O presente

-Realmente, está ficando bom. – disse ele, aceitando sem modéstia os elogios.

Desde criança, ele era um excelente pintor. E reconhecia isso. Jamais tivera dificuldade em representar as diferentes formas da Natureza, desde rústicos homens trabalhadores do campo até adornadas paisagens paradisíacas, cheias de encantadores pássaros que pareciam transmitir toda a sonoridade de seu canto através das suaves pinceladas na tela. E não havia quem questionasse seus dotes artísticos, nem mesmo seus mais odiosos inimigos, pintores que tentavam a todo custo igualar, sem sucesso, todo aquele talento.

Aquela obra, onde acabava de dar os últimos retoques, seria sua obra-prima. Mesmo ele, acostumado a admirar seus próprios quadros, assim como os dos maiores mestres de toda a história da arte, reconhecia que aquela pintura sobreviveria aos séculos.

Faltavam dez dias para a exposição, onde ele já previa a aclamação geral da crítica e o reconhecimento internacional, coisas que pouco lhe significavam, porque a arte para ele era mais uma diversão do que uma fonte de renda, apesar de fazer dela, desde cedo, a sua profissão. Com sete anos, participara de sua primeira exposição de arte, ao retratar a cena de uma mãe e uma criança, tão bem representada que sua expressão traduzia até seus mais íntimos sentimentos.

A namorada, sempre ao lado, era sua maior admiradora. Uma das coisas que os uniram, também desde muito cedo, fora o interesse pela pintura. Ela, a aluna, amadora. Ele, o professor, profissional. E era dela que vinham aqueles elogios, mais do que merecidos, o primeiro reconhecimento ao seu maior trabalho, que nada mais era do que um retrato dela, graciosamente vestida com trajes de bailarina. E ainda mais graciosa do que a própria modelo, era sua representação pelas hábeis mãos dele, aquelas mãos que ainda seriam as mais admiradas entre todas.

Depois de muito trabalho, deu a obra por terminada. Restava agora apenas o descanso, e, alguns dias depois, a recompensa. Não precisava se preocupar com mais nada, além da roupa que iria usar na sua coroação como o pintor do século.

E finalmente chegava o dia. Lá estava ele, em pé ao lado da preciosidade que saía de suas mãos, pronto a receber a recompensa por todos aqueles longos meses de esforço. Para receber os maiores elogios, encomendas, propostas, e tudo o mais que cabia a um pintor de nível histórico. Porém, passavam as pessoas, admiravam a tela e nada comentavam. Chegavam as autoridades, cumprimentavam-no com pouco entusiasmo, olhavam o quadro e saíam para admirar os outros quadros. Ele não imaginava o que poderia ter acontecido. Resolve, ele mesmo, investigar a tela, e ao olhá-la não pode acreditar ao ver que suas pinceladas, tão precisas, se mostravam tortuosas e mal feitas. A expressão de sua bailarina amada nem podia se comparar à real, de tão pouco natural.

Não demorou em decidir o que fazer. Entregou aquela obra à amada bailarina do quadro, como presente por ser a única pessoa que realmente a havia admirado. Mas não o entregou pessoalmente. A tela foi deixada na porta do apartamento dela, junto a uma carta de despedida, onde ele se despedia não somente dela, mas de sua vida. Ele, justo ele, havia cometido um erro, imperdoável. Ainda com a tela e a carta, havia uma caixinha, com a aliança que ele usava, juntamente com a mão que a carregava, a mão mais perfeita de todos os tempos, e que não merecia ter o mesmo fim do pobre mortal a quem pertencera.

Leandro Domiciano
Enviado por Leandro Domiciano em 15/01/2010
Reeditado em 16/01/2010
Código do texto: T2032064
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