Bagagens
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Mal abriu os olhos era hora de retornar. Tudo se passara como uma noite longa de trem com pequenas esticadas de pernas nos entroncamentos. O sacolejar sobre os dormentes anunciava que vida não era sonho. Foram cinco dias longe de casa. No pensamento não havia qualquer distância; demorou relaxar.
O sabonete fino e fatiado, largado no banheiro, dava o sinal da partida. Gastara um mês de trabalho nesse descanso à beira-mar. Cama estreita. Meia luz. Areia capuccino. Piatã; visita. Chuva. Mergulho azul na piscina. Garçons revezando-se a motoristas de táxis. Ivonaldo, Antonio, Pinheiro, Xuxa, Valdir, João. Homens encontrados com nomes. Havia os que carregavam par de olhos e silêncio. Havia os que não existiram.
Centenas de páginas e de idéias folheadas distraiam qualquer ânsia. E lembrava: “é preciso aprender a entendiar-se”. Talvez, caro demais. Como as nuvens são densas e leves. Complexas e belas. Ficara a perguntar sobre dormir, comer, transar, beber. Trocar isso por aquilo que não há troca. Viajar mil e tantos quilômetros e manter o mesmo desejo.
Esbarrando em contas, cheques, cartão de crédito; a querer enterrar nas conchas as obrigações e deveres. Esperando tomar do mar prazer e do sol beijo por todo o corpo. Mas eles vinham em filas, feito exército invadindo solo inimigo. Empinados. Impunes. Munidos. Imunes. Em continência mostravam cada falência. O fracasso da liberdade. Procura insana. Não havia qualquer botão para desligá-los, como ar-condicionado ou controle de TV. Estavam lá. Automáticos, nauseantes. Carga pesada. Velharia de sótão.
Aventurando-se daqui e dali esbarrava nos cacos de espelhos refletidos de imagens já mortas; como estrelas que brilham inexistentes. Tropeçava mesmo nos pedregulhos sem coragem de andar pela areia. Flutuava nas ondas chutando pedras. Faltavam-lhe as asas. Sabia disso. Trazia em si uma mala de desgostos que não lhe deixava partir em segurança, leve, livre. Carregava perdas e ganhos num saco de pano só. Não sabia desejar. Esperou, finalmente, a bagagem na esteira rolante. Estreitou-se saindo pelos portões de vidro. Invisíveis, seguiam-lhe os volumes.
Solange Pereira Pinto