DISPUTA INFANTIL

Uma pequena vila encravada no sertão foi palco de uma disputa acirrada entre um menino e uma menina. O motivo: a amizade de um enorme dragão que os dois afirmavam haver descoberto em uma gruta escondida no coração da serra mais alta dali. Aquelas crianças faziam de tudo para atrair a admiração do monstro e mostrar quem exercia maior fascínio sobre o bicho para as pessoas residentes na localidade. A menina, muito treinada na arte de se exibir, mostrava o seu novo vestido rendado ao ser mitológico dizendo que o havia adquirido para que ele pudesse admirar a sua beleza. O menino reagia afirmando que isso era besteira e que importante mesmo era o seu sino mágico que tocava sozinho e transformava os objetos a um simples toque. Vendo-se acuada, mas sem perder a compostura, a garota mostrou uma galinha pedrez da sua propriedade que, segundo a mesma, em dia de boa postura, botava pelo menos um ovo dourado. Mentira!- disse o pequeno e revoltado infante. Isso é falsificação barata; a minha lira sim é que é de ouro puro e quando toco suas cordas o som emitido transforma rochas comuns em pedras preciosas em um raio de quase um quilômetro. O que havia de inusitado naquela disputa era que ninguém mais no povoado via o dragão para quem aquelas crianças se apresentavam com tanto esmero. Apesar disso, o assunto foi parar na feira, onde as pessoas começaram a tomar partido, ora da menina, ora do menino. A garota, sapeca como ela só, vendo que ainda havia alguns indecisos quanto à escolha do lado que deveriam ficar, alardeou uma pedra dura e transparente como o maior diamante já visto no mundo e que fora descoberto em uma caverna da região. O menino protestou: isso daí é de vidro e não tem maior valor; o meu jerimum sim, este é grande, pesa mais de 200 quilos e para ser guardado tem que ser partido ao meio porque inteiro não passa na porta do armazém. Uma gargalhada marota veio da direção da menina que emendou dizendo: ô bichinho para aumentar as coisas, só não traz para a gente ver! O moleque ficou vermelho de raiva e quis logo partir para a briga. Nisso entrou a turma do “deixa disso”, com destaque para um senhor idoso que, segurando firme o braço do garoto, dizia com a voz mansa: enquanto vocês disputavam às atenções desse dragão, que só vocês vêem, deixaram de observar as aves nos ninhais, as borboletas em vôos circulares em torno das flores, os pirilampos com suas luzes piscantes ao cair da tarde e tantas outras belas manifestações da natureza. O que se viu em seguida foi uma dupla de crianças cabisbaixas admitindo a invenção da existência do dragão com o intuito de revelar seus dotes para o povo do lugarejo. Mostrando-se arrependida, a menina acariciou as próprias tranças, enquanto o menino, pela primeira vez, dedicava um comentário elogioso aos tons negros do cabelo dela.