A CANTANTE

A CANTANTE

Nos anos quarenta, nas cidades do interior de Minas Gerais, santo de casa não fazia milagres, mas santo de fora sim; os visitantes eram tratados a pão de ló e se aproveitavam da ingenuidade dos moradores de cidades simples para se mostrar e convenciam aquelas pessoas crédulas, que eram famosas, ricas e poderosas, mas um dia isso acabou.

Na verdade era na maior parte das vezes só ilusão, pura aparência de pessoas tolas e sem nenhum conteúdo, de verdade mesmo eram só as roupas finas e nem sempre elegantes, mas para cidadãos de cidades pequenas, todo aquele brilho falso era deslumbrante e acreditavam em tudo, se sentindo honrados com as visitas da cidade grande.

São João do Norte era uma pequena cidade igual a todas as outras daquele grande estado, o povo era alegre, hospitaleiro e deslumbrado com tudo que vinha de fora e quando o meritíssimo juiz da comarca morreu, ficaram esperando com ansiedade a chegada do novo juiz; finalmente depois de muita espera, ele chegou.

O falecido juiz era um solteirão cheio de manias, o novato era também solteiro e já passado da meia idade, mas era bem educado, gostava de festas e era até bem simpático; chegou acompanhado por suas quatro irmãs, que eram moças alegres e compensavam a pouca beleza com sua boa educação e suas gentilezas.

Depois de instalado com suas irmãs, o juiz que se chamava Ascanio Portela, passou a freqüentar a sociedade local; atendia a todos os convites que recebia, sempre acompanhado pelas meninas, como ele chamava as irmãs e freqüentava regularmente o único clube da cidade, estava tudo do jeito que a comunidade gostava, até chegar uma prima do juiz.

A prima que se chamava Sonaira era uma bonita moça, muito bem vestida, de boa prosa, mas seu assunto era sempre sobre música; ela se dizia cantora lírica e contava sobre seus sucessos nas apresentações que fazia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e o povo acreditava em tudo como sempre e se desmanchavam em gentilezas com ela.

Nas festas e bailes, insistiam com a moça para cantar um pouco para eles, mas ela tinha sempre uma desculpa pronta para se recusar; em um animado baile no clube da cidade, o prefeito Honorato pediu a palavra e disse: vamos ouvir agora a linda Sonaira cantar, e não aceitamos desculpas, a moça não teve como escapar.

Subiu no pequeno palco onde estava a orquestra e disse que cantaria a valsa Danúbio Azul do grande compositor italiano Verdi; mesmo naquele canto do mundo, a maioria das pessoas sabia que a conhecida valsa era de autoria do austríaco Strauss e se olharam espantadas, mas espanto maior foi quando ela tentou cantar e guinchou desafinada.

A orquestra seguia para um lado e a moça para outro, foi um vexame gigantesco, mas o maestro Sabino salvou a situação passando de santo para rapadura, quero dizer que deixou a valsa de lado e atacou com o chorinho Brasileirinho e todos começaram a dançar animadamente, mascarando o mau jeito da prima Sonaira, que nada cantava.

No dia seguinte a falsa cantora foi embora, mas seu desastre serviu para acabar com aquela mania tola do povo acreditar nas lorotas dos visitantes de cidades grandes; quando escutam uma prosa cheia de elogios em causa própria, se lembram da desastrada prima do Doutor Ascanio e não acreditam, mas o juiz continuou muito apreciado.

Maria Aparecida Felicori { Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 17/01/2010
Código do texto: T2033933
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