Era uma vez...

Apenas um cara que conhecia bem sua predisposição ao fracasso. Não se envergonhara disto. Já não travava batalhas homéricas com seu próprio ser, nem ousava buscar resquícios de fé em algum futuro, sempre longe demais para ser alcançado.

6h15. Um café fraco sendo bebido na xícara trincada. Uma formiga repousa preguiçosa ao lado do montinho de açúcar espalhado na toalha plástica da mesa. As notícias da noite anterior de que pessoas morriam de frio ou que perdiam suas casas por enchentes no mesmo planeta habitado por ele não lhe permitia um desjejum tranqüilo.

Quase nunca pensara nas circunstâncias que transpassavam os 40 m² do seu kitnet. O apresentador falara que a culpa pelas recentes tragédias climáticas era do aumento da poluição... Acendeu outro cigarro e fez a barba com a torneira aberta por cinco minutos. “Mais um coqueiro é engolido pelo mar em Tuvalu.” Pensou ele ao ligar seu Chevette.

Não fazia força para ter muitos amigos, seja no trabalho ou no boteco onde gostava de terminar as tardes de quinta-feira. Em seu twitter não mais de uma dúzia de seguidores. Para ele isso bastava.

Uma vez lera aquilo que levava como uma máxima vital, seu lema eterno: “Não se mede o sucesso de um homem pela quantidade de bens acumulados.” Como isso lhe confortava a alma.

- Não se podem forçar limites. Dizia retumbante ao lembrar-se das palavras de seu guru desconhecido.

O sinal fechou e como algo coreografado, uma matilha de carros desliza simultaneamente lado a lado. Um garoto aparentando seus oito anos coloca uma flor no retrovisor esquerdo do seu carro e lhe pede uns trocados. Do bolso sai um punhado reluzente de moedas que logo param no centro da pequenina mão estendida em sua janela. Os veículos retomam seus destinos, mas ainda houve tempo para ver pelo espelho quando o menino entrega a conquista a uma mulher gorda e descabelada que sentava imponente na calçada do outro lado da rua.

- Merda! Não suporto passividade...