ENCANTAMENTOS

Terezinha Pereira

Estou perdida do grupo. Nem ligo. É um dezembro de muita chuva, que oferece poucos momentos de vaguear pelo mato, o que mais quero. Faz uma semana que estou na cidade e já me sinto farta de ver cartas de baralhos e garrafões de vinho espalhados pela casa acanhada que alugamos pela Internet. Éramos sete amigos, que há muitas férias viajávamos juntos para a praia, em geral escolhida dentre as menos povoadas e as menos conhecidas. Gostamos de silêncio, de vinho, de cartas, de longas caminhadas pelas trilhas no meio do mato. De vez, em quando, um descortinar de uma nesga de mar........ Havia sido assim, de sempre.

Desta vez, o grupo de sete estava reduzido a seis, que a mais jovem de todos havia morrido, após a última viagem, quando foi atropelada, ainda com a mochila nas costas, por um senhor de terno e gravata, laptop e celular, que havia deixado de observar o sinal de trânsito.

Hoje, me via perdida, quando pensava caminhar em direção ao Vale das Borboletas. Não sabia se veria o vale cheio de borboletas, que isso só acontece vez ou outra, mas queria ver a gruta de samambaias e a cachoeira que faz escorrer duas colunas de água. Se tivesse sorte, ainda poderia me encontrar com os gnomos do vale.

Antes, ainda com os amigos, passei por Shangri-la, onde fomos buscar a energia cósmica prometida por aqueles que são dados a contemplação. A idéia foi minha, essa viagem pela cidade das pedras. Ainda não nos recuperamos do choque da morte de Aline. Eu, pior ainda. As pedras rosadas, a água avermelhada e a vasta vegetação do vale contrastam com a da paisagem daquele lugar onde passamos juntos o último dia das últimas férias, areia clara e água muito azul. Em Sangri-la, foi quando tive o primeiro momento de serenidade, após um ano.

Precisava de ar. E também de água, de terra. De fogo? De luz........ Assim, fui me distanciando do grupo. Trago uma casca de noz que sobrara das festas do Natal, três trevos de três folhas, três grãos de milho e um cristal com a intenção de oferecer esse presente aos gnomos. Para isso devo enterrar as prendas. Mas, se essa simpatia serve é para alcançar prosperidade........ Haveria algo para atenuar saudade? Como sou de Áries, logo que cheguei, me ensinaram uma magia para trazer força ao dia-a-dia: um banho com manjericão, palma de santa-rita, seis folhas de cipreste, um girassol e um pouco de gerânio. Foi o banho repetido dia por dia. Seria então, após alguns dias, que começava a recuperar minhas forças. Pode ser. Pelo menos a leseira começa a passar.

Haviam-me dito que eu estava enfeitiçada. Pode. Que não tenho o direito de ficar assim pela passagem da amiga. Tenho de quebrar o feitiço. Melhor seria quando a lua se encontrasse no signo de escorpião. Mas, é urgente. Que pegasse um punhado de sândalo moído, um punhado de folhas trituradas de mirra e uma folha de papel com o nome de meus inimigos. Então, espalhasse o pó de sândalo e a mirra por cima da folha de papel, repetindo nove vezes o encantamento:

Lua que tudo leva

Lua que tudo desfaz

Leva longe toda treva

E o nó do feitiço desfaz!

É fácil de encontrar, na cidade, os ingredientes das receitas para encantamentos, para quebrar feitiços. Mirra, é coisa da terra dos Reis Magos, penso. Nem imagino quem são meus inimigos. Escrevo no papel: “não amigos”. Enquanto penso no que dizer à Lua que tudo leva e desfaz........ Não posso conceber alguém com poder para tirar a vida de Aline, só para me desgostar.......... Se esse acabou fazendo mal a tanta gente! Mas, sendo feitiço, como pode ser desfeito? Se não existe o desmorrer........

Na porta de entrada da casa há uma espiral de prata pendurada. Foi a primeira coisa que vi, quando chegamos. Disseram que é o símbolo da Deusa. Funciona como armadilha para prender as forças negativas. Debaixo do capacho, num pedaço de papel branco, numa forma de espiral, da borda externa para o centro, está escrito: “todos vocês espíritos intrusos e desarmoniosos, são atraídos para esta armadilha. Do centro vocês só podem retornar para o local de onde vieram”. Disseram que, se alguém quiser entrar na casa trazendo tais criaturas, essas serão aprisionadas na porta. E as outras coisas........ Debaixo do travesseiro de cada um, há um saquinho de seda branca com um pouco de melissa seca. Para afastar os pesadelos e nos conferir sonhos alegres, explicam. É........ Mas. Desde que chegamos, não sei se, devido ao vinho ou ao infindável jogo de cartas, nem sonhos pesados, nem sonhos alegres, tive eu. Para esquecer de algo ruim, me ensinaram queimar um pouco de sálvia, e na fumaça, segurar uma pena branca. Depois, com essa pena enfumaçada de sálvia, que varresse todo o corpo e assim limpar minha áurea. Se estivesse usando anéis, pulseiras, relógios, deveria mudar a posição de todos eles, invertendo o processo de receber e dar energia, que o lado direito dá energia e o lado esquerdo recebe. Era para fazer isso durante uma semana. Durante esse tempo, deveria mentalizar o desejo de transformar tristeza em alegria. Como quero........ Se Aline não mais vive, pelo menos o seu riso........ Me disseram que sabiam de um encantamento para comunicar com alguém. Alguém de onde? _ quis saber. Viventes desse mundo, disseram. Esse encantamento não me é de valia. Haveria algum que me permitisse comunicar com um vivente do outro mundo? Ficaram de me passar.

Não sei se vou achar o caminho para o Vale das Borboletas, nem quero indagar sobre ele. Estou me sentindo bem, aqui sentada nessa pedra, de onde posso ver a linha do horizonte, em qualquer rumo eu olhar. Serras distantes, azuladas. Pedras e pedras e pedras. E o sol, que bem chegou e já ameaça entrar, bola de fogo, direto no chão. Me disseram que a magia é algo muito sério. Que nunca se deve abusar dela e nem usá-la de maneira incorreta........ Nesse instante, eu penso que a natureza abusa de magia. Só pode. Tamanho o encantamento........

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 28/05/2005
Código do texto: T20348