Felicidade

Era um dia de relativo movimento, apesar do feriado. Um carro velho parou em frente à lanchonete e logo saíram um homem de meia-idade com seu filho a tiracolo. A impressão de pequenez financeira, já anunciada pelo automóvel, recebeu uma chancela com o aparecimento de seus ocupantes; a roupa deles era puída, fora de moda. Mas isso não lhes importava, pois eles eram felizes, bastante felizes.

Entraram na lanchonete e, apesar das mesas vazias, ocuparam uns bancos posicionados logo à entrada. Sempre sorridentes, chamaram a atendente e fizeram o pedido. O garotinho queria um sanduíche de preço elevado. Seu pai respondeu dizendo que não tinha dinheiro suficiente para aquele sanduíche. O pequeno fez beicinho, ensaiou um protesto, mas logo cedeu, pois ele sabia que o seu pai nunca diria algo assim se não fosse mesmo verdade.

Enquanto o lanche não chegava, o menino aproveitou para perscrutar o ambiente com seus olhos. Seus olhos estacionaram numa mesa que transbordava opulência. Nessa mesa estava instalada uma família composta por três pessoas: pai, mãe e filho, todos trajados com roupas finas, com as quais a família do pequeno não poderia nem em sonho adquirir.

O garoto não desviava a vista daquela mesa, absorto em seus devaneios. Até que ele foi flagrado pelo filho do casal. E, então, num átimo, se aprumou e desviou o foco do seu olhar, enrubescido por ter sido pego em tão franca contemplação.

Com o rabo dos olhos, tentava ver a movimentação daquela mesa. Notou que o filho do casal abastado olhava para ela com ar de desprezo. Quando o pequeno juntou coragem o bastante para olhar a mesa dos abonados, viu que o filho deles mantinha-lhe o olhar fito, com um sorriso de escárnio a percorrer-lhe os lábios.

Praticamente no mesmo momento em que os sanduíches pedidos pelo pequeno e pelo seu pai ficaram prontos, o pedido dos abastados também foi posto na mesa deles.

Eis que o garoto rico olhou para o lanche do garotinho; fez até um esforço, esticando o pescoço o máximo que podia para conseguir visualizar integralmente a refeição do garotinho. Atingido o objetivo, olhou para a sua mesa, tomada por um variado cardápio, abriu um largo sorriso e tornou a fitar o pequeno, esperando que tal ação acabrunhasse o menino.

Mas não foi o que ocorreu: o menino tomou o lanche entre suas pequeninas mãos, envolvendo-o com duas folhas de guardanapo. Comeu-o com vontade. Parecia ser a primeira refeição da vida dele, tamanha a verve com que ele mordia o sanduíche. Procurava sempre a vista de seu pai, o qual retribuía sempre com um amplo sorriso, que era, por sua vez, correspondido de imediato pelo pequeno.

O garoto abastado baixou o olhar para a sua mesa e toda aquela copiosidade alimentar. Direcionou, em seguida, o olhar para os seus pais. Pareciam dois autômatos, maquinalmente depositando comida em suas bocas, maquinalmente a mastigando, maquinalmente a engolindo. Não havia sintonia entre eles, não estavam fazendo aquela refeição com prazer; era apenas mais um acontecimento cotidiano, irrelevante, indigno de alguma observação. Tinham-se tornado abjetos, e nem haviam notado isso.

A transbordante felicidade continuava entre os menos favorecidos.

O garoto rico não sabia o que fazer. Desatou a chorar. Nem tocou na comida. Apenas chorou. Seus pais, já despertos do transe em que estavam devido ao berreiro do garoto, indagaram-lhe o motivo do choro, mas não obtiveram resposta. Pagaram a conta e resolveram ir embora, altivos, sem direcionar o olhar para ninguém, muito menos para aqueles dois pobres seres que estavam sentados nas banquetas. Aqueles pobres seres extremamente felizes.

Wander Assis
Enviado por Wander Assis em 29/01/2010
Código do texto: T2058830
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