HISTÓRIAS OCULTAS NO SILÊNCIO DAS COISAS...
Desde sempre, tive uma fixação pelas minhas mãos e pés. Por meio deles senti o mundo, vivi a vida, da forma que pude.
Através das mãos tocava em tudo, sentindo a natureza de cada coisa, e as particularidades de cada uma.
Meus pés, sempre me sustentaram nesta vida, sentindo em si o peso dos anos pelos quais passamos juntos, e sempre me encaminhando por caminhos estranhos e diferentes...
E sempre senti uma sensação muito gostosa, quando minha mãe me pegava no colo, e pondo minhas mãos entre as suas, as acarinhava docemente e entre um olhar e outro me dizia que eram iguais as de meu pai.
Era muitas vezes pega de surpresa, quando deitada na cama, sentia minha mãe massageando os meus pés... E entre um sorriso e outro, pois sempre senti muitas cócegas, ela me dizia serem iguais aos de meu pai.
Quando me lembrava das palavras de minha mãe, corria ao meu pai para ver-lhe as mãos e os pés... E em meu olhar pareciam sempre muito iguais...
De bem com a vida, fui sempre muito espontânea, brincalhona e divertida...
Lembro-me especialmente de um dia em que uma amiga de minha mãe, velha conhecida da família, que tinha cuidado muito de mim quando pequena, em visita em nossa casa, insistiu em tirar algumas fotos nossas, pois iria viajar para outra cidade, e as fotos minhas era para que nunca mais se esquecesse de sua menininha do coração. E nas fotos que tirara de mim, lá estavam minhas mãos, em close. E lá estavam os meus pés...
Foram estas fotos que me trouxeram até aqui, a esta sala estranha, asséptica e fria!
Sempre imaginei que sabia tudo de mim mesma, que o que sou, é o que tinha que ser, e não seria diferente!
Quanto engano!
Quantas surpresas existem ocultas em nossas vidas!
Quantas histórias não permanecem ocultas no silêncio das coisas?
Um dia, já tendo se passado muitos anos, volta à minha vida aquela amiga antiga de minha mãe, com as minhas fotos de menina em punho, procurando noticias sobre mim...
Um dia, já tendo se passado muitos anos, após meu pai ter falecido, e minha mãe se recolhido a uma vida de memórias, volta à minha vida aquela mulher, contando-me uma história impossível!
Após a visita á nossa casa, Isaura tinha viajado a São Paulo, para a principio cuidar da própria mãe... Depois como as coisas tinham se complicado, foi procurar um emprego, e através dos conhecimentos que a família tinha, acabou indo trabalhar em casa de um antigo morador desta nossa cidadezinha...
Na casa tinha apenas o velho Germano, e o único filho deste, o Carlinhos...
Tinham saído daqui fazia alguns anos, após a morte da esposa de Germano, que refez a vida na cidade grande!
Isaura contou-me que estranhamente alguma coisa chamou a atenção dela em Germano, mas que em principio não soube descobrir o que era...
E assim os anos se passaram...
Uma tarde, Germano chega em casa e com os dedos das mãos abertos, alinha os cabelos que um vento havia despenteado...
O olhar de Isaura foi surpreendido pela visão das mãos de Germano!
E enquanto este se sentava á mesa, em que um rádio transmitia uma música antiga, de um amor proibido, Germano retira os sapatos e ante o olhar de Isaura, põe á mostra os velhos pés...
Isaura já um tanto próxima do patrão, perguntou-lhe o que estava acontecendo, o que ele estava sentido ou pensando...
-Nada Isaura! Nada! Foi uma súbita lembrança de um velho amor...
-Estava pensando na mãe de Carlinhos?
-Não, em uma paixão de adolescência, que meu pai não permitiu seguir adiante!
-Qual era o nome dela?
-Era Rosa, e ela era da sua cidade, sabia?
-Engraçado, minha melhor amiga se chama Rosa, e ela teve uns filhos lindos, inclusive uma menina, que olhando o senhor agora me veio à lembrança...
Contou-me Isaura que uma sensação estranha lhe percorreu a mente, quando com a lembrança de mim em mente seus olhos se fixaram nas mãos de Germano e em seus pés...
A partir daquele dia, ela foi esmiuçando a vida do patrão e pensando em mim...
Sabia que sua amiga Rosa, tinha um grande segredo, guardado a sete chaves dentro do coração... Um segredo que aparecia quando junto ao rádio, com o olhar para além da janela, mostrava-se melancólica e calada... Saudosa e triste!
Assim foram anos de arguta espera, a cata de informações e histórias, tendo fixo na mente a mais absurda das histórias...
Eu seria filha da Rosa, com Germano, e não com o Pedro das Dornas...
Após inúmeros convites, insistentes, fui abrindo o coração para as suspeitas de Isaura!
Dando-lhe ouvidos, a principio descrentes...
Finalmente vim conhecer Germano...
Com medo e insegurança fui ter com aquele homem, que de uma forma estranha, acolheu-me tão docemente.
Meus olhares se fixaram em suas mãos... Em seus pés não pousaram, embora quisessem...
Uma história impossível estava se descortinando...
Uma amizade entre nós se fez forte e constante!
A vida daquele homem me fascinava enquanto sentia cativante!
Até a sua dor, quando da perda de Carlos, para um acidente de carro, calava forte e fundo no meu coração e aproximava ainda mais a gente...
E hoje estou aqui, nesta sala, estranha, asséptica e fria!
Aqui é uma clinica de reprodução humana... Fazem aqui aqueles exames de DNA, para definir a paternidade, daqueles filhos que não as tem definidas...
Estamos aqui, esperando a hora da entrevista com o médico, eu, Isaura, Germano...
Minhas mãos estão tão frias, como as caricias de minha mãe cairiam bem neste momento!
Por um momento, sinto-a aqui a meu lado, acariciando as minhas mãos com cuidado, para no fim dizer-me como sempre o fazia:
- Suas mãos são iguais as de seu pai.
Iguais as do meu pai...
Súbito, rompendo o fluxo de minhas memórias, o chamamento da secretária á realidade:
- Senhora Maria, senhora Isaura, senhor Germano, o doutor Caio os espera...
Isaura se assustando, nos pergunta se poderia entrar mesmo, pois nem era da família!
Germano nervosíssimo se apoiando nela, pergunta-me se eu não me importaria que ela entrasse também...
Vi-o passando as mãos por entre as mechas de cabelos grisalhos, espanando o suor que lhe banhava a testa... Ouvi sua voz que quase falhava...
Nervosa e incerta, disse-lhe: - Não, não me importo, será até melhor que entre conosco...
Entramos todos...
A nossa frente, o doutor Caio estava a nossa espera, e após segundos de um silêncio agudo e perfurante, disse-nos com cuidado:
-Aqui esta o resultado do exame de DNA. Não gostariam de olhá-lo?
As velhas mãos de Germano se estenderam ás do médico, pegando o envelope que lhe estava sendo oferecido e o repassou para minhas mãos tremulas...
E neste momento as nossas mãos se tocaram...
O médico ofereceu outro envelope a Germano, que inseguro tomou-o junto a si!
Beijou o envelope!
Encostou-o junto ao peito!
Nós nos entreolhamos, com olhares úmidos e assustados...
Lemos o que diziam os laudos...
Finalmente um silêncio tão antigo, fora quebrado...
Nós nos olhamos, emocionados...
Nós nos abraçamos constrangidos...
A história oculta no silêncio das coisas do nosso passado estava á mostra:
-Maria, você é minha filha!
-Germano você é o meu pai, biológico!
E o segredo que mãos e pés, só em si guardaram, até então oculto, da realidade de nossas vidas, por fim foi revelado...
E as nossas vidas, desde então não foram mais as mesmas!
EDVALDO ROSA
11/01/2010
WWW.SACPAIXAO.NET
Desde sempre, tive uma fixação pelas minhas mãos e pés. Por meio deles senti o mundo, vivi a vida, da forma que pude.
Através das mãos tocava em tudo, sentindo a natureza de cada coisa, e as particularidades de cada uma.
Meus pés, sempre me sustentaram nesta vida, sentindo em si o peso dos anos pelos quais passamos juntos, e sempre me encaminhando por caminhos estranhos e diferentes...
E sempre senti uma sensação muito gostosa, quando minha mãe me pegava no colo, e pondo minhas mãos entre as suas, as acarinhava docemente e entre um olhar e outro me dizia que eram iguais as de meu pai.
Era muitas vezes pega de surpresa, quando deitada na cama, sentia minha mãe massageando os meus pés... E entre um sorriso e outro, pois sempre senti muitas cócegas, ela me dizia serem iguais aos de meu pai.
Quando me lembrava das palavras de minha mãe, corria ao meu pai para ver-lhe as mãos e os pés... E em meu olhar pareciam sempre muito iguais...
De bem com a vida, fui sempre muito espontânea, brincalhona e divertida...
Lembro-me especialmente de um dia em que uma amiga de minha mãe, velha conhecida da família, que tinha cuidado muito de mim quando pequena, em visita em nossa casa, insistiu em tirar algumas fotos nossas, pois iria viajar para outra cidade, e as fotos minhas era para que nunca mais se esquecesse de sua menininha do coração. E nas fotos que tirara de mim, lá estavam minhas mãos, em close. E lá estavam os meus pés...
Foram estas fotos que me trouxeram até aqui, a esta sala estranha, asséptica e fria!
Sempre imaginei que sabia tudo de mim mesma, que o que sou, é o que tinha que ser, e não seria diferente!
Quanto engano!
Quantas surpresas existem ocultas em nossas vidas!
Quantas histórias não permanecem ocultas no silêncio das coisas?
Um dia, já tendo se passado muitos anos, volta à minha vida aquela amiga antiga de minha mãe, com as minhas fotos de menina em punho, procurando noticias sobre mim...
Um dia, já tendo se passado muitos anos, após meu pai ter falecido, e minha mãe se recolhido a uma vida de memórias, volta à minha vida aquela mulher, contando-me uma história impossível!
Após a visita á nossa casa, Isaura tinha viajado a São Paulo, para a principio cuidar da própria mãe... Depois como as coisas tinham se complicado, foi procurar um emprego, e através dos conhecimentos que a família tinha, acabou indo trabalhar em casa de um antigo morador desta nossa cidadezinha...
Na casa tinha apenas o velho Germano, e o único filho deste, o Carlinhos...
Tinham saído daqui fazia alguns anos, após a morte da esposa de Germano, que refez a vida na cidade grande!
Isaura contou-me que estranhamente alguma coisa chamou a atenção dela em Germano, mas que em principio não soube descobrir o que era...
E assim os anos se passaram...
Uma tarde, Germano chega em casa e com os dedos das mãos abertos, alinha os cabelos que um vento havia despenteado...
O olhar de Isaura foi surpreendido pela visão das mãos de Germano!
E enquanto este se sentava á mesa, em que um rádio transmitia uma música antiga, de um amor proibido, Germano retira os sapatos e ante o olhar de Isaura, põe á mostra os velhos pés...
Isaura já um tanto próxima do patrão, perguntou-lhe o que estava acontecendo, o que ele estava sentido ou pensando...
-Nada Isaura! Nada! Foi uma súbita lembrança de um velho amor...
-Estava pensando na mãe de Carlinhos?
-Não, em uma paixão de adolescência, que meu pai não permitiu seguir adiante!
-Qual era o nome dela?
-Era Rosa, e ela era da sua cidade, sabia?
-Engraçado, minha melhor amiga se chama Rosa, e ela teve uns filhos lindos, inclusive uma menina, que olhando o senhor agora me veio à lembrança...
Contou-me Isaura que uma sensação estranha lhe percorreu a mente, quando com a lembrança de mim em mente seus olhos se fixaram nas mãos de Germano e em seus pés...
A partir daquele dia, ela foi esmiuçando a vida do patrão e pensando em mim...
Sabia que sua amiga Rosa, tinha um grande segredo, guardado a sete chaves dentro do coração... Um segredo que aparecia quando junto ao rádio, com o olhar para além da janela, mostrava-se melancólica e calada... Saudosa e triste!
Assim foram anos de arguta espera, a cata de informações e histórias, tendo fixo na mente a mais absurda das histórias...
Eu seria filha da Rosa, com Germano, e não com o Pedro das Dornas...
Após inúmeros convites, insistentes, fui abrindo o coração para as suspeitas de Isaura!
Dando-lhe ouvidos, a principio descrentes...
Finalmente vim conhecer Germano...
Com medo e insegurança fui ter com aquele homem, que de uma forma estranha, acolheu-me tão docemente.
Meus olhares se fixaram em suas mãos... Em seus pés não pousaram, embora quisessem...
Uma história impossível estava se descortinando...
Uma amizade entre nós se fez forte e constante!
A vida daquele homem me fascinava enquanto sentia cativante!
Até a sua dor, quando da perda de Carlos, para um acidente de carro, calava forte e fundo no meu coração e aproximava ainda mais a gente...
E hoje estou aqui, nesta sala, estranha, asséptica e fria!
Aqui é uma clinica de reprodução humana... Fazem aqui aqueles exames de DNA, para definir a paternidade, daqueles filhos que não as tem definidas...
Estamos aqui, esperando a hora da entrevista com o médico, eu, Isaura, Germano...
Minhas mãos estão tão frias, como as caricias de minha mãe cairiam bem neste momento!
Por um momento, sinto-a aqui a meu lado, acariciando as minhas mãos com cuidado, para no fim dizer-me como sempre o fazia:
- Suas mãos são iguais as de seu pai.
Iguais as do meu pai...
Súbito, rompendo o fluxo de minhas memórias, o chamamento da secretária á realidade:
- Senhora Maria, senhora Isaura, senhor Germano, o doutor Caio os espera...
Isaura se assustando, nos pergunta se poderia entrar mesmo, pois nem era da família!
Germano nervosíssimo se apoiando nela, pergunta-me se eu não me importaria que ela entrasse também...
Vi-o passando as mãos por entre as mechas de cabelos grisalhos, espanando o suor que lhe banhava a testa... Ouvi sua voz que quase falhava...
Nervosa e incerta, disse-lhe: - Não, não me importo, será até melhor que entre conosco...
Entramos todos...
A nossa frente, o doutor Caio estava a nossa espera, e após segundos de um silêncio agudo e perfurante, disse-nos com cuidado:
-Aqui esta o resultado do exame de DNA. Não gostariam de olhá-lo?
As velhas mãos de Germano se estenderam ás do médico, pegando o envelope que lhe estava sendo oferecido e o repassou para minhas mãos tremulas...
E neste momento as nossas mãos se tocaram...
O médico ofereceu outro envelope a Germano, que inseguro tomou-o junto a si!
Beijou o envelope!
Encostou-o junto ao peito!
Nós nos entreolhamos, com olhares úmidos e assustados...
Lemos o que diziam os laudos...
Finalmente um silêncio tão antigo, fora quebrado...
Nós nos olhamos, emocionados...
Nós nos abraçamos constrangidos...
A história oculta no silêncio das coisas do nosso passado estava á mostra:
-Maria, você é minha filha!
-Germano você é o meu pai, biológico!
E o segredo que mãos e pés, só em si guardaram, até então oculto, da realidade de nossas vidas, por fim foi revelado...
E as nossas vidas, desde então não foram mais as mesmas!
EDVALDO ROSA
11/01/2010
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