Amor proibido...

Lídia, depois de Néné ter insistido, foi para Palmela descansar…daquela balbúrdia do Norte, onde era Empresária, que a pôs na mó de baixo. Levou consigo o filho de oito anos: Filipe. Estávamos em Agosto de 1999.O marido ficara, pois tinha que ultimar uns negócios pendentes, como o dizia sempre…já se habituara!

Néné fazia-lhe muita companhia, porém, Lídia preferia os seus livros e sob o sol escaldante de Agosto, rejuvenescia-se …Filipe jogava à bola mais à frente, na linda praia de Sesimbra. Eis que sem se dar conta, Lídia viu o senhor grisalho a aproximar-se de Filipe, tocou-lhe no rosto…teria à volta de trinta e nove anos…olhos amendoados, cor de mel, nada mais…a memória ocupou-se de imediato pelo telemóvel, era o marido que fazia o seu reconhecimento quotidiano…

À noite foi visitar o Castelo de Palmela, o qual se ergue no contraforte nascente da serra da Arrábida e dele se avista uma extensa área de Sines a Sintra. Grandioso…a brisa corria, Lídia sonhava analepses e prolepses de si. Ficou impressionada, dançava, no átrio, em frente de si, duas amêndoas douradas…Néné, falava da sua infância, das brincadeiras que faziam ali mesmo, das ruas que se avistavam e contou-lhe a história do Castelo (de uma forma muito instruída) daquela maravilha actual - Não conheço referências anteriores à sua conquista por D. Afonso Henriques (1148), o qual terá reforçado a fortificação árabe e posteriormente doado aos freires da Ordem de Sant'Iago que em 1191 retiraram. Destruído, foi recuperado em 1205 por D. Sancho I que confirmou a doação à Ordem de Sant'Iago que aí instala, a partir de 1210, o capítulo da Ordem. Em 1384, D. Nuno Álvares Pereira comunica a partir de Palmela, por meio de grandes fogos, a sua proximidade (depois de ter vencido o rei de Castela na batalha dos Atoleiros) ao Mestre de Avis, cercado pelos castelhanos em Lisboa. Mais tarde, o rei D. João I mandou proceder a obras de restauro no castelo, principalmente na torre de menagem. Em 1423, o mesmo rei, mandou construir o convento que a partir de 1443, acolheu definitivamente os freires da Ordem de Sant'Iago. Em 1689, D. Pedro II mandou construir as muralhas, preparando o velho castelo para acolher as modernas armas defensivas, os canhões. Em 1755, o terramoto danificou o castelo onde, apesar de tudo, continuaram a viver os freires de Sant'Iago até 1834, data em que foram extintas as ordens religiosas em Portugal. Após esta data, o castelo conheceu um período de relativo abandono, não fossem as obras de restauro iniciadas em 1945 pelo Estado e retomadas nos anos sessenta com o intuito de recuperar o antigo convento e aí instalar a actual pousada, uma das mais belas de Portugal. Sem dúvida nenhuma! Lídia inebriou-se daquele friso temporal:

- Amiga, que sorte, viver num sítio com tanta magia!

-Vamos dar um voltinha por aqui…este é o presente deste Castelo. Eu, apesar de viver ali, estás a ver, querida? E apontou para um rosa por entre árvores frondosas – já passei aqui um fim-de-semana com o Nuno. Como vês, esta Pousada está no interior do Castelo da Vila e integrou no seu espaço os claustros do antigo convento ali situado. Como está colocado no alto de uma imponente colina, nalguns quartos tem-se uma vista panorâmica fantástica! Quase que me atrevo a dizer que é a mais ampla e bela vista do nosso País! Sabes, eu amo esta terra…Terra de excelentes vinhos e de apurada gastronomia, Palmela é a rota de quem pretende conhecer a zona da Costa Azul e o magnífico Parque Natural da Arrábida. ..

Lídia já amava aquela terra, um misto de sensação de já lá ter estado…com alegria inexplicável. Agarrou Filipe pela mão e riu para Néné:

-Olhe querida, já sou uma fã da sua linda terra! Gostas Filipe?

- Muito mãezinha. E correu por entre aquela imensidão quente.

À noite Lídia, escreveu no seu bloquinho:”Aqui vou ser feliz”, Palmela, 13 de Agosto de 1999.

Trouxe consigo umas pedrinhas de Sesimbra multicolores, por entre um pôr-do-sol faiscante.

Finais de Agosto, voltou para o Norte de Portugal, decidiu tirar o Mestrado em Administração e deixar os negócios com o seu astuto e desprendido marido.

Pela noite, depois de Filipe dormitar, entre pesquisar pela net, usava o chat e carpia as noites de insónia pelos diálogos, desabafos e devaneios fáceis, porque virtuais. No Mirc encontrou Manuel. Teclaram imenso. Primeiro o trivial, depois o mais profundo…tornaram-se cúmplices. Mané vivia perto dela, mas nascera e vivera em Palmela. Que coincidência! -Estive no castelo, sabias? Afirmou Lídia, perguntando de forma pragmática.

- Eu estive lá imensas vezes! Quando era miúdo ia para lá brincar…

- E o vinho? Só provei na casa da Néné…

-Uma delícia! Quando nos encontrarmos, beberemos um copinho!

-Prometes?

-Claro.

Dois meses depois, encontraram-se no café Nostradamus, no Centro Comercial. Ela levava as pedrinhas e o pôr-do-sol que comprara em Sesimbra e um livro sobre Palmela. Ele chegou, atrasado…a intenção de Lídia era continuar a sua amizade, claro, a dele, também, davam-se muito bem, pareciam almas gémeas. Mesma colheita, anos sessenta.

-Olá…sou o Mané! És a Letícia? Perguntou ele, nervoso…

-Não, sou a Lídia! Senta-te…depois dos beijinhos da praxe.

-Prazer.

-Igualmente.

.Tenho aqui o livro da tua terra, que eu simplesmente amei. Olha, fui com o meu filho lá, o Filipinho, já te falei?

-Sim.

-E a Tua filhota, quando nasce?

-Dentro de pouco tempo.

-Que maravilha…vais ver…

Lídia teve uma sensação que já conhecia Mané, porém, não sabia de onde…estranho, tanto encaixe, tanta perfeição, tanta coincidência. Tinha uns olhos doces – Mau, mau…o melhor seria não dar azo ao devaneio, seria perigoso demais, eram casados…e continuaram por quase três horas. Lídia falava mais do que ele. Trocaram números, era inevitável. E ficaram íntimos…inevitavelmente.

Neste entrosar, com algum pesar à mistura, decorreram três anos. Bebiam um do outro e sobreviviam ao quotidiano das dúvidas. Cada dia mais …amor de raiz, diziam.

Um dia foram à Pousada de Palmela juntos. Amaram-se. Mané ofereceu-lhe camélias brancas diante do Pôr-do-sol incandescente de Julho.

Regressaram, certos de que nasceram um para o outro, cheios de atitude…com vontade de sublimarem este elo forte. Lídia sai do comboio, mão entrelaçada na nudez pilosa da mão de Mané…despede-se de Mané, com um beijo inteiro…e atira-se para a linha no momento em que surge um outro comboio. Mané não acredita…Lívido.

No funeral, Mané reconhece Filipe, a criança a quem entregara a bola em Sesimbra na praia e tocara no rosto. Dos seus olhos amendoados surgem lágrimas de saudade…gemelar.

Todas as semanas há camélias brancas na última morada de Lídia…Ouvem-se os gritos de Mané no siflar do vento…dizendo: Lídia nós cruzámos o nosso olhar em Sesimbra…partiste, sem o saber… e tanto o falámos… parecia que nos conhecíamos também fisicamente, dizias! Nunca me deverias deixar…alma gémea, minha amante querida, a quem entrego este monólogo…Perante isto, as camélias desabrocham e há quem diga que nelas escorrem gotículas.

Harmoniae
Enviado por Harmoniae em 27/05/2005
Reeditado em 27/05/2005
Código do texto: T20093