Solidão e velhice  - Giselle Sato



Quando o tempo sussurrou em segredo:- Para você, é o bastante?

A soberba tornou-me cega e retruquei de malgrado um resmungo qualquer, sem prestar atenção às palavras. Apressada, como toda jovem, cheia de sonhos e planos.
Ousada, destemida, a vida fluindo por todos os poros. Mal sabia o que queria, quanto mais o que me faltava...

Anos mais tarde, a idade trouxe o arrependimento. Infelizmente, já não havia volta, vi as brumas envolvendo a paisagem e desejei dentro delas, encontrar o casulo e abrigo.
Mas apenas a ilusão gelada da existencia, me acompanhava:- Para você foi o bastante? -Ele me questionou novamente, desta vez, havia ironia e uma ponta de sarcasmo:

-Não! Queria ter ousado mais, dançado, cantado, viajado e vivido muito... Muito mais!Não fui feliz por completo, não amei o suficiente nem tive tudo que quis, acabou rápido demais, mal desfrutei ... Maldito tempo! Como te odeio! – Ouvi a risada pelos corredores vazios, e ainda os ouço... ainda.

O silencio é a companhia com quem reparto solidão e lembranças. Prendo as linhas no tear enquanto a lã macia escorre entre meus dedos e penso na vida. O xale toma forma, lentamente passo e repasso os fios e perco a noção do tempo. Sonho e repito cenas inteiras, cheia de saudades e carinho.
Sinto-me prisioneira e meu algoz não tem pressa. Anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos. Testemunhas.
Cinza chumbo é a cor do mar agitado, ao longe um navio apita e o som estridente é apenas um adendo. A chaleira esquenta , o bolo recém saído do forno atiça o paladar e a madeira queima lentamente, espalhando calor e aconchego. Um gato preguiçoso me espia do sofá, acompanhando os movimentos.

O som dos saltos assustam, assim como a cara sisuda:- Hora do seu remédio. Depois jantar e cama. Hoje está frio demais! A senhora esqueceu a janela aberta? Sei que compreende perfeitamente e pode responder. Podíamos conversar...

Não respondo, há anos deixei de falar e dizem que meu olhar é o bastante. Aguardo a visita derradeira , para quem sabe, reencontrar meu companheiro, parentes e amigos.Dizem que existe esta possibilidade, não sei se acredito, ou se haverá apenas o vazio e mais solidão. Não resta muito, aos 100 anos de idade , não resta quase nada...
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 24/01/2010
Reeditado em 24/01/2010
Código do texto: T2048215
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.