Jay Lene
Em algum lugar de Mustsovick, abaixo do céu sempre nebuloso, do frio que invadia corações e os congelava como cubos de gelo, sem derreter devido ao frio nunca dar trégua. A neve fazia parte da vida dos moradores, que cada vez mais se voltavam ao trabalho, esqueciam seus corações gelados e sem função emotiva. Entregavam-se ao seu cotidiano, triste cotidiano "feliz". Em meio as folhas secas, impossível não haver um coração apenas um coração que acredite ainda no amor.
Em algum lugar de Mustsovick, encontrava-se a pedir um amor uma jovem, que bela jovem. Não havia como não negá-la, era fácil vê-la em meio ao jardim na primavera, que flores não havia, mas a neve deixava muito mais bela a paisagem.
"Lindo vestido!" Ela ouvia todos os dias, um típico triste cotidiano "feliz", mas não se enganava, ela sabia o que a esperava, ou não. Talvez fosse por saber que não chegaria que entrou em luto, luto. Pobre menina que se escondia atrás da maquilagem pesada, roupas pretas, ela se perdia dentro de si própria, cada vez mais. Menina popular, não que ela quisesse, mas sua vestimenta assustava a todos que por ela passavam, a todos, ela dava medo. Creio que seus tristes olhos faziam lembrar a toda aquela gente o que eles fingiam esquecer, porque na verdade todos se sentiam como ela, mas ela era aquela que não possuía receio algum de mostrar-se verdadeiramente, ela abria aquele coração a todos que encontrava e ninguém mais, ninguém mais que pelo menos eu conhecia era igual a ela, ninguém se portava como ela, ninguém podia ser igual a ela, porque aqueles olhos tristes só ela possuía, a Menina dos olhos.
Menina dos olhos, impossível não reconhecê-la em meio a tantas outras. Ela que parecia ter seus 17 anos implorava a Deus, que não acreditava existir, mas que se existisse não a deixaria em vão esperar. O implorava incessantemente todos os dias, sempre às 17 horas da tarde, debaixo de sua árvore. Não havia como não ouvir seus gritos desesperados, seus choros durante a noite, seus sussurros quando se encontrava perdida. Era possível escutar seus tristes cânticos, era ela a quem eu tinha pena, pena e receio, pois ela não era quem eu gostaria de ser, e sei que ela também não gostava do que via no espelho. Em um de seus acessos de histeria, foi capaz de ouvir um juramento, mas que belo juramento, que mais parecia um apelo do que este, mas tomada de muita dor a fez, e prometeu e jurou...
"Eis, eu, aqui! Oh! Grande Deus dos fracos, dos deprimidos e teus filhos. Porque abandonastes seu filho, Pai? Porque me esqueceste em meio as suas sem importâncias tarefas? O que fiz, eu, a ti para que minha dor aumentasse, me diz! O que diabos eu tenho de errado, que nem a mim escutas. Será que não sou boa suficiente para que você possa me acolher? Óh Deus! Eu tenho dor, eu tenho amor em meu coração, porque não posso amar então? Será que não posso amar? Será que não fui feita deste? Hoje, 17 de julho de 1886, juro a Você, Pai do Amor Sublime, Ágape, que esperarei a morte vir, esperarei apenas a brisa vir fechar meus olhos, e vou dormir, eternamente, imergida em meu mundo, e viverei meus sonhos, sonhos que a mim o Senhor não permitiu. Pois, meu Deus, voltarei algum dia desses a me despedir, despedir desta vida medíocre que o Senhor reservou a mim. Eu, Jay Lene, me despedirei deste seu mundo, e não falta muito tempo, apenas mais alguns anos. Lhe dou alguns anos, para que possa mudar minha vida, mude a minha vida, porque já não mais gosto da imagem que vejo no espelho, sou minha pior inimiga, sou eu a me matar lentamente esperando, angustiada, alguém que me tire destas Trevas. Estou esperando! Eu volto, daqui há 3 anos. Então até o ano de 1889, 17 de julho."
Muitos a olhavam com mais medo do que o normal depois daquele dia. E o tempo a Jay passava ora rápido demais, ora devagar. E isso a ela dava medo, maior sua angústia, maior seu receio, receio de que não chegasse, receio de que a hora passasse.
Não havia medo de talvez ter que cumprir o seu juramento, o medo é de que não pudesse sonhar depois da morte. E era assim todos os dias, enquanto a neve caía, víamos ela deitada abaixo de sua árvore, apenas ela sua amiga, era ela que escutava todos seus lamentos e somente ela compreendia e não julgava, era assim que ela amava a querida Menina dos olhos. Sem qualquer pré-julgamento, pré-ocupação, ela nada dizia e era óbvio isso, mas desejara que fosse dito alguma coisa. Queria Jay escutar uma palavra de consolo, algo que a fizesse sorrir. Poucos, digo, raros os momentos em que foi visto a Jay sorrir, ou dançar. Eu nunca a vi dançar! E a ela restava apenas se acomodar com a situação, sempre contra a sua vontade, sempre contra a direção que seguia. E todo o dia, o dia todo era sempre a mesma mesmice. Um ano depois do juramento, ela se sentia livre, como se pudesse voar. Ela tinha um ar de tranqüilidade em seu rosto, ela sabia que alguma coisa aconteceria, naquele fim de tarde. E aconteceu. Já tinha visto muito pôr-do-sol, tantos que até se perdera nele. Mas ela esperava que alguma coisa acontecesse, após aquele. Era diferente, ouvia cantos de pássaros, que nunca ouvira antes, ela estava radiante de luz e seus olhos emanavam tal brilho, que era capaz de cegar a quem visse. Uma, duas, três horas haviam se passado, e mais uma vez ela se enganava, ela estava novamente perdida, porque não era aquele o dia em que chegaria sua felicidade.
Dias depois ficara doente, possuindo uma dor sem igual, sem remédio, sem meio algum de aliviar o que sentia. E ouviam gritar:
"É mal de amor!" Ou então "É o demônio que possuiu esta menina!", "Protejam-na, ela está apenas triste!", ou até "É loucura, o que ela tem!".
Todas as formas de dor, ela conhecia todas as faces desta, nada a fazia dormir, agora o seu medo era sonhar.
Ela só queria falar, ela só queria voar. "Por favor, parem de gritar!" Temia ela esbravejar aos quatro cantos, vista como um demônio, ela trazia a peste para sua cidade, ela trazia toda a desesperança. Era apenas ela que fazia as pessoas chorarem, era nisso que todos acreditavam, era nisso que faziam ela acreditar, e todas as frustrações daqueles "porcos imundos" como ela os chamava, eram jogadas para cima dela, como se assim fossem salvos. Queriam apenas redenção, se os problemas não fossem deles, não poderiam ser culpados. Culpados! Pobres criaturas, que gostam de se enganar, que fazem questão em se enganarem. E muitos dias tristes mais do que os normais se passaram, foram noites e dias a chorar, foram gritos sufocados por ter a garganta fechada. Ela estava com mais medo do que esperava saber existir, e finalmente, ela orou. A situação em que se encontrava se prolongou por muito tempo, e a melhora não vinha, ela não tinha mais vida e em sua face não havia mais maquiagem, poupava-se do martírio que era ter que ver em seu rosto a tristeza estampada, o martírio de se olhar no espelho todos os dias. Sua árvore agora quase morta, com folhas jogadas pelo chão, diziam que esta sentia falta daquela menina que carregava nos olhos expressão de dor, e em alguns dias enquanto o vento soprava como nunca havia soprado era capaz de ouvir esta dizer, chamar, clamar por Jay Lene. E o frio aumentava a cada vez mais dias se passava, e era não mais possível sair de casa, e não existia nem mais um triste cotidiano "feliz". As chuvas piores a cada dia, levavam casas e barrancos, não mais nevava, agora todo o céu chorava. Diziam ter alguma relação com a menina dos olhos, outros juravam que ela havia feito um pacto com o demônio. Aos poucos foi melhorando sua saúde, e o tempo voltava a ser o que era, a árvore vivia novamente, mas ninguém sabe o que havia se passado. Ninguém tocava no assunto. Ninguém sequer lembrava do ocorrido, inútil lembrar, insignificante lembrança.
Estava a chegar o dia de ser cumprido seu juramento, ela aos prantos, todos os dias contava quantos dias faltavam para este e agora estava a beira de um abismo, perdida em meio aos destroços de seu corpo, já não havia mais sequer um sopro de alma, ela não morava mais nela. A dor havia dado o seu lugar ao desespero, não havia mais nada a fazer, e nunca houve a não ser esperar. Dia 17 de julho de 1889, menina bonita que deitava abaixo da árvore, já havia ido embora, apenas não havia percebido. Havia de ir, logo. Dia 17 de julho, Jay Lene esquecera de morrer, teu corpo físico havia vencido a espera, mas tua alma não mais a acompanhava. Deita abaixo da árvore, em noite que ventava, a neve lhe caía tão bem. Adormeceu. Com pouca roupa, a neve lhe vestia, lhe vestia o corpo, tumulo da alma. O frio arrebatador lhe fez dormir. Ah! Minha querida Jay! Dormiu para sempre, em profunda letargia, com um sorriso nos lábios, e havia errado teus cálculos, se ela soubesse que ainda era dia 16...
Na noite escura, um corpo gelado, e muito mais que belo, que emanava luz encontrava-se deitado no chão, corpo que exalava perfume doce. Corpo que enchia meus olhos de luz, era ainda dia 16...
E dizem ouvir sair da árvore quando o vento soprava forte ora sussurros, ora chamados. Sempre, sempre em nome de Jay Lene.