O SOL DAQUELA NOITE 3

Promessa é dívida, não quer cumprir, não prometa, não quer pagar, não deva! E assim eis-me aqui para relatar as derradeiras peripécias de Da Paz. Como eu já disse nada dura pra sempre, e um belo dia o castelo de areia do nosso amigo ruiu, abalado que foi por um tremendo pé na bunda! No íntimo do seu ser, Da Paz virou um verdadeiro barco sem rumo, mas até ele próprio já achava que havia escolhido a carreira errada, deveria ter sido ator!

Por mais que os efeitos da punhalada, ou melhor, do pé na bunda, lhe estraçalhasse a alma, por fora ele continuou exatamente o mesmo, nem ele próprio se reconhecia e uma dúvida lhe aporrinhava, qual seria o verdadeiro Da Paz? A linha divisória era exatamente a primeira partida do torneio, em que ele lograra conquistar a gata-troféu.

Mas, como eu já disse Da Paz era sentimental, um paladino do amor, realmente o último romântico. O torneio havia terminado quase no final de um mês de Maio. Devo salientar que por mais que as pessoas desconfiassem do relacionamento de Da Paz com a gata-dos-olhos-de-mel, ele sempre preservara a imagem da gata (e a sua própria é lógico) chegando inclusive certa feita a chamar às falas um rapaz do almoxarifado que havia exagerado nos comentários maldosos em referência a um possível relacionamento entre Da Paz e a Gata.

A Gata vivia dizendo às amigas de trabalho que o motivo da sua felicidade e alegria, (até antes do castelo do Da Paz cair) eram as suas saídas com o argentino. Muito embora elas desconfiassem da verdade, engoliam, ou fingiam engolir as histórias.
Da Paz que não era nem um pouco idiota (tirando o fato da paixão desesperada) também mantinha completo silencio sobre o assunto, afinal o bicho podia pegar pro lado dele, vai que um engraçadinho tivesse a péssima idéia de levar alguma fofoca a conhecimento da sua esposa! Jamais comentará qualquer coisa sobre o assunto com ninguém! Curtia os louros da sua vitória em completo silêncio e segredo.

Logo após a queda do castelo seria o dia dos namorados, e Da Paz raciocinou rápido: A gata vivia contando vantagem para as amigas falando dos motéis de luxo e restaurantes maravilhosos que o argentino a levava. O que ela iria dizer sobre o fato de no dia dos namorados não receber nenhum presente. Alguém poderia levantar dúvidas.

O maravilhoso buquê de rosas foi entregue logo às oito da manhã do dia 12 de Junho, acompanhado de um cartão, sem nome de remetente, onde, em espanhol se lia um ardente poema de amor. É claro que todo mundo concluiu que o remetente era o argentino. Para Da Paz era um tremendo ultraje ter que encher a bola do ex-adversário, mas, era questão de sobrevivência!

A Gata-de-olhos-de-mel havia olhado nos seus olhos, se enrroscado nos seus braços, ele havia se queimado naquele fogo, jogado as regras do jogo, e apesar dos entraves ele havia chegado a acreditar que tudo era pra valer! E numa ânsia desesperada e louca ele pegara os seus sonhos e os jogara aos seus pés, e chegara a acreditar no impossível.

Mas um dia ele descobriu que mentiras e fingimentos feriram seus sentimentos, mas ele pensava: a dor um dia passa, e talvez um dia ela encontre alguém para misturar o sal das suas lágrimas, mas ele tinha certeza que, jamais com o mesmo carinho.

Um leão nunca esquece quem lhe cravou o espinho e mais dia menos dia até as pedras se encontram e podia ser que por acaso, ou talvez por ironia, por seu instinto selvagem, por vontade ou por pirraça, ou pelo orgulho movido ele fizesse do caçador a caça, e a gata não iria ver graça nas garras de um leão ferido!
A água continuou a passar embaixo da ponte até que um belo dia Da Paz precisou ir buscar um documento na área de contabilidade e foi então que o inesperado aconteceu.

Peço que você tenha um pouco de paciência, voltemos no tempo, vamos de elevador até o setor de contabilidade  junto com o Da Paz, (por favor aperte o sexto) passemos pelo corredor e vamos entrar na segunda porta de vidro à direita. Pronto, você concorda que ele tinha razão de ficar admirado? Quem não ficaria surpreso ao dar de cara com esta verdadeira deusa de ébano uma perfeita escultura de um metro e setenta e oito de altura, mais de um metro só de pernas, lábios carnudos e apetitosos e um sorriso de marfim verdadeiramente cativante.

A nova auxiliar de contabilidade já estava no pensamento e na boca de todos os gaviões de plantão, (aqueles do tipo que querem comer tudo que se mexe!) tudo quanto era barbado vivia arrumando um pretexto para ir ao sexto andar. Da Paz sacou de imediato que comparada à Gata a nova garota era uma verdadeira Pantera, mais ainda, uma Pantera-de-olhos-de-estrelas!

Da Paz balançou, estava com o orgulho ferido e achou que seria bom fazer com que a Gata experimentasse do seu próprio veneno; decidiu que iria ficar com a Pantera! Você pode pensar que é muita pretensão, mas Da Paz já havia aprendido que querer é poder. E na verdade ele havia descoberto que as mulheres ainda o achavam muito interessante, ele não sabia dizer o que elas gostavam nele, (grana ele não tinha) mas, ele se havia descoberto um Da Paz especialista na arte da sedução.

Dois meses se passaram e por pura coincidência a primeira vez que Da Paz e a Pantera saíram, foi exatamente no dia do aniversário dela, e a propósito, ela era apenas um ano mais velha do que a Gata. A Gata era o tipo de pessoa que gostava de estar sempre em evidência e de sempre levar vantagem.  Percebeu que o relacionamento de Da Paz e a Pantera tinha uma característica diferente, a Pantera não escondia absolutamente nada, ao contrário, fazia questão absoluta de que todos soubessem.

Da Paz e a Pantera começaram a ser motivo de preocupação da Gata, que nunca havia assumido o romance com Da Paz muito embora todo mundo desconfiasse, e quando o povo fala, ou foi, ou é ou será! No entanto agora era tudo ali literalmente na cara de qualquer pessoa. Era uma sensação de ter perdido o jogo e ela não gostava de perder!

Da Paz precisou sair de viagem por quinze dias, e durante este tempo todo o seu celular não parava de tocar, e não era só a Pantera, era também a Gata, se dizendo arrependida, pedindo milhões de desculpas, querendo voltar, fazendo declarações apaixonadas. Da Paz às vezes nem acreditava que tudo aquilo estivesse acontecendo.

Quando Da Paz desembarcou no aeroporto teve uma das maiores surpresas da sua vida, lá estava ela com toda a sua meiguice, ele não resistiu (alguém resistiria?). Dali eles foram direto para um motel e ele se viu novamente nos braços da gata-de-olhos-de-mel! A situação era complexa afinal ele tinha verdadeira paixão pela Pantera  mas, sentia o mesmo pela Gata. E pelo sim e pelo não, ele acabou ficando com as duas.

Era um verdadeiro comportamento idiota e típico de quem gosta de viver perigosamente, (e muitos poderão acrescentar: imoral). A Gata-de-olhos-de-mel havia arrumado uma forma de trabalhar das sete às quinze horas, a Pantera-de-olhos-de-estrelas trabalhava até as dezenove. A atividade física de Da Paz começou a ser mais intensa e, na maioria das vezes o jogo era à tarde com a Gata e a noite com a Pantera, às vezes em casa ainda havia a prorrogação!  Mas acreditem ou não, para ele era tudo perfeitamente normal. Ele vivia uma realidade que era o sonho da maioria dos homens!

Mas a Gata, como eu já disse não era mulher de levar desaforo pra casa, e aquele negócio de ver a Pantera chamando o Da Paz de amor pra cá, amor pra lá, foi lhe enchendo a paciência, mesmo assim a situação do jogo duplo durou mais ou menos um ano. Mas sempre que podia ela dava as suas alfinetadas.
Era uma quarta feira Da Paz havia ficado no escritório até mais tarde, o celular toca, era a Gata

- Tô com saudade, quero te ver, me pega aqui no shopping!

E lá foi o Da Paz, passou no shopping e a caminho da casa da gata fizeram um pitstop em um drive-in.

Na sexta feira antes das dez o celular toca, Da Paz estava em casa era dia de rodízio, havia acabado de sair do banho. Era a Pantera chorando. Vendendo azeite, xingando. Ele saiu enrolado na toalha e atendeu na varanda.

- Eu não agüento mais essa menina me enchendo o saco, falando um monte de coisa, ela disse que você tá ficando com ela, como é essa história?
- Essa mulher tá maluca, eu já estou indo pra aí, e a gente conversa.

Desligou o celular e ligou para a Gata:

-  Qualé você pirou, tá maluca, o que você andou falando pra ela?

-  Ah! Falei mesmo já tô cansada tá!

- Olha não fala mais nada e estou chegando aí daqui a pouco!

O bicho tava pegando, Da Paz tentou manter a dita cuja, entrou no carro e foi pro trabalho, não tinha outro jeito!

Depois do telefonema as duas começaram a se estranhar novamente e quase saíram no tapa, todo mundo vendo, todo mundo ouvindo. A Gata havia botado pra fora o que todo mundo desconfiava e que ela e do Da Paz haviam escondido por um ano. O que era só boato caiu na boca do povo!

Da Paz percebeu os olhares maliciosos assim que botou o pé na recepção, mas, fazer o quê?

As duas entraram na sala do Da Paz:

 Ela disse que você tem um caso com ela também, como é essa história, perguntou a Pantera totalmente desequilibrada, as lágrimas brilhando nos olhos de estrelas.

A Gata não perdeu a chance e emendou logo em seguida:

- É isso mesmo sua galinha preta, você é filial da filial!

Devo lembrar que furiosa a Pantera ficava ainda maior, Da Paz tentou manter a tranqüilidade:

- Isso é mentira, ela tá maluca, tá certo que eu te escondi uma coisa, a gente já teve um caso, mas acabou faz tempo, antes de você vir trabalhar aqui. Eu não contei nada porque não ficava bem, e também já tinha terminado tudo.

- Mas ela disse que saiu com você na quarta feira!

A Gata parecia se deliciar com a situação, mas Da Paz não esquecera o espinho que ela lhe cravara no peito e do alto da sua cara de pau disse em alto e bom som;

- Você é uma desequilibrada, doida de pedra, para com isso, eu já te falei que não tem mais volta, o que passou,   passou! Acorda para de falar mentira, de inventar história! Entenda e se convença de uma vez por todas que não dá mais, não tem nenhuma chance!  

- Me esquece,  deixa a gente em paz!

No fundo, no  fundo  em que pese ter ficado constrangido pois a Pantera de forma alguma merecia passar por aquele vexame, Da Paz sentiu o gostinho da vingança pelo que a Gata lhe fizera. A Gata saiu da sala feito um verdadeiro dragão, cuspindo fogo! Da Paz soube naquele instante que havia comprado uma briga do tamanho de um Titanic, ou melhor, a Gata era o iceberg capaz de derrubar o transatlântico.

Os argumentos de Da Paz foram convincentes, na verdade ele gostava realmente bastante da Pantera-de-olhos-de-estrelas, e conseguiu convencê-la de que a Gata-de-olhos-de-mel havia aprontado tudo aquilo pelo fato de não ter tido a coragem, como ela, de assumir um relacionamento. Vendo a atitude da Pantera que jamais escondeu o fato era natural que a Gata perdesse a linha e armasse o barraco.

O romance de Da Paz e a Pantera durou ainda mais dois anos, entre momentos extenuantes de felicidade e as crises costumeiras de todo casal que vive este tipo de relação. A Pantera não sabia mais o que dizer em casa, ninguém engolia o fato de que uma mulher linda e exuberante como ela não tivesse um namorado, e se ela não o apresentava à família só podia ser por um motivo, ele era casado.

E fazer o que, pegar o Da Paz  pelo braço levá-lo em casa e apresentá-lo aos pais, que eram mais novos do que o namorado? Além do mias um namorado que era casado? O próprio Da Paz começou a se dar conta de que a Pantera não merecia aquela vida. Algumas das crises tinham datas marcadas, dia do aniversário, Natal, final do ano, dia dos namorados. Da Paz  tentou imaginar uma filha dele naquela situação. Não saberia como reagir ou o que fazer!

O juiz da razão apitou o final do jogo, mas o brilho da felicidade daqueles bons momentos, juntaram-se ao sol daquela noite e permanecem até hoje no rosto do Da Paz!

Quem nunca sentiu na pele uma paixão daquelas devastadoras que faz qualquer um perder a razão, que atire a primeira pedra!

Todos guardam algum segredo, sagrados doces mistérios, variam as circunstâncias, o momento e os critérios.

antonio carlos de paula
poeta e compositor

www.antoniocarlosdepaula.com
AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 13/01/2010
Reeditado em 22/08/2019
Código do texto: T2027655
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