Disse ela.
-Então diga-nos teu nome, e garante que ele será famoso entre todos nessas regiões. – Disse ele.
Ela passou alguns instantes em silêncio.
-Sou Lore. – Disse ela. – Lore Lindberg.
-Um nome forte, minha cara, um nome forte. – Disse ele. –E garanto que o bom Vitor aqui lhe dará hospedagem de graça por essa noite.
-Seria no mínimo falta de cortesia não hospeda-la depois de nos entreter com sua palavras, minha cara. – Disse Vitor, sorrindo atrás de sua barba ruiva.
-Agradeço por seus elogios, embora não seja merecedora. E aceito sua oferta de hospedagem por essa noite.
-Perfeito. – Disse Júlio.
-Venha, vou mostrar seu quarto, se já estiver cansada. – Disse Vitor.
-E estou. – Disse ela.
Seguiram os dois até a escada que levava ao patamar dos quartos.